PROJETO E REALIDADE DE
UMA REFINARIA;
UMA HISTÓRIA DO PETRÓLEO POTIGUAR
Tomislav R. Femenick – Historiador, membro da
diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Em geologia,
bacia é uma depressão ou conjunto de terras ligeiramente inclinadas e,
geralmente, é um bom indicativo de existência de petróleo. A Bacia Potiguar situa-se no extremo leste
da Margem Equatorial Brasileira, limita-se ao oeste com a Bacia
do Ceará e ao oeste com a Bacia de Pernambuco-Paraíba. Possui uma área de 119.030 mil quilômetros
quadrados – 33.200 de superfície e 86.100 submersos –, sendo que sua isóbata (linha imaginária que une todos
os pontos de igual profundidade no relevo submarino) é de 3.000 quilômetros.
Sua superfície é dividida em três subáreas, a saber: o grupo Areia Branca,
constituído pelas formações Pendência e Alagamar; o grupo Apodi, integrado
pelas formações Assú, Quebradas e Jandaíra, e o grupo Agulha, com as formações
Ubarana, Guamaré e Tibau.
Geograficamente, a Bacia Potiguar corresponde à
plataforma continental da Nigéria, no litoral africano, de onde se separou há aproximadamente
200 milhões de anos. Na plataforma
nigeriana já foram descobertas grandes reservas de petróleo leve e com baixo
teor de enxofre. Essas jazidas petrolíferas se situam a grande profundidade –
cerca de quatro quilômetros abaixo do nível do mar – e foram formadas ao longo
da “rachadura”, resultante do processo que de ruptura que separou a atual
América do Sul da África. Essa descoberta evidencia uma analogia entre as
ocorrências de óleo na costa do nordeste brasileiro e no litoral oeste africano.
O petróleo começou a ser explorado na Bacia Potiguar em
Ubarana, em 1973; em Mossoró, em 1979, e no Canto do Amaro, em 1985. Segundo
dados da Agencia Nacional de Petróleo, nela já foram descobertos “70
campos de óleo e gás, sendo 6 no mar e 64 em terra. Recente perfuração na
porção terrestre constatou uma acumulação de óleo, indicando que a bacia ainda
oferece boas oportunidades. A Bacia Potiguar, com uma produção diária de 110
mil boe, é atualmente a segunda região produtora do país” (www.anp.gov.br -
Acesso em 28.04.2014).
O Lado Nobre
Na forma como
é encontrado na natureza, o petróleo é um composto de hidrocarbonetos, com
pequenas quantidades de nitrogênio, enxofre, oxigênio e outros elementos. O seu
uso comercial dá-se com a transformação dessa mistura em combustíveis, lubrificantes,
solventes e muitos outros produtos. Esse é o lado nobre da indústria petroleira.
O refino do petróleo bruto e o craqueamento de alguns de seus componentes,
produtos e/ou subprodutos exigem parques industriais complexos de maior ou
menor porte, as Refinarias de Petróleo. Nas refinarias é que se efetua a
transformação do petróleo bruto em nafta, gasolina, querosene, óleo
combustível, óleos lubrificante, gás liquefeito, base asfáltica, parafina,
enxofre, coque, benzina e outros derivados.
As
refinarias de petróleo geralmente são grandes e complexas plantas industriais
que usam tecnologia de ponta, cujas instalações de processamento podem ser
consideradas como parques químico-industriais. Para alimentar o seu
funcionamento contínuo, essas unidades exigem um parque (tancagem) com depósito
de matéria-prima (petróleo), que por sua vez deve ser abastecido por oleodutos
ou por navios tanques. Internamente, extensas redes de tubulação levam insumos entre
as unidades de processamento, formadas por grades torres metálicas. Por sua
vez, os produtos acabados exigem grandes tanques para guarda temporária. Em
síntese, elas são a representação física da era das grandes indústrias.
Para
economizar custos de transporte e de construção de oleodutos, as
refinarias são preferencialmente instaladas perto das fontes de fornecimento de
petróleo, sua matéria-prima básica, bem como em regiões que disponham de vias
navegáveis (costas marítimas e margens de grandes rios) para escoamento de sua
produção e que possuam fonte de energia para operar a usina.
E A REFINARIA FOI PARA... PERNAMBUCO
A
alta taxa de produtividade da Bacia Potiguar deu respaldo para um bom combate:
a construção de uma refinaria da Petrobras no Rio Grande do Norte, luta que
envolveu o mundo político, acadêmico e empresarial do Estado. A lógica era uma
só. Aqui estava a fonte da matéria prima principal, o próprio petróleo, e aqui
existiam condição para se obter um dos insumos primordiais para fazer funcionar
a refinaria, o gás natural liquefeito.
Do ponto de vista de logística, partia-se do
princípio de que transportar o petróleo para outro local – onde o óleo passaria
pelos processos de refinado e craqueamento para obtenção de gasolina, metano, querosene, óleo diesel etc. – sairia muito mais caro do que simplesmente
transportar os produtos acabados para o mercado consumidor, quase todo
ele localizado na região Nordeste do país. O mesmo aconteceria com outros
produtos e subprodutos, tais como asfalto, parafina, enxofre etc., conforme
fosse a configuração da refinaria.
Em um dos seus
estudos, datado das décadas de 1970/1980, o prof. Vingt-un Rosado elaborou
planilhas de custos que comprovavam essas afirmativas. Esse trabalho contou com
a participação de professores do Centro de Estudos Avançados da ESAM, hoje
UFERSA-Universidade Federal Rural do
Semi-Árido. Além do mais já havia os estudos para a criação do complexo
industrial de Guamaré, mesmo que projetado para funcionar em escala reduzida.
Partindo dessa lógica técnica, nada mais acertado do que a indicação de
que aqui no Rio Grande do Norte é que fosse construída a grande planta de
refino do Nordeste.
Entretanto os
Estados do Ceará e de Pernambuco também entraram na disputa pela refinaria. O
impasse estava criado até que, em 2005, dois personagens entraram na contenda.
Luiz Inácio Lula da Silva, o então presidente do Brasil, queria levar a
refinaria para o seu Estado natal; Hugo Chaves, então presidente da Venezuela,
prometia se associar à Petrobras na construção de uma usina de refino
petrolífero, desde que localizada na terra natal do general José Inácio de Abreu e Lima, um
pernambucano que participou da luta de Simon Bolívar pela independência das
colônias espanholas na América. Um fato passou quase despercebido: nas confabulações
dos dois presidentes, o projeto da refinaria de Abreu e Lima teria que ser direcionado ao refino do óleo pesado,
característico do produto venezuelano.
E lá se foi para Pernambuco a refinaria que,
pela lógica técnica e econômica, deveria ser erguida no Rio Grande do Norte.
Por sua vez, o Ceará já tinha ganhado a Refinaria
Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste-LUBNOR, com capacidade de
processar 6.000 barris de petróleo por dia e que produz asfalto, lubrificantes
naftênicos (usados em transformadores, refrigerantes, solventes, fluidos de
corte etc.), gás natural, óleo combustível para
navios, gás de cozinha e óleo amaciante de fibras. A LUBNOR é uma
planta de pequeno porte que, há oito anos, teve sua ampliação anunciada pela
Petrobras, mas que nem chegou a ser iniciada. Cogita-se que essa ampliação não
saiu por escassez de áreas livres, adjacentes às instalações já existentes. Por
isso há um projeto para realocar a refinaria cearense, transferindo-a da região
de Mucuripe, onde está localizada atualmente, para o Complexo Industrial e
Portuário do Pecém. Se essa obra sair, Refinaria Lubrificantes e Derivados de
Petróleo do Nordeste-LUBNOR pode absorver grande parte das ampliações que no
futuro poderiam ser realizadas na Refinaria
Potiguar Clara Camarão.
REFINARIA
CLARA CAMARÃO TORNA O RN AUTOSSUFICIENTE
O potencial de
produção da Bacia Potiguar, especialmente o campo de Ubarana, sempre evidenciou
a necessidade de uma unidade de processamento do óleo e do gás extraídos na
região, porém somente em 1983 é que foi criado o polo industrial petrolífero,
localizado no município de Guamaré. Seria o embrião de uma grande refinaria
potiguar. Dois anos depois foi construída a primeira unidade de processamento
de gás natural e, em anos posteriores, o terminal de armazenamento e
transferência, a estação de tratamento de óleo e uma estação de tratamento de
efluentes.
Em 1999 entrou
em operação a planta de produção de óleo diesel. No começo deste século, teve
início a operação da segunda unidade de diesel e da instalação da segunda
unidade de processamento de gás natural. Em 2005 entrou em operação a unidade produtora
de querosene de aviação e, em caráter experimental, o setor de biodiesel. No
ano seguinte começou a funcionar uma terceira unidade de processamento de gás
natural. Em novembro de 2009, foi
assinado o Termo de Compromisso entre o Governo do Estado do Rio Grande do
Norte e a Petrobras, para dar início às
obras de infraestrutura da Refinaria Potiguar Clara Camarão, com vistas a
ampliar capacidade já instalada e implantar uma unidade de produção de
gasolina. Foram aplicados 215
milhões de dólares na ampliação das instalações do polo, que resultou na “criação”
da Refinaria Potiguar Clara Camarão que, a
partir de 2010, passou a produzir gasolina, além de nafta petroquímica.
Segundo a
Petrobras, a Refinaria Clara Camarão hoje “produz
diesel, nafta petroquímica, querosene de aviação e, desde setembro de 2010,
gasolina automotiva, o que tornou o Rio Grande do Norte o único estado do país
autossuficiente na produção de todos os tipos de derivados do petróleo”. No
total a Unidade de Guamaré tem capacidade de processar 37.800 barris/dia (6.000
m3) e compreende duas unidades de destilação atmosféricas (diesel e querosene para aviação), uma unidade de
tratamento cáustico regenerativo e uma unidade de produção de gasolina.
CAPACIDADE POTIGUAR SERÁ AMPLIADA
Em julho do
ano passado, a Petrobrás recebeu
a autorização da Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis-ANP para ampliar
a capacidade de tratamento cáustico regenerativo do querosene de aviação, de
430 m³/dia para 600 m³/dia, na Refinaria Potiguar Clara Camarão, permissão essa
que tem validade enquanto o projeto seguir o cronograma apresentado pela
estatal à agência. A previsão é que as obras estejam concluídas no fim de 2014.
Como decorrência existência da Refinaria Clara Camarão, a Petrobras e
sua controlada Transpetro, têm na região 556 quilômetros de oleodutos e 542
quilômetros de gasoduto.
Embora todos
esses números e fatos sejam relevantes eles não são satisfatórios se levado em
conta o fato de que o Rio Grande do Norte é o maior produtor de petróleo em
terra do país e, ainda, um dos maiores produtores de gás natural. No contexto
geral da indústria petrolífera, a Refinaria Potiguar Clara Camarão é apenas uma
unidade de pequena escala, uma minirrefinaria.
Uma simples
comparação com o projeto da Abreu e Lima mostra o quanto a realidade nos é
desvantajosa: enquanto a Clara Camarão processa 37.800 barris/dia (6.000 m3),
a refinaria pernambucana irá refinar 230.000 barris/dia (36.600 m3),
produzindo 3.600 m3/dia de nafta petroquímica, 1.600 m3/dia de gás
liquefeito de petróleo, 26.000 m3/dia de diesel, 6.200 toneladas/dia de
coque, 1.800 toneladas/dia de gasóleo e o H-Bio, óleo diesel que utiliza na sua
composição óleos vegetais de mamona, girassol, soja, dendê etc.
Segundo
informações da Petrobras, para atingir essa meta a Refinaria Abreu e Lima
contará com duas unidades de destilação atmosférica, duas unidades de
coqueamento retardado (processo para obtenção de coque, combustível para
metalurgia e indústria de cerâmica), duas unidades hidrotratamento de diesel,
duas unidades hidrotratamento de nafta, duas unidades de geração de hidrogênio
e duas unidades de abatimento de emissões.
Atualmente
a unidade de Guamaré ocupa a 11ª posição no ranque nacional de produção, numa
relação de doze refinarias de petróleo existentes no Brasil.
Tribuna do Norte. Natal, 04
maio 2014.
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