MAMALUCO OU MAMELUCO
Por: Gileno Guanabara, sócio do IHGRN
Parte
integrante da etnia brasileira o mameluco, presente desde a colonização, significa
o resultante da mistura de europeu e índio, consoante a crônica histórica e
seus relatos. Houve o tempo em que se usava o termo “mamaluco”, ainda hoje pronunciado
no interior de São Paulo, com a grafia original e de que “mameluco” ter-se-ia como
corruptela, conservando o mesmo sentido etimológico. Pacífico é para os
dicionaristas que mamaluco ou mameluco é o resultado da mistura euro-ameríndio.
O debate se
instala, porém, quando se refere à origem da expressão. Um grupo proclama a
origem árabe da palavra mameluco, enquanto para outros sua origem se deve à
língua tupi. Em socorro ao primeiro vem a palavra árabe “mamlouk”, particípio
passado de “malaka” (governar, possuir, ter sob ordem), correspondendo, pois, ao
governado, ao possuído, com equivalência ao “servus” romano, sendo expressiva a
correspondência entre uma e outra expressão.
A referência
histórica que se tem é, no ano de 1250, a existência de uma guarda pretoriana formada
por mamelucos, sob ordens do sultão egípcio, Melic-Selek, em cujas dinastias o
Egito foi governado até o tempo da presença de Napoleão Bonaparte no Mar
Mediterrâneo (1831). Teriam sido elas vencidas pelo vice-rei Mehemet-Ali. Entre
seus milicianos estavam os truculentos “bahris”, escravos comprados na Georgia
e Turquestão, e os rivais “bordjis”. Revezaram-se no poder, governando militarmente
e sem escrúpulos. Dos que escaparam de Mehemet-Ali, parte integrou a guarda
imperial de Napoleão e, com a derrocada deste, foram dizimados em Marselha pelo
Terror Branco.
Diz Charlevoix,
jesuíta e historiador do Paraguai, recolhido por Affonso de E. Taunay nos
alfarrábios que juntou ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que
dessa mistureba “... saiu uma geração perversa cujas desordens em todos os
sentidos atingiram tais proporções, que a esses mestiços se deu o nome de
mamelucos, não fosse a causa de sua semelhança com esses antigos escravos dos
soldões do Egito”.
Portanto, a
par do fenômeno próprio da miscigenação de que é resultante o filho do branco europeu
e mãe ameríndia, a expressão mameluco atendia também àqueles indivíduos miseráveis
que, se não eram meros escravos, eram os possuídos (ou os despossuídos),
falavam a língua tupi, não ganhavam sesmarias nem títulos honoríficos, filhos
espúrios resultantes da bigamia que se praticava à larga e sem pundonor nas
terras da América portuguesa. À falta de uma tradição histórica, os nossos
curumins, a fim de amealhar fortuna, tornaram-se chefes das bandeiras,
verdadeiros “cabos de tropa” violentos e impiedosos que atiçavam o “terror
verde da floresta”, quando da captura de índios que eram embarcados no Porto
dos Escravos (São Vicente), via Buenos Aires, vendidos para as minas de prata
de Potosi, no Peru.
São vários
os registros de um primeiro branco europeu que morou no Brasil. Náufrago ou
degredado, João Ramalho amancebou-se com filhas do cacique Tibiriçá e teria gerado
dezenas de filhos mamelucos “tão violentos e criminosos como ele”, no dizer do Padre
Simão de Vasconcelos. Habitaram as planícies do Paranapiacaba e juntos com o
pai fundaram a cidade Santo André da Borba do Campo, a dez léguas de São Vicente.
Pelo pecado da bigamia, João Ramalho foi excomungado pelos “homens de preto”,
mas foi indultado pelo parentesco que descobriu ter com o padre Paiva e pelos
serviços relevantes que prestou aos colonizadores, quando da fundação das três
primeiras cidades da capitania. Fora interlocutor entre índios beligerantes e teria
ocupado cargos de alcaide municipal, apesar de analfabeto. Manoel da Nóbrega
solicitou às autoridades junto ao Papado, para ser elucidado o casamento
oficial de João Ramalho em Portugal, possibilitando o reconhecimento da sua
união marital com uma das filha do cacique Tibiriçá. Isso explica a importância
do sua convivência com os indígenas - portava-se como tal - interagindo com os
padres da Companhia com quem superou divergências e, pela extrema-unção, comprovou
a sua condição de não judeu.
Já para os defensores da segunda
teoria, Teodósio Sampaio e outros estudiosos, a expressão mameluco não existia.
Possível ser tupi a palavra “mamãruca” que traz o radical “mamã” (mistura) e
“ruca” ou “yruca” (o que sobra da mistura), resultando o designativo mamaluco
ou mameluco.
No entanto, para as anotações de
dicionaristas vários (Montoya; Batista Caetano; Stradelli) não é pacífico o
entendimento dado a expressão “mamã”, que é outro: ligar, atar, cercar,
amarrar. Assim, a palavra não corresponderia exatamente ao sentido de misturar,
salvo se recorrendo a um comparativo aproximado, o que representaria um esforço
de linguística exagerado. Por outro lado, existe na língua tupi/guarani o termo
“monã” ou “monãne” que distingue exatamente misturar, mesclar, confundir. Portanto, o termo “mamãruca” na língua geral
teria um significado diferenciado ao que lhe querem os tupinófilos.
Certamente, com o vingar da história,
se contemplou a expressão e qualificação do mameluco, o filho de mãe índia e do
branco europeu, varrendo o perjúrio da servidão, de elemento servil, a ideia do
truculento homem da mata, que lhe fora atribuída originariamente. Tornou-se fácil
a incorporação da expressão, tal como havida da língua árabe, na tipificação de
um segmento racial diferenciado que se encorpou ao tempo da expansão das nossas
fronteiras, parte hoje significativa da população do Brasil. Esgotada a caça aos
indígenas e a fortuna dela obtida pelas bandeiras, a exploração do ouro das
minas de Goiazes tornou-se o foco maior de riqueza.
Delimitaram-se os limites sociais do confronto entre intrépidos mamelucos paulistas
e os emboabas estrangeiros, na guerra iminente que se estabeleceu.
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