30/03/2022

 





INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
DO RIO GRANDE DO NORTE

    Tenho a honra e a satisfação de registrar a magnífica solenidade ontem realizada na sede da OAB/RN, comemorativa dos 120 do IHGRN, a posse da nova Diretoria e dos novos sócios efetivos e "honoris causa", estes entregues às personalidades da Governadora Fátima Bezerra e Prefeito Álvaro Dias.
    Presença de muitas autoridades e de público que lotou o auditório onde a solenidade aconteceu.
    Agora, começamos uma nova história, sob o comando da Primeira mulher que preside a Casa da Cultura, advogada JOVENTINA SIMÕES DE OLIVEIRA.
    Parabenizo a organização, os discursos bem desenvolvidos, com especial destaque para a despedida de ORMUZ BARBALHO SIMONETTI e da empossada.
    Considerando a modernização da vetusta Entidade, entendo que não faz mais sentido a continuidade deste BLOG, que já registra um número considerável de acesso, ou seja: 332.106.
    Agradeço a todos aqueles que foram leitores deste meio de informação e os remeto a seguir o próprio site do Instituto.
Um grande abraço deste amigo que conduziu o Blog do IHGRN por muitos anos. 

24/03/2022

 

O PARAÍSO PERDIDO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Aprendi nos compêndios de geografia no Colégio Marista que “o Brasil é um país essencialmente agrícola”. Essa teoria mudou radicalmente nesses últimos 60 anos. Principalmente no Nordeste, grande produtor de cana de açúcar, banana, algodão, milho, feijão, mandioca, etc. Particularizando o Rio Grande do Norte, podemos dizer, sem medo de errar, que o produtor rural está falido.

Quem faliu a atividade agrícola? Ora, o Governo Federal, através dos seus próprios instrumentos: o Ministério da Agricultura, os juros bancários e o calote das usinas de açúcar aos produtores de cana.

O produtor rural é hoje um refém permanente dos bancos oficiais. Além das dívidas padecem as dúvidas do tempo, da ausência de uma política agrícola definida que objetive a produtividade. Quem cair na arapuca do empréstimo agrícola em banco do governo se arrisca a perder a propriedade. Nesses tempos alternativos, para sair do buraco, ou o proprietário rural faz acordo com os sem terra para invadirem sua propriedade, ou, quem tem nome/sobrenome arranja um gancho de um financiamento a fundo perdido, tipo “reflorestamento”, que já salvou, pelo “ladrão”, muita gente boa. O mais, ser produtor rural é padecer num paraíso perdido.

E a SUDENE? Pergunta um idiota chapado. Evadiu-se nas vagas vazias e vadias da incredibilidade, da inconsequência e da incompetência. Morreu de inanição sem se aperceber que a próxima crise mundial será a da escassez de alimento. No Rio Grande do Norte, se não fosse o programa do leite todos os produtores rurais, sem exceção, já teriam se enforcado. Desde o Governo Sarney, quando foi extinto o subsídio agrícola a atividade rural nesse país entrou em colapso. Na ANORC (Associação Norte-Rio-Grandense de Criadores) ou fora dela, a maioria dos agropecuaristas está vendendo o rebanho para pagar o banco. Para se viver honestamente, tirar da terra o sustento, acreditar que somos essencialmente um país agrícola, sem bandalheira, sem maracutaía, sem empréstimos dadivosos a fundo perdido com o dinheiro do contribuinte, o que fazer? Só há dinheiro para a atividade industrial urbana, fábricas, pólo-gás-sal, etc., e o campo vai se esvaziando, se erodindo...

Dir-se-á que o país todo se urbaniza e as propriedades rurais vão ficar mesmo para os sem-terras que irão se decepcionar e constatar que o trabalho agrícola é mesmo uma atividade marginal nesse país. Aí virá o Evangelho e Cristo dirá novamente: “Naquele tempo...”. O Nordeste será a Galiléia.

 

(*) Escritor.

 

10/03/2022

 

RELEMBRANDO TICIANO DUARTE

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Certos homens adquirem uma visibilidade tão marcante em seu campo de atuação que se tornam imprescindíveis aos seus contemporâneos, na medida em que suas opiniões e convicções passam a determinar modos de ver e de interpretar os acontecimentos da vida social. É que aos olhos deles nada daquilo que importa passa ao largo.

Assim vejo e identifico o meu primo-irmão Ticiano Duarte. Desde a antiga Rua 13 de Maio, depois Princesa Isabel, quando o conheci efetivamente e melhor, lá pelos idos de 1950. De 1954, em diante, fui revê-lo na Rua Voluntários da Pátria, no 722, Cidade Alta, telefone 2901. Ele era já expressão do “bate-papo” no Grande Ponto, seu fiel ancoradouro, onde se tornara notário público e destemido navegante das ruas e avenidas da política potiguar. Bacharel em Direito da Faculdade de Maceió, tornou-se decano do jornalismo da imprensa potiguar, atividade da qual desfrutou de ilibada notoriedade por sua isenção e imparcialidade nos juízos dos acontecimentos da política. Seumemorialismo ganhava ritmo de crônica e embasamento de historiador. Em seus escritos é possível intuir aquele saber de experiências, traço que distingue o verdadeiro homem de visão de um mero prestidigitador de quimeras.

Foi presença fecunda na imprensa norte-rio-grandense. A colaboração de Ticiano Duarte para a Tribuna do Norte rendeu, numa primeira seleção, o livro “Anotações do meu caderno” (Z Comunicação/Sebo Vermelho, 2000), reunindo os principais fatos políticos dos últimos 70 anos do século passado no Rio Grande do Norte. A precisão das análises, a escolha dos protagonistas, a evolução dos acontecimentos e o retrospecto dos episódios que marcaram profundamente as vicissitudes da política potiguar encontraram ali o seu cronista mais atento e informado, imparcial e verdadeiro. Nesse livro, objetivamente intitulado “No chão dos perrés e pelabuchos”, avultam as mesmas qualidades que consagraram “Anotações do meu caderno”, com a única diferença de que agora ele se deteve com mais vagar na descrição de perfis e na análise comparativa dos fatos, mesmo separados por décadas. Vultos inesquecíveis da vida pública estadual, como Djalma Maranhão, Georgino Avelino, Café Filho, Aluízio Alves, Odilon Ribeiro Coutinho (“mistura de tabajara e potiguar”), Tales Ramalho (“paraibano por acidente, norte-rio-grandense pelas grandes ligações familiares, e pernambucano por adoção”) são algumas das estrelas de primeira grandeza dessa constelação de escol. Cronista, para quem a política não pode se dissociar da ética, sob pena de naufragar nos desmandos de governantes e correligionários, Ticiano fez o elogio dos políticos exemplares perfilando a figura de Café Filho porque, justifica, “o povo espera dos homens públicos exemplos. E alguém disse, com muita propriedade, que o importante não é só pregar moral apenas para os outros, censurando nos outros o que silencia entre amigos e parceiros”. Ao fazer o elogio da lealdade e da coerência, ele retirou do limbo o nome de Walfredo Gurgel, ressaltando que “o seu governo foi um exemplo de seriedade no trato e na gestão da coisa pública. Todo o Rio Grande do Norte sabe desta grande verdade, mesmo seus adversários não podem omiti-la, por mais que o tenham combatido no campo das ideias e das diferenças partidárias”.

Em “No chão dos perrés e pelabuchos” ainda é possível encontrar silhuetas de políticos esquecidos pela História, mas preservados, por exemplo, numa Acta Diurna de Luís da Câmara Cascudo, como Hermógenes José Barbosa Tinoco, deputado do Partido Liberal que a voragem do tempo soterrou; os entreveros entre pelabuchos e perrés que incendiaram o paiol das agremiações políticas dos anos 1930, que não escaparam à argúcia focada por Ticiano sobre os atores da nossa história.

Ele propõe e reforça as teses daqueles que defendem a necessidade de uma urgente reforma política a fim de repor o país nos trilhos da ética e inaugurar uma nova era na vida política brasileira. O seu olhar espelha nesse livro o brilho e a lucidez dos seus brancos cabelos, como testemunhos da vida e do mundo.

(*) Escritor

 

 


 

WALTER, SOUTINHO E O CAMINHAR DA VIDA

Tomislav R. Femenick – Jornalista

 

No longínquo ano de 1955, eu e o meu amigo Walter Gomes inventamos de abrir uma agência de publicidade em Mossoró. Ambos trabalhávamos no jornal O Mossoroense, dirigido pelo “velho” Lauro da Escossia e seu filho Lauro Filho. Eu, como repórter, e ele, com uma coluna diária que misturava tudo: crônica social, política, negócios etc. Só não falava de casos policiais. Dizia que dava azar. Então resolvemos encontrar um meio de ganhar alguns trocados a mais, publicando cadernos especiais. Dessa ideia saíram edições sobre indústria, comércio, agricultura e administração pública.

Nos reuníamos nas mesas do Bar Suez, da ACDP e, vez ou outra, nos cabarés Brahma e Copacabana. As ideias que ali nasciam precisavam ser aprovadas por Lauro Filho, que geralmente aceitava nossas sugestões. Só me lembro de um veto: um lançamento que propusemos de um caderno sobre a vida alegre no Alto Louvor, o bairro do alto meretrício. Além de escrever os textos, nós tínhamos que conseguir os anúncios. Aí é que nós ganhávamos uma comissão, sobre o faturamento dos anúncios.

            Um ano depois, nós, eu e Walter Gomes, resolvemos institucionalizar o negócio e criamos a Propag; se não a primeira, seguramente a segunda empresa de publicidade do Estado, com registro na Junta Comercial, endereço, instalações, telefone (na época um artigo de luxo), secretária e outras coisas mais. O problema era que não tínhamos dinheiro para isso tudo. Fomos para o Bar Suez para ruminar a solução. De repente, junta-se a nós um cidadão de quem não me lembro o nome, e resolveu a questão, dizendo: “homem de dinheiro em Mossoró é Soutinho”. Não dissemos nada, mas ficamos olhando um para o outro. Logo fomos, ligeirinhos, falar com Francisco Ferreira Souto Filho, com quem tínhamos amizade. Expusemos a nossa necessidade de grana para fundar a empresa e, por isso, queríamos um financiamento do Banco de Mossoró, então controlado por ele. “E se a empresa quebrar?” – Perguntou-nos. Então viramos sócios; Eu, Walter Gomes e Soutiho. A Propag viveu até eu fazer concurso e passar para assumir o cargo de escriturário no Banco do Nordeste.        

Mas a vida dá muitas voltas. Walter foi para o Rio de Janeiro, voltou para Natal e depois se instalou em Brasília, sempre perseguindo as notícias e suas fontes. Eu pedi demissão do BNB, entrei em outros negócios e, depois, deixei minha terra natal e fui para São Paulo, afastei-me do jornalismo e entrei de cabeça no mundo dos altos negócios, via auditoria contábil, econômica e administrativa. Uma vez recebi sua visita em meu escritório na Av. Paulista e ele foi jantar na minha casa. Quando eu ia à Brasília, também o visitava. Quanto a Soutinho a distância nos unia. Ele e Edith eram padrinhos de batismo da minha filha. Sempre que ia a Mossoró, visitava-o em sua casa, onde uma vez, se me recordo bem, provei um impensável soverte de pitomba.  

Porém, nada é mais inexorável do que o caminhar da vida em direção à morte. Tudo o que é vivo anda nessa direção. Desde os gigantes baobás africanos e nordestinos, até os diminutos vírus. Um dia todos desaparecerão.

Em poucos dias foram-se desta existência Walter, o buscador de fatos e notícias desta “República Surrealista” do Brasil, e Soutinho, o realizador e desbravador das lides salineiras. Um perseguia os homens que fazem as leis, que as executam e, também, que impõem o seu cumprimento. O outro buscava fazer com que o sal se transformasse em uma riqueza da nossa terra, fazer com que o nosso se transformasse no sal da nossa vida.

O que nos entristece, mais ainda, é viver em uma época de tantos homens sem serventia e ver que, logo eles, homens de valor exemplar, tenham nos deixado.

 

Tribuna do Norte. Natal, 10 mar. 2022.

03/03/2022


MACAÍBA DE ANTIGAS CANÇÕES E VELHOS FOLIÕES



Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com

 

 

Nestor Lima era um macaibense da gema que foi “cônsul honorário” do município de Parnamirim. Era a quem recorria quando consultava a bússola do tempo, da tradição, das vertentes e das nascentes de nossa Macaíba. Revisito Nestor Lima para, através dele, penetrar na máquina de sua memória. A nossa cidade, nas artes, conheceu o clássico e o popular. Macaíba foi cidade aristocrática nos anos 20, 30, das bandas de músicas José da Penha e a do Grêmio, pontificados nas figuras dos chefes políticos Neco Freire e Major Andrade. A fina flor da sociedade exercitava a música, o teatro e o canto, o que conferia a Macaíba a fama de cidade cultural. Vicente Andrade no trompete, violino e piano; Orlando Ubirajara e Rosalvo ao violino e piano; Euclides Ribeiro, saxofonista; Abílio Monteiro, trombonista; João Leiros no contrabaixo; Luiz Marinho de Carvalho, grande trompetista e pianista; João Lins e Luiz Martins, violonistas inexcedíveis; Valdemar Barros, virtuoso pianista Era a época, onde em cada rua do centro da cidade, existiam um ou dois pianos. 

 

Nos dias de hoje, não existem um sequer. Nos anos 40 e 50, se destacaram em todo o município os famosos conjuntos regionais que interpretavam a música popular brasileira. Celebrizaram-se Nestor Lima, Cornélio Mangabeira, José Alves, José Cabral, Luiz Marinho, Manoel Domingos, Chicozinho, Carlito, Nizário Máximo, José Leiros, Sebastião Melo, Airton Feitoza. Todos formavam uma escola de batutas que hoje não se vê mais. Como também jamais se reeditarão os conjuntos teatrais que tanto sucesso fizeram em Natal, começando pela figura maior de Joca Leiros, seus filhos Zé Leiros, Wilson, Nozinha, Luiz Marinho e os filhos Gutemberg e Aidée, Antônio Coelho, Alice Lima, Hiran e Célia Lima, José Muniz, e Aguinaldo Ferreira. E para fechar o leque cultural, uma plêiade de cantores que enchiam de canto e encanto as noites macaibenses, do quilate de Salvador Galvão, Joanete Ribeiro, Edson Silva, Dorothy Moura, Aliete Muniz, Luiz Vieira, Cecília Marinho e Laíde Máximo. 

 

Mas o carnaval macaibense nos anos prefalados, era o desaguadouro natural dos afluentes culturais da época. Não se pode esquecer os clubes de cordão: "Os Remadores", os "Vassourinhas", o “Coco-Zambê” do caboclo velho e as madrugadeiras "Maxixeiras", anunciadoras primeiras do carnaval, comandadas por Lula Ramos. Dos blocos, o Zé Ludovico que caminhava à frente pelas ruas, nos seus 1,80 de altura impertigável, imperturbável e inabordável, apesar de toda a folia ao redor. O de Pedro Pixilinga, que anos passados resistiu, no mesmo passo e compasso como há 40 anos atrás, a Escola de Samba de Zé de Papo, sambista incorrigível. As tribos de índios, bagunças, troças, tudo faz sentido hoje relembrar, abrindo alas para todos passarem na sempre comovida recomposição de um tempo que nunca mais se repetirá.

 

(*) Escritor