PADRE JOÃO, MEU IRMÃO
Valério Mesquita*
O padre João Medeiros é
um simples, não gosta de reuniões onde desfilam egos inflados. Suas crenças
básicas estão fincadas na desafetação da vida como perpétuo e inalienável
direito de existir, misturado ao povo miúdo, imagem e semelhança do Cristo, seu
irmão. Nunca exercitou artificial adesão ao modismo litúrgico, plástico,
aeróbico, difuso e mítico. No altar do Senhor ele é o donatário da capitania de
Jesus ou capataz dos mistérios circundantes da fé. A sua homilia contêm a alma
e o sumo das descobertas, interpretando em Mateus, Lucas, Marcos, João e Paulo,
tudo que o Espírito Santo falou. O padre apenas persegue pontualmente os
significados, a humana palavra necessária que todos queremos ouvir. No altar,
nos repassa a unção e a certeza de que Deus existe.
A sua vasta experiência
em vida acadêmica, direção e assessoramento superior em inúmeras instituições
de ensino público e privado, oferecem-nos uma exata dimensão de sua experiência
administrativa e cultural em cargos que ocupou no Ministério da Educação no Rio
de Janeiro como assessor de departamento; assessor especial da presidência do
Conselho Federal de Cultura e secretário executivo; coordenador de planejamento
do Ministério da Educação Delegacia do Rio de Janeiro; assessor do gabinete do
ministro da Educação; delegado do MEC; procurador para assuntos culturais da
Fundação José Augusto junto aos órgãos de cultura, sediados no Rio de Janeiro e
Brasília.
De 1980 a 1985, com ele
convivi, quando exerci a presidência da Fundação José Augusto. No Rio de Janeiro
o padre Medeiros abriu-nos portas para infindáveis convênios na Fundação
Nacional de Arte, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no
Instituto do Folclore, na Fundação Roberto Marinho, no Instituto do Livro,
entre outras entidades públicas e privadas. Só na restauração de monumentos
históricos no Rio Grande do Norte foram doze, sendo oito de parceria com a
Fundação Roberto Marinho. E através dele, ainda o dono das Organizações Globo veio
a Natal, precisamente a Utinga, povoado de São Gonçalo do Amarante com todo aparato
de televisão e jornal.
No céu estrelado de minha
amizade pessoal e litúrgica com o padre João Medeiros Filho, ela passeia pela
nostalgia que provém das nossas heranças telúricas de um tempo que a memória
ainda não desfez. Juntos abominamos a marginalização dos pobres deste mundo que
são hoje os mártires de ontem. Unidos, ainda procuramos nas conversas a terra
habitada pelo silêncio e pela distancia das coisas, porque o nosso grito é
cárcere privado e já não se faz pouco ouvido, nesse mundo de contradições de
todo o gênero. Vejo-o e sinto-o ainda, até hoje, moderado e modesto como sempre
o conheci. Tão sem vaidades que gosta de ser anônimo, fulano de um mundo
diferente, distante, coletivo. Em Emaús, onde Jesus mandou Nivaldo Monte deixá-lo,
ele sonha com as madrugadas de silêncio, como se estivesse numa pracinha do interior,
povoada de alegrias simples de viver. Se a saúde deixasse gostaria de viajar de
ônibus, da linha do Seridó, só para ouvir a última gargalhada do outro papa,
Vivaldo, lá no país de Caicó.
O que o padre João
Medeiros gosta é de viver ao lado da gente simples, muito humana, que sabe rir
de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleito antes da
hora, e nem foge de sua mortalidade, tal como pensou e escreveu o grande Mário
de Andrade. Ele ama a solidão consentida para ouvir e falar melhor com Jesus.
Vez em quando, de Emaús em Parnamirim, vem a Natal para rezar missas
gratuitamente, rever amigos e saber notícias de Cláudio, Serejo, Machadinho, Woden,
Laércio, Manoel de Brito, de revisitar amigos além da Arquidiocese. Está
consciente que completa mais um périplo em torno do tempo, sem nunca haver
desamado os frutos de sua vocação. João Medeiros guarda em si a beleza aflita
dos despossuídos. Um salmo invisível resplandece sempre em seus gestos e
movimentos cadenciados de humildade cristã.
(*) Escritor.
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