O polonês que
não gostava de dogmas
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, contador e
historiador
Dois
poloneses contribuíram para a queda do império soviético. De forma direta, Karol Józef Wojtyła, o Papa João Paulo
II, profundamente arraigado aos dogmas da igreja católica, minou o poder
político dos comunistas. De forma indireta e não intencional, Michal Kalecki, um economista marxista, porém
antidogmático, ao estudar as causas e efeitos das contradições internas
do capitalismo, terminou por contribuir para encontrar os meios de regeneração
capitalista, depois de suas crises periódicas.
Aliás,
economistas comunistas e socialistas sempre estudaram o comportamento do
capitalismo. Não é à toa que a principal obra de Karl Marx se chama “O capital”, cujo primeiro volume foi editado
em 1867. Somente para citar alguns expoentes, nos anos 1910 Rosa Luxemburgo
publicou “A acumulação capitalista” e Lênin o seu “Imperialismo: fase superior
do capitalismo”. Em 1922/24 o soviético Nikolai Dmitrievich Kondratiev, comunista de carteirinha, desenvolveu a
“teoria dos ciclos econômicos”, segundo a qual no modo de produção capitalista
existiriam períodos (com duração média 54 anos) com duas fases que se
contrapõem. Na primeira os preços sobem e a taxa de desemprego se reduz. Na
fase seguinte há queda de preços e cresce a taxa de desemprego, o que força o reordenamento
da produção e da distribuição de riqueza; recriando as força do capitalismo. Obviamente suas conclusões não agradaram e
Kondratiev foi deportado para a Sibéria, aonde veio a morreu em um campo de
trabalho forçado. Nas últimas décadas do século passado Michel Aglietta, um marxista francês, despontou como o novo
arauto da debacle capitalista, principalmente com o livro “Regulación y
crisis del capitalismo”.
O
que há de comum a todos eles é a busca do fim desse modo de produção. Quando
não o encontram, tentam explicam porque o capitalismo sempre acaba vencendo as
crises e se impondo, embora que remodelado.
Mas,
voltemos a Michal Kalecki. Todo o seu pensamento
é alicerçado em conceitos marxistas, tendo por base, se não a luta,
porém o conflito de interesses das classes sociais. Suas teses, em parte muita
parecidas com as de Keynes, foram desenvolvidas paralelamente ao do economista
inglês, sem que houvesse interação entre os dois. Para o polonês, o âmago dos
problemas da economia capitalista é o equilíbrio da demanda efetiva; a igualdade da procura por
bens e serviços com a capacidade de pagamento dos consumidores. Assim, quando essa
correlação de força é quebrada (procura x capacidade de pagamento) eclodem as
crises, cuja solução exigiria uma forte
intervenção do Estado na economia, incentivando o aumento da produção e emprego
e, consequentemente, o aumento da massa de salários e capacidade de pagamento
das pessoas.
Para Kalecki, sempre que os investimentos privados
sejam insuficientes para manter essa adequação,
o Estado deve intervir no sistema produtivo, via financiamento das empresas ou
assumindo diretamente a tarefa de gerar empregos. Para isso teria que aumentar
o endividamento do governo, via lançamento de títulos públicos, cujo pagamento futuro
seria facilitado pelo aumento da arrecadação de tributos, resultante do aumento
da produção e circulação das mercadorias e serviços. Ao assumir essas ideias
ele quebrou o dogmatismo do credo marxista e, indiretamente, ensinou o
capitalismo a reviver e se fortalecer, ao final de cada uma das suas crises
sistêmicas.
Pagou caro por isso. Em 1968 o governo da Polônia, controlado
pelos dogmáticos soviéticos, afastou Kalecki de todos os cargos público.
Tribuna do Norte. Natal 02 mar 2014.
O Mossoroense. Mossoró, 27 fev 2014.
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