foto:Prof Angela Paiva
Ao Mestre com Carinho...
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) concedeu o Título de Professor Emérito ao educador Carlos Roberto de Miranda Gomes na sexta-feira (20). O título é conferido aos profissionais da área acadêmica de notório legado para a sociedade e para a UFRN.
...Comissão da Verdade
Um dos mais notáveis trabalhos do homenageado foi a contribuição como presidente da Comissão da Verdade, que buscou investigar as violações aos direitos humanos na Instituição durante a Ditadura Militar.
Atualizado: O Professor Carlos de Miranda Gomes foi homenageado pelo professor e Juiz Federal Ivan Lira.
Tribuna do Norte, 21 de Abril
Excelentíssima Professora ÂNGELA MARIA PAIVA CRUZ, Magnífica Reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em nome de quem saúdo todos os
Ilustres Membros da Mesa;
Colegas professores, advogados, magistrados, membros do Ministério Público, estudantes, servidores, ex-alunos, familiares, Confrades de Instituições Culturais, Amigos, Minhas Senhoras, Meus Senhores,
Há um dizer retórico muito utilizado em momentos de homenagens: “não esperava esse título; não sei se sou merecedor” ...
Eu digo diferente: ansiava sim por este momento há alguns anos, pelo que ele representa na minha vida.
O ventos da infância não sopravam para este desfecho. Menino ainda, iniciado na vida do interior, aprendi a amar a natureza, onde conheci o alfabeto e a aritmética. Retornando à capital e sendo de família pouco abastada, estudei em colégios menos custosos, mas comprovadamente eficientes, precisamente no Instituto Batista do Natal, do meu saudoso pastor Gabino Brelaz, onde conheci os primeiros traços da religião e do respeito às pessoas de outros credos e, no segundo grau passei pelo Ginásio Natal, do também inesquecível Professor Severino Joaquim da Silva, que me oportunizou conhecer grandes Mestres e fazer fraternos amigos.
Nesses dois momentos despertou em mim um pendor artístico inusitado e passei a participar dos eventos, aprofundado depois pela Escola de Música de Natal, do maestro Waldemar de Almeida, que ficava vizinho ao Cinema Rex, onde aprendi canto orfeônico e iniciei um caminho totalmente diverso da vida estudantil comum de uma criança, pois aos nove anos já despontava para o canto, tanto que participei das Caravanas da Sociedade Artística Estudantil - SAE, sendo contemporâneo de Hianto e Haroldo de Almeida, do trio Irakitan e dos talentos jovens de Edmilson Avelino, Odúlio Botelho, Agnaldo e Selma Rayol, José Filho, Elino Julião e outros que as prateleiras da memória não localizaram neste momento. Era conhecido como o “cantor mignon da radiofonia potiguar”.
Quando o sucesso já era patente, com gravação de um disco e shows em Fortaleza, Mossoró, Caraúbas e regularmente, em apresentações nos programas semanais na Rádio Poti, notadamente no “Vesperal dos Brotinhos de Luiz Cordeiro” e “Domingo Alegre de Genar Wanderley”, pela pressão familiar e atendendo conselho do maestro Waldemar Ernesto decidi abandonar a ilusão da vida artística e investir na realidade do estudo, embora tenha permanecido em mim a semente do canto, vivendo os devaneios do velho Sílvio Caldas, contemplando “nossas roupas comuns dependuras, na corda qual bandeiras agitadas...” e cultuando “a deusa da minha rua, que tem os olhos onde a lua costuma se embriagar e o sol, num dourado sonho vai claridade buscar”. De olho na minha vizinha. Deixei os encantos musicais, mas continuei “mignon”!
Dei a minha atenção integral aos livros, consolidado no curso científico do Atheneu, verdadeira Academia da cultura espontânea onde concluí meus estudos, concomitantemente com o chamamento da pátria, onde cumpri minha tarefa no Exército brasileiro, no qual assimilei os mais relevantes valores da cidadania.
Recém saído da adolescência irrequieta, mas responsável, pois desde cedo assumira encargos da casa paterna, fui fisgado pelo amor de Therezinha, com quem travei estreita convivência e casei há 55 anos em Belém do Pará e nessa condição ingressei na vida universitária já pai de Rosa Ligia, circunstância que me obrigou a desistir das serenatas, da curtição do maluco beleza (Raul Seixas) e da maravilhosa irresponsabilidade das músicas de Cazuza e, na UFRN, não participei dos movimentos estudantis exatamente pelos encargos de chefe de família neófito, mas nela tive trajetória de longo curso: tudo começando em fevereiro de 1964, quando, cheio de esperanças, ingressei na velha Faculdade de Direito da Ribeira. Logo no mês seguinte ao “trote”, e já em pleno período letivo, fui surpreendido pelo movimento que instalou o governo militar e daí por diante vivenciei os tormentosos dias dos estudantes, funcionários e professores - até o dia 8 de dezembro de 1968, data da minha formatura e do mês fatídico do AI-5, cuja colação de grau só foi possível pela ação enérgica dos professores Oto de Brito Guerra e Onofre Lopes, que conseguiram juntos guiar esta Instituição sexagenária pelos dias de escuridão, mantendo-a íntegra e independente, atributos que permaneceram, como testemunhei, porquanto foi pequeno o espaço de tempo em que dela estive separado, eis que em 1976 retornei para iniciar meu caminho de docente, compartilhando as ameaças veladas da repressão, até o restabelecimento da liberdade, como registrado no Relatório da Comissão da Verdade da UFRN, que tive a honra de presidir, com a participação de legítimos e operosos representantes de todas as categorias que formam a instituição e valorosos estagiários que ajudaram a construir um relato verdadeiro e elucidativo de um período que não deixou saudades, embora estejamos novamente a juntar os pedaços de uma democracia esfacelada pelos novos e deletérios costumes que assolam nossa sociedade nos dias presentes.
E assim se passaram os anos até atingir a idade compulsória e 35 anos de serviços, continuando mesmo depois de aposentado e portador de doença traiçoeira, como colaborador na graduação e especialização, participando das bancas e em sala de aula por algum tempo mais.
Se for indagado sobre o motivo de investir em tanto saudosismo numa solenidade tão importante, responderei com a expressão de Simone de Beauvoir:
“O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. É ao meu passado que devo o meu saber, a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo.”
Nesse percurso de vida pública, ocupei inúmeros cargos, ingressei em várias instituições corporativas e de cultura, recebi muitas comendas e honrarias. Mas confesso: de todas as homenagens que recebi ao longo do tempo, nenhuma tem o significado igual ao deste título que agora recebo, de “Professor Emérito”.
Os presentes não podem avaliar a emoção e o peso que senti de tamanha responsabilidade e que me invadiram desde o momento em que foi marcada a data desta solenidade. A síndrome da insônia tornou-se companheira diária e houve momentos em que batia a emoção, agravada quando meu estimado colega da Comissão da Verdade, o então estudante Juan de Assis Almeida, hoje mestrando na UNB, me alertou que o Curso de Direito, nesses 60 anos, teve a outorga de apenas 21 títulos de Professor Emérito (entre esses o meu pai, professor José Gomes da Costa), sendo o último agraciado o meu querido amigo e colega de Procuradoria do Tribunal de Contas Múcio Villar Ribeiro Dantas, que nos deixou nesta Universidade o talento do Professor Marcelo Navarro RIBEIRO DANTAS – exemplo de cultura e dignidade.
A inatividade legal não retirou o meu entusiasmo para continuar, agora entrei na luta para restaurar a velha Casa do Direito da Ribeira “canguleira”, quase em ruínas, onde deveremos fazer ressurgir uma parte heroica da nossa história.
Minhas Senhoras e Meus Senhores, neste momento de grande emoção, só tenho palavras para agradecer a esta minha morada de grandes lutas e de saudades, aos companheiros que aprovaram meu nome para tão importante honraria, comandados pelo amigo Ivan Lira, que guardou a fidelidade de ex-aluno, transcendendo o meu perfil ao fazer sua saudação, ao Professor Tarcísio Gurgel, que apresentou o meu currículo de maneira competente, como sempre, e aos meus amigos que se dignaram me prestigiar com suas presenças, em especial os que aceitaram participar das Comissões, todos formatando um quadro que ficará emoldurado em minha memória até o findar dos meus dias. Todavia, sem ter qualquer pressa, proclamo que ainda tenho forças para outras jornadas.
Nestas últimas palavras, cai bem repetir a extraordinária Simone de Beauvoir:
“A impressão que eu tenho é de
não ter envelhecido,
embora eu esteja instalado na velhice.”
OBRIGADO.
Natal, 20/4/2018
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MENSAGEM:
Professor Carlos Gomes, gostaria de registrar meu agradecimento pelo convite a compor a Comissão de Honra de aposição da Veste Talar. Foi um momento único que ficará eternamente gravado em minhas lembranças. A simbologia do ato foi de um verdadeiro encontro geracional de um iniciante jurista e advogado com um experiente e notável advogado e professor numa cerimônia de congraçamento e reconhecimento do legado intelectual, imaterial e material deixado pelas gerações antecessoras (pelo senhor) para as novas e futuras gerações. O título de Emérito era algo esperado porque merecido por tanta abnegação às causas coletivas que enriquecem nossa cultura e nossa história. Confesso do meu entusiasmo, porquanto procurei, mesmo de longe, acompanhar todo o processo de aprovação nas instâncias da UFRN, o que ocorreu unanimemente em todas elas. Agradeço, igualmente, por todas as referências feitas nos discursos oficiais e informalmente a mim. Além de me envaidecer, é prova da sua generosidade e envolvimento com as grandes causas que juntos enfrentamos e haveremos de enfrentar. Da mesma forma que o senhor concluiu o discurso afirmando que aceita as novas jornadas, também registro o meu empenho nas outras lides da vida. Muito obrigado! Parabéns pelo Título de Emérito da UFRN! Abraços. (Juan de Assis Almeida).
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