FELIZ ANO NOVO, DE VERDADE
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
O tempo é
um enorme desafio, emoldurando a vida. Não se trata apenas de uma
sucessão de dias, revelando a impotência humana para detê-lo. Apesar do
progresso da ciência e de suas conquistas, não conseguimos pará-lo. A
sua realidade fugaz é uma complexidade, que não se explica por um
conceito meramente cronológico. Porém, a humildade, que desnuda o
coração humano de toda pretensão, é capaz de criar a possibilidade de
não o tornar um aguilhão que aponta diariamente a verdade de cada um. A
simplicidade faz-nos aceitar os enganos das escolhas. O tempo passa
inexoravelmente. Ninguém é capaz de segurá-lo. E hoje se tem a impressão
de que ele é mais veloz. Há avalanches de solicitações, propostas,
informações, possibilidades, necessidades criadas etc. que nos assaltam,
muitas desprovidas de interioridade. Os mestres da espiritualidade,
filósofos e místicos ensinam que o tempo é, antes de tudo, uma questão
interior. Se concentrarmos tudo na exterioridade e nas aparências, ele
não só passa mais rápido, como também se esvai à nossa revelia. Sem
interioridade, adota-se um modo egoísta de existência, sem compromisso
com o próximo.
O desejo de um verdadeiro “Feliz Ano Novo” necessita
de algo a mais. Urge cultivar a sensibilidade humana e social,
desenvolvendo outro estilo de relacionamento humano. O profeta Isaías,
para despertar a consciência do povo sobre a novidade do tempo, fala do
sentimento e do propósito de Deus a ser assumido por todos. Afirma que o
Onipotente, por amor e solidariedade a seu povo, não descansa enquanto
“não surgir na sociedade, como um luzeiro, a justiça, e não se acender
nela, como uma tocha, a paz” (cfr. Is 62, 1). E isso é o novo para o
profeta. Deste modo se desenha o caminho para que se possa trazê-lo, na
contramão de interesses egoístas, grupais, partidários e até religiosos,
por vezes mesquinhos e alienantes.
Para que haja realmente um Ano
Novo, vamos reduzir a insensibilidade, a violência, o pessimismo, o
ódio, e regar de ternura nossos sentimentos mais profundos. Não podemos
nos mirar totalmente nos outros. A inveja mina a autoestima e fomenta o
ressentimento. Em 2018, empenhemo-nos a todo custo por crer em nós
mesmos e em nossa criatividade para superar crises e dificuldades, bem
como abraçar os desafios. Acreditemos que carregamos dentro de nós a
força maior da esperança, do amor e da fé. Esforcemo-nos para estender
aos outros as mãos, como pessoas livres e não reféns do egoísmo. Para
que o ano seja realmente novo, é necessário cuidar daquilo que falamos.
Não pronunciemos difamações e injúrias. O ódio destrói a quem o carrega
na alma, não o odiado. Troquemos a maledicência pela benevolência.
Comprometamo-nos a expressar alguns elogios por dia, em troca das
críticas e condenações.
Para haver novidade e ano novo é preciso não
desperdiçar nosso tempo e nossa vida hipnotizados pela televisão. É
necessário não navegar irresponsável ou aleatoriamente pela internet,
naufragados no turbilhão de imagens e incontáveis informações que não
conseguimos absorver e silenciar. Não deixemos que a sedução da mídia
anule nossa capacidade de discernir e nos transforme em consumidores
compulsivos. A publicidade sugere felicidade e, no entanto, nada
oferece, senão prazeres fugazes. Procuremos centrar nossas vidas em
valores permanentes, nunca nos efêmeros. Procuremos o silêncio neste
mundo ruidoso. Lá encontraremos a nós mesmos e, com certeza, Deus, que
quase nunca é escutado. Isso, sim, será sem dúvida Ano Novo.
Tentemos
cuidar de nossa saúde, mas sem a obsessão das dietas e a escravidão das
balanças e academias. Aceitemos os cabelos brancos e nossas rugas, e
não temamos as marcas do tempo em nossos corpos. Elas são sinal de
sabedoria e experiência. Usemos revitalizadores de compreensão,
generosidade e compaixão. Procuremos não confundir o urgente com o
prioritário. Não nos deixemos guiar pelo modismo. Afastemos de nossas
mentes preconceitos, sentimentos que discriminam, pensamentos que
excluem. A vida é breve e, de definitivo e certo, só conhecemos a morte.
Guardemos um espaço em nosso cotidiano para o contato com o
Transcendente. Deixemos que Ele habite em nossa subjetividade e
aprendamos a fechar os olhos para ver melhor. Assim teremos real e
verdadeiramente um Ano Novo!