OCORRÊNCIAS DA CAPITANIA DE
SÃO PAULO
Gileno Guanabara, sócio do IHGRN
Histórias de 1730, da capitania de
São Paulo que Affonso d’ E. Taunay noticiou. O sr. Caldeira Pimentel, em 1727,
assumiu o cargo de Capitão General, em substituição a Rodrigo Cesar de Meneses.
Como governador, sua missão prioritária seria edificar a casa de fundição, para
controlar a sonegação e recolher o quinto do ouro.
Teve singular repercussão, porém, a sua
pendenga em ordenar a prisão, por 15 dias, de dois senadores, Felippe Santiago
Diniz e Manuel Luiz Ferraz. Mais alvoroçado ainda, o juiz Domingos de Camargo convocou,
em substituição, o Capitão Francisco Correia de Moraes e o sargento João
Delgado de Camargo. Reassumidos em seus cargos, os senadores informaram a causa
da desdita. A defesa das prerrogativas municipais que tinham feito, insurgindo-se
contra a usurpação governamental que, passando por cima do Conselho, nomeara
dois apaniguados seus, para os cargos de carcereiro e alcaide. Havia também a
denúncia feita pelos perseguidos referente a pessoa de Bernardo Ferreira, apadrinhado
do governante, contra quem se avolumava o clamor dos sapateiros da cidade, sob
a acusação de ser “açambarcador de couros e solas”. Os alcaides requereram que
fosse lavrado registro especial no livro das Atas do Conselho e “os houvessem por
absolutos,” ... “por parte do Governador e dos ouvidores e corregedores da
comarca.”.
O atrabiliário Caldeira Pimentel compareceu
perante a Câmara. Justificou o ato.
Segundo ele, ao tempo do governante anterior, as Câmaras submetiam ao crivo dos
capitães generais tais nomeações. Saciado o ego dos senadores presos, o fato
caiu no perdão do esquecimento. Restaram, como mau exemplo, o populismo das
nomeações amigáveis, e a rotina da Câmara que permaneceu coagida, sem haver oposição.
Outra crise decorreu do êxodo generalizado dos
cidadãos, quer pelo medo da epidemia de varíola, quer pela atração generalizada
pelas minas de Guaiazes, sem as devidas comunicações. A debandada forçou o
procurador Pedro Taques Pires a pedir a condenação dos vereadores Francisco de
Godoy e de Bento de Siqueira, em dois mil réis, ou de serem oneradas as suas
fazendas em paga pelo fato de suas ausências.
Uma nova crise viria a ocorrer, envolvendo
o insaciável Caldeira Pimentel que se vinculara ao pernicioso Sebastião
Fernandes do Rego. Reinol, filho espúrio do cônego da Sé de Lamego, Portugal,
viera “fazer a América”, como se dizia. Associado o seu apetite por riqueza ao do
governante, Sebastião Fernandes foi nomeado “procurador da Corôa e da Real
Fazenda”. E teve outra nomeação não menos importante: a de “Provedor dos
Quintos e da Casa de Fundição de São Paulo”. Por essas circunstâncias, passou Sebastião
a perseguir com tenacidade os sertanistas e descobridores das minas de Goiás e
a locupletar-se o quanto possível.
Dá-nos o historiador a noção de fatos
perniciosos atribuídos àquela autoridade, como fora o golpe da substituição dos
quintos de ouro cuiabano por barras de chumbo, quando de sua remessa à Lisboa,
em baús lacrados pela Provedoria paulista. Fora comunicada pelo Capitão General
Rodrigo César de Menezes a remessa em caixões de Cuiabá para o Rio de Janeiro, contendo
quatro arroubas e setecentas oitavas de ouro, em pó e em folhetas (sessenta
quilos), com a recomendação de não serem abertos, sob os cuidados da tropa chefiada
pelo cabo João Antunes Maciel, presentes o padre André dos Santos Queiroz e o
ajudante Manuel Dias Barros.
O remetente recomendou que do Rio de
Janeiro, caso não fosse alcançada a frota que conduziria a carga, retornar-se-ia
para São Paulo, ao aguardo de novas ordens suas. Anexo àquelas determinações, e
por mais segurança, havia o certificado do provedor da Fazenda Real em Cuiabá da
confiança do padre que conduzia o quinto a São Paulo.
O provedor da Fazenda Real no Rio de
Janeiro, Bartholomeu de Siqueira Cordovil, escreveu a Sebastião Fernandes
(1727), dando conta da entrega pelo ajudante Manuel Dias Barros ao Almoxarife
da Fazenda Real de 55.442 oitavas em seis caixotes lacrados, remetidos pelo
capitão general de Cuiabá, devidamente conferida e pesada, constando o recebido
em perfeita ordem.
Chegada em Lisboa a dádiva remetida e
na presença do rei D. João V e dos ministros rejubilados, no entanto, abertas
as trincas, o desespero tomou conta dos presentes. Em lugar do ouro,
encontravam-se nos caixotes “barras de chumbo”, ainda que os invólucros se
achassem lacrados e intatos os selos reais.
Caldeira Pimentel e o seu sócio de
trapalhada, Sebastião Fernandes, acusaram a Rodrigo Cesar de Menezes e, na
condição de co-autor, a Jacintho Barbosa Leite que, presos, sob ferros, seguiram
para o calabouço de Limoeiro, Lisboa, onde permaneceram por anos.
A Rodrigo Cesar não foi difícil comprovar a sua lisura perante a Corte
portuguesa e viu-se perdoado das agruras sofridas injustamente.
Uma provisão expedida por Caldeira
Pimentel, na vigência do seu governo (1727/1730), dá-nos os limites da
prepotência que submeteu os demais sob o peso de sua arrogância e ultraje: “
... que toda a pessoa que o encontre ponha joelhos em terra, e espere assim
athé passar S. Ilustríssima e assim se estiver em algum lugar parado faça o
mesmo, e recebida a bença se Levantarão e hirão seguindo o seu Caminho”. E
seguia a provisão: “entrar sempre primeiro, pelas portas das casas que
visitasse e ali ter a melhor cadeira. Recebido à soleira da rua pelo visitado,
só podia este sentar-se quando a isto fôsse convidado e em cadeira designada.
Que ninguém se recolhesse emquanto não o autorisasse...”.
Nesse tempo, vigiam os termos da
Carta Régia, de março de 1728, autorizando as autoridades enforcar publicamente
os delinquentes “de condição vil e ordinária” .... “para que vendo o povo o
castigo lhe servisse de exemplo; frequentes como eram os delictos nas terras da
capitania”.
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