João de Barros (o filho), jogos e dívidas
João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN,
membro do IHGRN e do INRG
As informações sobre a nossa capitania hereditária são as
mais desencontradas, tanto quanto ao tamanho como aos seus donatários. Fala-se
em 100 léguas, algumas vezes, outras vezes 50 léguas. Uma hora só João de
Barros, outra, com Aires da Cunha. Essas distorções são provenientes do
desaparecimento dos documentos de doações. Encontram-se somente os Forais, que
tratam mais dos direitos e deveres dos donatários. Por isso, trazemos, através
dos artigos, informações colhidas no livro de Antonio Baião - Documentos
inéditos sobre João de Barros: sobre o escritor seu homônimo contemporâneo,
sobre a família do historiador e sobre os continuadores das suas “Décadas”.
Em uma mercê a João de Barros referente à sua capitania do
Brasil, datada de março de 1561, nas terras que chamam pitigares, consta que
ele enviou uma armada há vinte anos onde despendeu muito de sua fazenda e outra
há cinco anos onde foram seus dois filhos a povoar a dita terra. Essas datas
correspondem mais ou menos a 1540 e 1555.
No último artigo falamos sobre uma petição de Jerônimo de
Barros, dono de uma capitania de 50 léguas
ao longo da costa dos potiguares e vinte cinco na boca do Rio Maranhão, que
herdou do seu pai, por ser primogênito. Hoje, vamos falar do irmão, João de
Barros, que veio com ele para o Brasil, onde passaram mais de cincos anos,
conhecendo mais de 500 léguas de costa. No livro de Baião constam muitas
informações sobre as dívidas de João de Barros, que ele deixou por escrito,
talvez, em algum testamento.
Vamos priorizar,
resumindo-as, as informações que se relacionam com o Brasil, seus familiares e
algumas pitorescas. Pena que de Jerônimo
e João não se conhece qualquer relato circunstanciado dos cincos anos que
passaram no Brasil. Vejamos as proezas de João de Barros, o filho.
Conta João de Barros, que sendo moço, quando se foi do Brasil,
na Ilha Margarita jogou, sob sua palavra, com o cura de lá, que lhe ganhou
duzentos cruzados, que lhe mandaria, e, que tinha pai e mãe, e mais não tinha
para lhe pagar. Essa Ilha deve ser a que existe na Venezuela, no mar do Caribe.
A Bento Dias, do Brasil, devia vinte mil réis, parte deles
por empréstimo de muito boa mente, e outro deles me ganhou em casa de Dom Álvaro
Coutinho em Almeirim. Encontrei dois Almeirim, um no Pará e outro em Portugal,
no Distrito de Santarém. Talvez, seja o do Pará.
O filho de Antonio de Coimbra, no Brasil, me serviu alguns
dois anos e meio ou três e chamava-se Miguel, e nunca dei nada a seu pai e mãe,
somente mil reais uma vez. E este moço serviu-me muito bem, deem alguma coisa a
seu pai e mãe. Um filho de Diogo Castanho, de Leiria, que se chamava Fernão
Castanho, me serviu, me parece, dois anos no Brasil e morreu lá, também aos
herdeiros do dito Castanho deem alguma coisa, parece-me que tem mulher. Mas,
resta aqui que estes dois moços eu não os levei ao Brasil, ainda que o Miguel, do
amo, parece-me que já ia meu criado, e assim iam a buscar vida como eu, que a
ia buscar, mas contudo deem-se alguma coisa para eles ficarem contentes. Havia
um Diogo Castanho, de Leiria, processado pela Inquisição, em 1611,
possivelmente, dessa família.
Um irmão de uma guarda, que se chamava Antonio Gomes, e era
parente do Bispo Pinheiro, me serviu um ano, pouco mais. Um seu irmão, no
Brasil, e cá em Portugal. Também à mãe, lhe dê alguma coisa que deve ser viva.
Uns botões e medalha que Antonia de Azevedo emprestou a
senhora Ana de Almeida para mim e eu nunca mais lhe dei. Pedir-lhe perdão disto, não
valia muito.
João Gonçalves de Câmara (será o Zarco) devo três mil réis
que me emprestou, mas ele ganhou-me mais dinheiro em jogo, que eu não sabia
jogar, não sei se sou obrigado a pagar-lhos.
Aos herdeiros de Álvaro Pais de Souto Maior, tio de Fernão
Gomes de Grãa, de uns arcos de ferro que me deu em Cananor que lhe entregasse
em Cochim (Índia), se perderam os arcos que valeriam mil e oitocentos réis.
Álvaro Pais é citado no livro Décadas, de João de Barros, e foi capitão de
Cananor.
A umas mulheres do tempo que estive em Santa Bárbara que
vendiam vinho lhe fiquei devendo dois tostões, dei-nos a quem mandar um teólogo.
João de Barros, o cônego de Algarve, meu irmão Lopo de
Barros e eu quando viemos de Mazagão nos emprestou dinheiro, devemo-los ambos,
mas eu mais. Nunca o pediu, não sei se nos quitou, saber de seu testamento.
Lopo de Barros, meu primo, quando foi para Índia me mandou
de Évora, um moio de trigo e não sei que coisas de carne de porco. Quando vim,
não lhe mandei nada, o que foi mal feito, prometendo-lhe que faria. Saber se
sou obrigado. E assim o seu parente, escrivão da Câmara de Évora, que é
falecido, me mandou não sei quantos presuntos e dois queijos e nada lhe dei,
saber o que sou obrigado a isto.
A senhora Maria de Barros, minha irmã, dois mil e quinhentos
lhe darão por uma capa barrada que lhe deu meu irmão Antonio de Barros, e que
me perdoe.
O nosso contra mestre, baixo de corpo, que foi com v.m (deve
ser Jerônimo) e comigo ao Brasil e pousava em Boa Vista, lhe houve de Diogo de
Castro uma estrica, e ele me emprestou vinte cruzados e minha intenção era
pagar-lhe, e depois lhe dei uma capa em cruzados que bem vendida foi, e lhe
fico devendo outros dez por um assinado meu, se sou obrigado a pagar-lhe isto
ou não, pergunte-se, e peça perdão.
A uma filha de mulher que mataram que se chamava C.ª
Figueiro, diz a moça que emprenhou de mim uma filha, ela está no Limoeiro,
pressa de saber dela se é viva, já lhe mandei perguntar, não me respondeu,
porque quem lá foi não apertou com ela, saber se é viva a menina, e que lha
tomem, ainda que não seja minha, se é consciência e a metam, por servidora, em
um mosteiro longe de Lisboa.
E sendo caso, que eu depois de morte seja obrigado a pagar o
dote da senhora Izabel, minha irmã, que em tal caso, peço o senhor Lopo de
Barros e a senhora dona Izabel, se queiram pagar pelos rendimentos da capela, e
nisso se ajam como irmãos que são.
Ao Nuno, que dizem ser meu filho, e por este se criou, dos
Rendimentos da Capela por espaço de oito anos, lhe deem dezesseis mil em um
colégio para aprender, para frade, latim, e, não querendo ele, deem cem
cruzados e o mandem caminho da Índia, e não lhe dou mais por que não posso, mas
a ele lhe peço muito que seja religioso porque esta é a verdade.
João de Barros, 1º capitão do RN. |