29/05/2014

O guerreiro




CLEANTHO SIQUEIRA



Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura


A despedida foi pesarosa no último momento. A família e amigos se reuniram, no ritual religioso da encomendação da alma de um justo.

Momento de reflexão e saudade, dos anos passados. A evocação remonta o tempo decorrido, de floridas primaveras. A casa da tia Aracy, na rua da Estrela, com o imenso salão, onde se almoçava, ouvindo o melodioso gorgeio dos passarinhos, em viveiros encerrados. As brincadeiras no imenso quintal, de paisagem bucólica, parecido mais com um sítio. O futebol na rua Apodi. Os encontros, quase  diários, na residência do avô Rodrigo Afonso, na rua Camboim. As festas de aniversários dos irmãos e primos, sob o som da saudosa vitrola.

Com a chegada do mês de setembro, os preparativos eram feitos antevendo a descida da Praia da Areia Preta, para os banhos de mar do veraneio. A estação quente trazia a pescaria com o anzol e do aratú, esta, em noites de lua cheia, com a maré sêca.

E ele, sempre o guia, com o facho de óleo aceso, a iluminar as locas dos caranguêjos.

As chuvas repentinas, do cajú, marcavam a subida aos morros e a descida de prancha no morro do Pinto.

O futebol na praia e defronte à casa do “velho” Rodrigo, nosso avô.  A saida, à madrugada, para a caminhada, à beira-mar, até Barreira-Roxa, local do piquenique programado, e noutra data, na Fortaleza dos Reis Magos.

E a nataçao, nas ondas bravias, na maré alta do mês de janeiro.

Dias, em que os ventos eram favoráveis, para soltar corujas ou papagaios, com linha vinte, comprada na bodega da turca, na Praia-do-Meio. Ou, então pregar corropios nas colunas de madeira do alpendre da casa.

Quando soprava o vento norte, trazendo frieza era sinal da  volta à cidade, para o início das aulas, no colégio Marista.

A sua  vida é rica de fatos havidos, envolvendo a sua pessoa, cheia de ardor cívico e dotada de índole pacífica.

Convocado para o serviço militar, ele se apresenta como voluntário, para as fileiras da Força Expedicionária. E participa da batalha de Monte Castelo, na Itália.

Anteriormente, três fatos ocorridos com ele, gravados ficaram na minha memória.

O primeiro deles foi a queda do alto do pé de genipapo, no quintal da sua residência, da mencionada rua da Estrela, fraturando uma de suas costelas.

Outro, quando pescava numa tarde na praia da Areia Preta. O peixe pescado foi ele mesmo. É que, ao fazer o lance para atirar a linha com o anzol, na água, o dito anzol cravou-se-lhe nas próprias costas. Inúteis as tentativas para a sua retirada. Até mesmo um pescador, que passara na ocasião, impossibilitado ficou de fazê-lo.

Chegando em casa o meu pai foi o “cirurgião”, retirando o anzol, cortando o couro das costas com uma tesourinha, a crú, ficando a assepsia por conta de meio vidro de álcool e fechado com iôdo, gase e esparadrapo!

O terceiro caso é pitoresco. Numa frondosa mangueira do dito quintal da sua casa, ele têve a idéia de fazer uma cama, sim, uma cama, nos galhos altos da árvore! Às vezes, à tarde, nela tirava uma soneca!

A evocaçao gera a saudade, de um tempo perdido no tempo e que não volta mais.

Tempo em que ele, o primo mais velho, era o guia, em muitos momentos, o guia da parentela em idade juvenil.

E o tempo que manda em tudo, vai mudando o rítmo dos acontecimentos e então chega a idade quase adulta, responsável pela separação. E cada um vai tomando o seu rumo. Mesmo assim, a união consaguínea permanece e esse vínculo natural mantém a amizade fraterna.

O tempo avança e mesmo na fase adulta e subsequente, da “melhor idade”, os primos mais “moços”, em ocasiões especiais, com ele se reuniam, para no encontro festejar e dele ainda ouvir seus sábios conselhos.

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