19/11/2020

 

·         O QUINTO EVANGELHO

Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com

O leitor que me desculpe, mas Jesus Cristo é fundamental. Volto ao tema cristianismo porque novamente surge outra heresia. Assinado pelo romancista Jeffrey Archer e um teólogo inexpressivo chegou às livrarias dos cinco continentes um livro que reabilita Judas Iscariotes e nega milagres do Salvador do mundo. O autor é inglês e anglicano e atuou na política como membro do Parlamento ao tempo de Margaret Thatcher. Archer não logrou êxito na carreira. Em 1986, o jornal Daily Star publicou uma reportagem segundo a qual o escritor teria pago duas mil libras para uma prostituta. Acuado, o “advogado” de Iscariotes fabricou um álibi e foi preso em 2001, por perjúrio e obstrução da justiça. Somente ganhando a liberdade em 2003.

Este é o perfil moral do escritor, segundo o jornal Folha de S. Paulo, edição passadas. Vem engordar a indústria da crítica cultural da Europa que procura dilacerar o cristianismo. As banalidades apontam Judas como herói desse novo processo “científico” colocando como narrador do horroroso “quinto evangelho” o fictício Benjamim Iscariotes, filho virtual de Judas, que afirma, entre outras invencionices, que o traidor de Cristo não se enforcou. Morreu crucificado. Ao contrário do texto dos quatro evangelhos oficiais, ditados pelo Espírito Santo, a versão do livro indica que  “Judas era um iniciado que traiu Jesus a pedido dele próprio e para a redenção da humanidade”.

Ora, a vinda do Messias prometido foi anunciada no Antigo Testamento pela quase totalidade dos profetas. Bem como de que Ele seria traído, entregue para ser morto e que ressuscitaria ao terceiro dia. Judas Iscariotes – todo cristão sabe – queria que Jesus derrubasse o poder dominante dos romanos. Era político, tanto quanto o foi também, desastradamente, o desqualificado autor do livro Jeffrey Archer. O compêndio lançado tem apenas cem páginas. O seu parceiro é um romancista (Frank Maloney) que utiliza expediente ficcional na releitura dos textos bíblicos, a ponto de proporem os dois revisões nos quatro evangelhos.

Como podem, hoje, as igrejas evangélicas e católicas suportarem tal infâmia de dois romancistas ambiciosos, que se prevalecem de jurássico e imprestável manuscrito em papiro perdido há cerca de 1700 anos e com irrefutáveis suspeitas de fraude? Obviamente para ganhar dinheiro com um tema atraente, diferente, atípico, escandaloso e que passou por tantas mãos, museus, negociantes e mal-intencionados tradutores.

“The Gospel According to Judas by Benjamin Iscariot”, título original da fanfarrônica obra, pretende abrir a cadeia da história para outras reabilitações: a de Barrabás, a de Herodes Antipas, a de Pilatos, a de Caifaz, a de Caim, enfim, todos os vilões da história sagrada. Leia, caro leitor e amigo, para concluir que a vinda de Jesus ao mundo não se deveu às circunstâncias ou a casualidades. Tudo foi previsto. Entre centenas de referências bíblicas sobre o assunto, cito algumas: Gênesis 3.15, onde está dito que o Messias seria um homem da descendência da mulher; Gênesis 49.10 diz que o Messias descenderia da linhagem de Judá; em Deuteronômio 18.15-19, foi revelado que um profeta semelhante a Moisés se levantaria depois dele; em Samuel 2.35-36, foi prometido um Sacerdote fiel: Jesus Cristo; em II Samuel 7.12, o Messias descenderia da linhagem de Davi; em II Samuel 7.14, o Messias será o Filho de Deus; em Isaias 7.14, uma virgem conceberá e dará à luz um filho... Jesus Cristo; Miquéias 5.2, diz que o Messias nasceria em Belém da Judéia; Zacarias 9.9: o Messias trará salvação a todos; Zacarias 9.9: o Messias chegará montado em jumentinho...; Zacarias 12.10: o Messias será traspassado.

 

 

 

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ATCHIM

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

A vida é uma rotina. Frase comum, chula, mas verdadeira. Como pôde um espirro noturno ingressar na monotonia dos meus hábitos? Ora, pela força da repetição. De um apartamento, do bloco de três andares, ao lado de minha casa, ressoa, ecoa e assoa sonoramente um espirro soturno, notívago, após as nove da noite que me arremete as madrugadas silenciosas de Macaíba. 

 

Naquele tempo, a rua era uma aldeia globalizada. Nos quintais os galos se repetiam brincando de código morse. Nas ruas a guarda noturna soprava apitos, distintos e indistintos. Aqui, o espirro do meu vizinho vem do alto. Desce e entra em minha casa como um som costumeiro da TV, do rádio, da descarga ou do chuveiro.

 

Quantas vezes não me quedei silencioso, refletindo aquela contração súbita e cronometrada dos músculos expiratórios? Do meu quarto, fito, vez em quando, a janela acesa e misteriosa do meu vizinho. E me questiono com a exatidão repetitiva do ar expulso pela boca e pelo nariz que não me parece gripal, talvez alérgico, talvez ritual de arremesso de alguma olimpíada esquisita do fluxo e refluxo da noite. Ou quiçá, o Corona, de carona.

 

Não conheço até hoje o homem do espirro. Seria gordo, magro, alto ou baixo? Não sei. Algumas vezes, procurei descobrir na saída matinal para a minha caminhada ou na volta da rua, à noitinha. Tenho suspeitos. A ninguém indaguei sobre a investigação. Poderiam me achar bobo ou intrometido. “Ora, querer saber quem espirra no bloco”, talvez pudessem comentar.

 

São 21:45h. Ouvi, há pouco, o último atchim. Explosivo, arrastado como se quisesse absorver o que expeliu. Parece que sente um gozo inexprimível. Um alívio nas mucosas ensandecidas repentinamente para deleite de uma platéia invisível mas participante. Na verdade, como acontece todas as noites, aquele fora a expiração final. O sossego voltou a reinar. Ainda espiei a sua janela.

 

A luz se apagara. O repouso do meu dragão havia começado. Terminei essas linhas já pensando que amanhã a rotina voltará. Uaatchim, uaatchim, uaatchim. Sempre inicia com três petardos.  Depois outros e mais outros. Até cumprir os procedimentos notívagos do deitar, dormir e talvez o pesadelo de sonhar com poderoso anti-histamínico ou antialérgico, eficientes no alívio da congestão nasal, rinite ou coriza. Porque o bom mesmo para ele é espirrar. Uaatchim, uaatchim, uaathicm! Saúde! Boa noite.

 

 (*) Escritor

 

 


O reino do faz de conta

Tomislav R. Femenick – Economista e Jornalista

 

Era uma vez um reino muito grande, um dos maiores entre os que se conhecia. Era grande mesmo. O verde de suas matas cobria a maior parte do seu território, o amarelo de sua riqueza se refletia nos vitrais das inúmeras cortes palacianas. O azul do seu céu era resplandecente e a paz que reinava entre seu povo era branca, igual às asas das pombas que refugiam em revoadas, na praça à frente do palácio real. Não por acaso, as cores nacionais eram o verde, o amarelo, o azul e o branco. Ah, ia me esquecendo, o seu pendão era um dos poucos que tinham slogan: “vamos pra frente, que atrás vem gente”. Por sua vez, o brasão do reino tinha, em latim macarrônico, os seguintes dizeres: “primum tuis”; em português: primeiro os teus”.

Apesar de tudo, o reino tinha muitos, muitos problemas. Seus primeiros-ministros – escolhidos entre os indicados pelas mais de trinta associações que existiam no país – eram verdadeiros pândegos. Antes da escolha, prometiam mundos e fundos. Depois de empossados, esqueciam-se dos mundos e ficavam com os fundos – teve até um que foi preso, um tal de Molusco IX. Outros foram defenestrados do cargo: o Adorno de Melo (também conhecido como o filho de Dina) e Dilma Palmares (também sabida como a gerentona de nadica de nada).

O rei desse reinado tinha cinco herdeiros, mas um não contava; era mulher e, segundo ele, fora fruto de um vacilo seu. O que contava mesmo eram os quatro filhos homens, ou melhor, os três mais velhos. O filho Zero-um era conhecido por sua amizade com um tal de Queiroz e pelo compartilhamento dos ganhos de seus subordinados. O Zero-dois por querer ser o que não era, principalmente embaixador junto a um império situado ao Norte. O Zero-três por ser o fuxiqueiro mor da corte. O Zero-quatro era apenas um jovem aficionado dos games, ainda sem militância política.

Como todo rei que se preza, o monarca, seus filhos e seguidores tinham um mentor espiritual. Um astrólogo aposentado, filosofo de cantaria e homem de muitas facetas – tanto é que mudava de posição tantas vezes quanto isso lhe aprouvesse, e que gostava de usar palavras de baixo calão; linguajar rude, grosseiro. Seus alvos eram todos: os que faziam oposição ao reinado, o próprio rei, seus ministros, os chefes militares e todos os demais, principalmente quando estava sendo esquecido e ameaçado de ostracismo.

A situação ficou mais caótica quando uma peste desconhecida atacou o reino. Todo mundo ficou preocupado, menos Sua Majestade, que disse se tratar de “uma gripezinha” que, logo-logo, passaria. Isso foi o bastante para tirar o assunto da órbita dos esculápios e colocá-lo no colo dos políticos. Era de conhecimento geral que as gripes se curavam com lambedor, uma beberagem feita à base de mel de abelha e raspa de juá, cuja prevenção era tomar uma roceira de limão com Conhaque de Alcatrão de São José do Porto. O problema que era que o conhaque era importado de uma região eleita pelo rei como sua inimiga e ele não queria saber de nada que viesse de lá.

Quem se colocasse contra essa postura era taxado de inimigo do rei. Imediatamente o país foi inundado de bilhetes com alegações de meias-verdades e meias-falsidades. Não importavam as mais de 160 mil mortes provocadas pela peste. A postura real ficava cada vez mais radical. Os amigos diziam que a posição do rei era: “quem não está comigo está contra migo”. Ele, o rei, continuava a bradar que o bom mesmo era tomar o lambedor e que “morrer era coisa natural, o que eu posso fazer? Só o Messias faz milagre”. Porém, até o rei e alguns da sua corte pegaram a tal gripe. Mas, como foi uma versão leve, serviu apenas para aumentar sua fanfarronice e suas bravatas contra os que pregavam cautela, prudência e bom senso. Enquanto isso, o povo sofria as dores do descaso. Os hospitais estavam cheios de doentes e os mortos eram enterrados em valas comuns ou em covas rasas, cavadas às pressas.    

Tudo o que foi dito até aqui está no campo do faz de conta. Porém a nossa realidade é essa. Pobre nação, que um dia já foi apelidada de país do futuro.

 

Tribuna do Norte. Natal, 15 nov. 2020

  

   


14/11/2020

 


Honras a Paulo Bonavides

 Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN 


No dia 30 de outubro de 2020,o Brasil ficou de luto, mormente as letras jurídicas do país, com a morte do jurista Paulo Bonavides. Nasceu na cidade de Patos-PB, a 10 de maio de 1925 e, ainda menino, órfão de pai, veio residir em Fortaleza-CE, com a mãe e os irmãos. Aos 13 anos, ingressou na função de repórter do jornal O Povo, quando já revelou sua inteligência e argúcia no alcance de novos saberes. A partir da produção para os jornais, cresceu o cultor do direito e da sociologia política, para, após muitos estudos e ampla obra escrita, tornar-se o mais aclamado constitucionalista brasileiro de todos os tempos, além de escritor com estilo claro, fluente e elegante. O jurista Paulo Lopo Saraiva em uma de suas saudações a esse constitucionalista único -na história do Brasil -, faz uma correlação entre Camões, que criou a lusitanidade, e Paulo Bonavides, criador da brasilidade, no sentido de realçar o amor pelo Brasil, o respeito à Constituição, à Pátria e ao Estado Democrático de Direito. Em 2008, o UNI-RN/FARN realizou, aqui em Natal, um grande congresso de direito constitucional, com a presença dos mais renomados constitucionalistas brasileiros, em homenagem a Paulo Bonavides, na passagem dos 50 anos de uma das suas principais obras: “Do Estado Liberal ao Estado Social”, tese com a qual conquistou a cátedra na Universidade Federal do Ceará, em 1958. Deste congresso, resultou o livro “O Novo Constitucionalismo na Era Pós-Positivista - Homenagem a Paulo Bonavides”. O mais reconhecido entre os mais reconhecidos constitucionalistas brasileiros, Paulo Bonavides recebeu muitas homenagens no Ceará, no Brasil e no mundo, em especial na área acadêmica. É Doutor Honoris Causa de várias universidades, inclusive da Universidade de Lisboa, Portugal, e de Córdoba, na Argentina. Foi professor visitante de instituições acadêmicas dos Estados Unidos e da Europa, além de outras condecorações, medalhas, títulos os mais diversos, em honras à sua densa produção bibliográfica, à sua erudição jurídica, à sua cultura, à sua coragem, ao seu amor pelo Brasil, na defesa dos direitos fundamentais, da democracia e da Constituição. Daqui de Natal, onde teve muitos amigos e admiradores, ressalto dois nomes, Noilde Ramalho (1920-2010) e Paulo Lopo Saraiva, dileto discípulo. Afável, cordial, generoso, dele tenho cinco oferecimentos de obras suas, inclusive do livro História Constitucional do Brasil, 949 páginas. Porém, guardo com muito carinho o cartão que me entregou durante os funerais de Noilde Ramalho, escrito de próprio punho, datado de 31/XII/2010, do qual destaco: “Na liturgia deste ato, eu e Yeda testemunhamos nesta mensagem de saudade e admiração a grandeza de espírito e a solidez da fé com que Noilde iluminou sua devoção ao bem comum, enquanto expressão cristã de uma vida por inteiro consagrada à nobre causa do ensino”. Texto publicado na Tribuna do Norte em 12/11/2020


FERMENTO DA MALDADE

Valério Mesquita*

Muitos livros que contestam o cristianismo foram editados ao longo do tempo. Aqueles que chegam a lê-los, os aceitam mais pela contestação do que pela explicação. Raríssimas são as igrejas, na história da religião e dos povos, que não viveram situações condenáveis e questionáveis no passado. Isso porque as religiões são conduzidas pela falibilidade das pessoas, dos seus sacerdotes e ministros em circunstâncias e fases difíceis da civilização. Condenar Jesus Cristo ou qualquer credo cristão, distorcendo a história, é sectarismo. O cristianismo é evolução, sedimentação, fé, expectativa, embasadas em postulados sólidos imunes às narrativas tangenciais, exóticas e esotéricas de autores que objetivam apenas o lucro financeiro imediato por haver lambuzado o símbolo, enlameado a História Sagrada, através de uma orquestrada imbecilidade determinada de protesto.

Esses escritores, autodenominados “fenômenos de mercado”, mestres em controvérsias, em vender livros e semear dúvidas sempre acharão editoras que aceitam suas idéias bem tramadas, desde que causem espanto ou até virem filme. O negócio é questionar. Ousar. O que vale é a quantidade comercializada e o sucesso - e não a verdade. O conteúdo da publicação conta menos que o grau de exposição na mídia. É oportuno parodiar as bem-aventuranças: bem-aventurados os ruidosos deste mundo porque deles é o reino do caos. Não me surpreendo que o Maligno esteja por trás disso. Ele tentou três vezes a Jesus, sem resultado, avalie escritores do mundo cão!

Nas leituras habituais das Sagradas Escrituras, li, em Provérbios 6.12-15, que “o homem iníquo tem a boca pervertida. Aquele que todo o tempo maquina o mal e anda semeando contendas e pensamentos perversos, a sua destruição virá repentinamente e subitamente será quebrantado, sem que haja cura”. Assemelham-se, também, aos vendilhões que foram expulsos do templo por Jesus. Hoje, esses beletristas comercializam a descrença, vilipendiam a doutrina cristã, arrecadando dólares dos incautos, que “não vigiam, nem oram” para não caírem no conto do vigário dos modernos fariseus.

“Posso  todas  as  coisas  em  Cristo  quem e  fortalece”, está na epístola  do  apóstolo  Paulo  aos  filipenses 4.13. Em  sendo  assim,  torna-se  imperativa  a  necessidade de os teólogos de todas as igrejas, religiões e credos, se manifestarem na defesa de  Jesus  publicamente.  Até  porque é a Bíblia de todos nós que está sendo difamada pelos ilusionistas da palavra, os feiticeiros da ambigüidade, os farsantes  da  historiografia  cristã   e   os  ficcionistas   da  verdade   universal.  Abro  o  meu  espaço jornalístico  e  o meu site na internet, para  que,  com  mais  propriedade  e cultura  teológica,  os  irmãos  cristãos  se expressem e contestem  os  corvos  de  belas  penas  da  literatura  mundial, os honrados vilões e assaltantes da fé na defesa do Senhor, para não sermos julgados pelo crime de omissão.

(*) Escritor.

10/11/2020

 


Centenário de Dom Eugênio Sales

Padre João Medeiros Filho

No dia 8 de novembro, transcorreu o centenário de nascimento de Dom Eugênio de Araújo Sales, primeiro e único potiguar elevado à dignidade cardinalícia. A tradição eclesiástica denomina os cardeais “Príncipes da Igreja”, título dado pelo Papa Bonifácio VII, cujo pontificado decorreu entre 1294 e 1303. Ao longo da história da Igreja, foram criados três graus do cardinalato: cardeais bispos, presbíteros e diáconos. Os primeiros são responsáveis por dioceses circunvizinhas de Roma. Em geral, desempenham funções em órgãos do Vaticano. Há os cardeais presbíteros, titulares de algumas basílicas e igrejas romanas, não necessariamente residentes nos territórios pontifícios.  Dom Eugênio foi cardeal presbítero da Igreja de São Gregório VII. Nomeado por Paulo VI, no consistório de 28/04/1969, tornou-se cardeal primaz do Brasil. À época, era arcebispo metropolitano de Salvador, na Bahia. Dois anos depois, foi transferido para o Rio de Janeiro, conservando a mesma igreja cardinalícia, apesar dos dignitários cariocas, por tradição, ocuparem a Basílica de São Bonifácio e Santo Aleixo, em Roma. Por antiguidade, Dom Eugênio tornou-se cardeal protopresbítero entre os 155 pares. Os cardeais diáconos, primitivamente vinculados a igrejas dos arredores de Roma, eram encarregados de tarefas sociais e caritativas. Atualmente, há 219 purpurados (nove brasileiros), sendo 120 eleitores do papa, prelados com idade inferior a oitenta anos.

Etimologicamente, a palavra príncipe vem do latim “princeps” e significa o primeiro. Não precede apenas na ordem cronológica ou ritual, antecede na medida em que cria, sugere e renova. O Cardeal Sales foi príncipe, precursor em vários assuntos eclesiais. É extensa e profícua a sua atividade pastoral, religiosa e até política, voltada para o Povo de Deus. De forma discreta, firme e corajosa, teve uma atitude humanista, diplomática e de verdadeiro pastor com perseguidos, presos políticos e refugiados, brasileiros e estrangeiros. Inovou no plano educacional com o ensino a distância pelas escolas radiofônicas.

Dom Eugênio foi indubitavelmente um grande benfeitor do clero brasileiro, obtendo com seu empenho muitas conquistas para os sacerdotes, religiosos e ministros de todas as denominações. Estes viviam sem amparo e direitos da previdência e aposentadoria. O então arcebispo do Rio de Janeiro sensibilizou o parlamento nacional para aprovar um projeto de lei, sancionado em 08 de outubro de 1979 (Lei 6.696/79), equiparando os clérigos, ministros de culto (católicos ou não), frades e freiras aos trabalhadores autônomos, possibilitando a contribuição previdenciária oficial. Muitos foram beneficiados com essa norma, cuja ideia partiu de nosso eminentíssimo conterrâneo. Talvez poucos tenham conhecimento disto.  É sabido que os cursos de seminários e formação sacerdotal, por mais conceituados que tenham sido no passado, não gozavam do reconhecimento do Estado. No final dos anos 60, pouco antes do AI-5, apesar do clima tenso entre a Igreja do Brasil e o Governo Militar, Dom Eugênio conseguiu a edição do Decreto-Lei 1051/69 (revogado pela Lei 9394/96), prevendo o aproveitamento dos estudos realizados em seminários, conventos etc.

Uma das grandes preocupações de alguns bispos era a assistência de saúde para os padres. Dom Eugênio foi pioneiro ao firmar contrato coletivo com uma operadora de plano de saúde, dando cobertura ao clero do Rio de Janeiro, estendendo o benefício ao presbitério da diocese de Caicó. E, diante das dificuldades financeiras de alguns bispados, estendeu a abrangência a presbíteros doentes.  Inquietava-se com o deslocamento dos sacerdotes. Com a ajuda da “Adveniat” (organismo alemão, dirigido, à época, por Dom Franz Hengsbach) elaborou – quando administrador apostólico de Natal – um plano de motorização do clero. Recomendou enfaticamente aos párocos, vigários e capelães: “Não afrontem a pobreza de nossos irmãos com carros de luxo. O povo de Deus precisa, sobretudo, de seu testemunho de simplicidade, fé e caridade”. Cabe-nos lembrar ainda que, quando arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio concedeu bolsa de estudos também a seminaristas das dioceses de Natal e Caicó, dentre outras, para cursar filosofia e teologia no Seminário São José (RJ). Certa feita, um teólogo (outrora, nosso colega na Bélgica) afirmou: “Dom Eugênio é um homem de Deus, íntegro, autêntico, corretíssimo, desprendido e de profundo amor à Igreja!” Viveu em plenitude o seu lema episcopal: “Impendam et superimpendar” (2Cor 12, 15) – “Dar-me-ei inteiramente por vós.”




04/11/2020

 


Um caipira esperto que nem um caipira

Tomislav R. Femenick – Auditor e jornalista

 

Por ser um imbróglio que envolve direitos de propriedade industrial, registro de patente e outros assuntos correlatos ainda em disputa, aqui serão omitidos os nomes dos personagens, da empresa e mesmo da cidade envolvidos na história que vou contar.

Quando eu era diretor adjunto da Campiglia Auditores e Consultores, lá em São Paulo, um dia fui chamado para uma reunião com o professor Américo Oswaldo Campiglia e seu filho, Roberto Campiglia. Resumo da ópera: teria que ir (com uma equipe) reestruturar o setor de custos de uma fábrica de chapas de madeira aglomerada, localizada no interior do Estado. O trabalho não era difícil nem fácil, pois já tínhamos experiência, expertise, sobre o assunto.

Ao chegarmos à empresa, vimo-nos envolvidos em uma nuvem de poeira que, na verdade, era pó de madeira. O pátio, o espaço que ficava entre a fábrica e a ala administrativa e que servia de estacionamento, estava coberto por aquela nuvem. Visando evitar que a poeira entrasse no prédio da administração, para se alcançar os escritórios, tinha-se que passar por dois vãos, onde nunca as respectivas portas ficavam abertas ao mesmo tempo. Aqui preciso explicar o que era aquela nuvem de pó. As chapas de aglomerado são fabricadas em três fases principais: trituração da madeira; colagem dos fragmentos e lixamento das placas. O pó era resultado da última etapa.

Ao passarmos pela recepção, notamos (até porque era a única pessoa ali presente) um senhor humilde, de braços cruzados e sentado em uma das cadeiras. Nos dias seguintes, sempre que passávamos pela recepção, ali estava o mesmo senhor. Quem diz que não é curioso é mentiroso. Um dia perguntei ao diretor da unidade: “Quem é aquele senhor que sempre fica na recepção?”. Ele também não sabia e perguntou à secretária, que respondeu que era o encarregado da turma que varria o pó. Estava de férias e todos os dias vinha, querendo falar com alguém da diretoria.

“Passando por cima da secretária”, o diretor mandou o senhor entrar em seu gabinete e perguntou o que ele desejava. Ele, o encarregado da varredura, queria vender uma ideia que acabaria com o pó de madeira na fábrica, em troca de uma casa para si, outra para o filho e mais uma viagem à Flórida (com tudo pago) para ele, mulher, filho, nora e dois netos conhecerem a Disney. O diretor quis saber como era isso. O funcionário exigiu que se escrevesse tudo em um papel, explicando que, se a empresa aplicasse suas ideias, teria que cobrir suas exigências. Foi escrito uma espécie de documento e ambos assinaram o acordo que, em síntese, era: as máquinas deveriam ser acopladas a capas plásticas maleáveis, junto às correias de lixa, colhendo o pó, que seria levado por dutos, impulsionados por exaustores, até os caminhões que o levaria aos aterros. Uma solução simples, que ninguém tinha pensado.

Um ano depois, de volta à empresa, de cara notei que o pátio estava relativamente limpo e que o corredor de entrada estava desativado. Dei os parabéns ao diretor e perguntei pelo seu funcionário prodígio. “Está na Europa, conhecendo a terra dos seus avós, por conta de sua nova ideia” – respondeu. Aí contou-me o que aconteceu. Seis meses depois de implantada sua primeira sugestão, o funcionário havia lhe levado uma nova; em troca de um carro para ele e outro para o filho e, mais, uma viagem para a Itália (com tudo pago) para ele, mulher, filho, nora e dois netos conhecerem a cidade de Carpineto, terra dos seus avós (ou de sua esposa, não me lembro bem).

Novamente a ideia era relativamente simples: em vez de jogar em aterros sanitários o pó resultante do processo de lixamento, ele, o pó, deveria ser reciclado e misturado com cola aos fragmentos de madeira, dando-lhe mais consistência e aderência e, ao mesmo tempo, resultando em superfícies mais planas e, portanto, exigindo menos lixamento. Um caipira esperto que nem um caipira. Pena é que, anos depois, tudo foi parar na justiça, como é moda hoje em dia.

Dizem que até pedido de casamento já é feito via oficial de justiça.

 

Tribuna do Norte. Natal 04 nov. 2020.

 

 


 

LÁGRIMAS DO SOL 

 

Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com

 

O planeta que hospeda a humanidade está aflito. Não por causa de Deus ou dos elementos naturais que Ele criou. Mas por culpa do maior predador do universo: o homem. Deus sempre foi misericordioso com o mundo. Tanto antes quanto depois de o seu Filho unigênito ser mutilado na cruz para remissão dos nossos pecados. Sacrifício vicário a fim de que se cumprissem as Escrituras.

 

Segundo os cientistas e pesquisadores geofísicos o clima na terra em 2100 estará insuportável. E prevêem daqui pra lá uma série de catástrofes terrestres. O aumento das águas dos oceanos invadirá os continentes em virtude do contínuo degelo polar. Não são eles profetas do Apocalipse, pois seriam logo contestados e ironizados pelos céticos e agnósticos.

 

Avisaram, ainda, que a Amazônia se transformará paulatinamente num cerrado, vítima da desertificação promovida pelos insensatos. Advertem, igualmente, sobre a falta de alimentos que virá como conseqüência dos transtornos climáticos e atmosféricos. O ecossistema global entrará, por fim, em colapso.

 

E Deus, o Pai supremo sabe de tudo. Porque, pelo lado espiritual todos esses fatos fazem parte das previsões tanto do Antigo como do Novo Testamento. A cavidade da camada de ozônio já é bem maior que a ganância dos países ricos e os desvãos das civilizações pecadoras através dos tempos. O homem é um predador natural. Não, apenas, do ecossistema, mas da família, das instituições públicas, do sistema judiciário, da atividade política através da corrupção dos costumes e da exploração dos mais fracos. O ser humano é o devastador e ceifador de vidas desde a era pré-histórica, das guerras da Antiguidade, da Idade Média, da Idade Moderna até a fase contemporânea. Sempre o homem será o lobo do homem. Porque não permitem que nele atue o Espírito Santo de Deus e sim o instinto diabólico. E assim caminha a humanidade para a autodestruição numa encruzilhada que nem o gênio e a sabedoria científica dos geógrafos, geólogos, oceanógrafos, geobotânicos, astrônomos, biólogos, ufólogos e ecologistas podem deter ou evitar a catástrofe.

 

O Sol imutável, intangível, inatingível, obra de Deus, continua rei da galáxia. A ele devemos o brilho dos nossos dias, todos os dias. Não fossem os seus raios luminosos, a Terra seria congelada e escura. O seu calor faz parte da vida humana e animal desse corpo celeste. Mas o buraco-negro na atmosfera terrestre é da autoria criminosa do homem, hóspede predador da terra. As águas que vão aumentar o nível dos oceanos e os tsunámis que assolarão as cidades são lágrimas inconformadas de Jesus. O planeta Terra suicidou-se.

 

03/11/2020

 Marcelo Alves


Um lugar
Grandes cidades são frequentemente cenários de filmes, séries e assemelhados. Os exemplos são incontáveis. Lembremos das urbes mais badaladas: Nova York, Londres, Roma e, claro, Paris. Em razão disso, até se criou um tipo de literatura de viagens voltada para o amante da sétima arte. Fomentam uma espécie de turismo cultural, através de guias e livros, direcionados àqueles que querem curtir a cidade visitando as locações do cinema. Peguemos, por ora, o exemplo de Paris. Tenho em mãos dois livros: “Le guide Paris des filmes cultes” (Bonneton Edition, 2008), de Marc Lemonier, e “Paris fait son Cinéma” (Éditions du Chêne, 2012), de Barbara Boespflug e Beatrice Billon (fotografias de Pierre-Olivier Signe). Como esses, sobre outras metrópoles, há dezenas. Podem procurar.
Em alguns casos, essas grandes cidades são mais do que cenários, são as “personagens principais”, quase como que dominando toda a fotografia e o enredo do filme. Um exemplo disso é “Meia-noite em Paris” (“Midnight in Paris”, 2011), que assisti estes dias quase “profissionalmente”, para poder escrever este riscado.
Com roteiro e direção de Wood Allen (1935-) – homem do cinema, diretor, roteirista/escritor, ator e outras coisas mais –, “Meia-noite em Paris” mistura comédia, fantasia e romance. Tem no elenco Owen Wilson (que faz o papel principal do escritor Gil Pender), Rachel McAdams, Marion Cotillard, Carla Bruni, Kathy Bates, Léa Seydoux e Adrien Brody, entre outros. Foi indicado ao Oscar em algumas categorias, tendo vencido como melhor roteiro original. O filme gira em torno da estada da personagem Gil Pender – roteirista de Hollywood, mas que sonha ser romancista –, junto com a chatérrima noiva Inez e a família desta, em Paris. O dia é curtido na Paris de hoje. Mas em seus passeios solitários noturnos, bêbado numa primeira vez, Gil é levado, sempre à meia-noite, a uma Paris dos anos 1920, lugar e época que ela acredita serem de ouro. Lá ele encontra seus mitos: F. Scott Fitzgerald e Zelda, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, T. S. Eliott, Picasso, Salvador Dali, Luis Buñuel e muitos outros gigantes. E Gil até se apaixona pela bela Adriana, que, dos anos 1920, deseja viver na Belle Époque. Há bastante nostalgia no filme, embora, ao final, a mensagem subliminar seja de que não devemos cair na ilusão de um passado de ouro, sejam os anos 1920 ou a Belle Époque. Devemos viver o nosso tempo, com as nossas próprias memórias, o nosso presente e o nosso futuro.
O filme é uma verdadeira celebração de Paris, a de hoje e a dos anos 1920 (com a exceção da cena que retorna à Belle Époque), que “protagoniza” a estória. Tem Paris para todo gosto: o Jardim de Luxemburgo, o Sena e suas pontes, a Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, o Museu Rodin, a livraria Shakespeare and Company, o Hotel Bristol, a antiga casa de Gertrude Stein na Rue de Fleurus e por aí vai. Muitíssimos lugares para o turista conhecer e aproveitar.
“Paris fait son Cinéma”, por exemplo, discorre sobre o restaurante Paul, que fica no coração da Paris histórica, na Île de la Cité, na linda Place Dauphine: “graças a sua decoração parisiense retrô, Wood Allen pôde fazer dele cenário de uma das cenas noturnas mais românticas do seu filme”. Cita o Hotel Bristol, nos Champs-Élysées, onipresente no filme e na sua produção. Tem ainda a Deyrolle, famosa maison de taxidermia, na Rue do Bac, entre Saint-Germain Prés e os Invalides. E o deveras nostálgico restaurante Polidor, “a dois passos do [Teatro] Odéon”, que é “um verdadeiro cartão-postal de Paris”. Tem mais, claro. Questão do gosto das autoras, acredito.
Bom, caro leitor, qual o seu lugar em Paris? De ontem ou de hoje, presente ou não em “Meia-noite em Paris”?
De minha parte, vou repetir a declaração da mãe do meu pequeno João quando fomos juntos pela primeira vez a Paris: “Eu que pensava que o melhor de Paris era Paris”. A companhia importa muito. E, saudoso, voltarei mais no tempo, para, como homenagem a quem tanto devo, escolher a discreta Rue Cambon, no 1º arrondissemant, entre o Jardim das Tuileries e a Igreja da Madeleine. Pois ali, num hotel honesto, eu passei a minha primeira meia-noite em Paris, menino de calças curtas, na companhia dos meus pais. Um tempo que, infelizmente, não volta mais.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL