A CEGUEIRA DO ÓDIO
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
Consoante a teologia cristã, o ódio é um dos sete pecados capitais. É
também um dos pilares de desajuste do ser humano, levando-o à cegueira
espiritual. Do ponto de vista simbólico e segundo a narração dos
evangelistas, Cristo curou vários cegos, os que nasceram deficientes e
aqueles com a limitação adquirida. Talvez se possa constatar o fenômeno
da cegueira oriunda do ódio na sociedade brasileira atual. Isso faz-nos
recordar o romance de José Saramago “Ensaio sobre a cegueira”, onde ele
descreve a epidemia que assolou uma cidade. Expressiva é igualmente a
obra do pintor holandês Pieter Bruegel “De parabel der blinden” (A
parábola dos cegos), conservada no Museu de Capodimonte, em Nápoles
(Itália). O autor retrata na tela a história contada por Jesus, na qual
Ele afirmara: “Se um cego conduz outro, ambos cairão no precipício”. A
passagem bíblica é narrada por Mateus (cap. 15, v. 14) e Lucas (cap. 6,
v. 39). Ali, o Mestre aponta os fariseus, ícones de muitos pseudolíderes
de hoje.
Diz-se que o amor é cego. Mas, os psicólogos explicam que o amor
romântico é o causador dessa limitação. O ódio em todas as suas faces e
nuances (cólera, ira, raiva, fúria, rancor etc.) leva à ausência de
visão interior. Curar-se dele é fazer com que as escamas caiam dos
olhos, recobrando a luz. Vivem-se tempos de cegueira coletiva em nosso
país, conduzindo inúmeros à barbárie. Atravessam-se dias de trevas e
desencontros. Faz-se abertamente apologia à violência, à intransigência e
ao radicalismo, filhos da ira. Caminha-se a passos largos para a
insanidade social. É preciso correr o risco de chamar à lucidez aqueles
que mergulharam nas águas turvas do rancor.
Cristo exorta os discípulos a reconhecer a dignidade de seu
semelhante. Essa é a origem do amor cristão, não necessariamente
obrigado ao afeto, e sim ao respeito pelo outro. O avesso disso induz ao
ódio. Se, do ponto de vista médico, o cólera é uma doença, de modo
análogo, a cólera é uma patologia mental, que está se tornando uma
epidemia no Brasil. Aqueles que odeiam, não conseguem vislumbrar no
próximo a sua dignidade. Concebem um mundo totalmente desigual, onde o
“Eu” (ou o partido político) serve de parâmetro de valor ou desvalor que
se dá aos seres humanos. Isto desumaniza a pessoa. Atrofia-se a
personalidade e atribui-se ilícita e iniquamente o direito de praticar
injustiça e violência. Aqueles que destroem alguém física ou
mentalmente, perderam o sentido de Deus, da vida e da dimensão social. A
ira massifica os cidadãos e cria abismos profundos.
Quem curará a nossa sociedade, privada de lucidez, coerência e
respeito? No romance de José Saramago, restava uma mulher (esposa de um
médico) que enxergava e orientava os deficientes visuais. Nela
poder-se-ia entrever uma metáfora da fé cristã. De acordo com os
evangelhos, o Filho de Deus libertou da escuridão muitos cegos. É
verdade que Ele não está mais presente fisicamente entre nós. Mas,
permanece a sua Palavra, que cura, converte e transforma. O Brasil
contemporâneo carece da escuta atenta e vivência autêntica da Palavra
divina. Infelizmente, Ela é usada inescrupulosamente ou de forma
bastante distorcida, numa flagrante afronta à semântica bíblica e à
hermenêutica sagrada. “Tende confiança, eu venci o mundo” (Jo 16, 33),
assegurou aos apóstolos o Senhor Jesus. Os cristãos acreditam que virá a
hora em que a cegueira generalizada passará. Surgirão os escombros dos
valores éticos de nossa sociedade. Mas, será preciso – como recorda o
poema “Fim e começo”, de Wislawa Szymborska – que alguém faça a faxina,
tire os entulhos das ruas e abra caminho para que as caçambas passem com
o lixo moral. Enquanto isto, faz-se necessário anestesiar o ódio. Este é
satânico. Os que têm algum discernimento deverão se empenhar para que,
ao ressurgir dessa triste crise social, haja os que se dediquem à tarefa
do recomeço e da reconstrução. Eduquem-se os brasileiros para o amor,
que abre horizontes! E não se esqueçam de que “Deus é Amor” (1Jo 4, jamais o ódio!
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