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17/04/2018

SABEDORIA




A CEGUEIRA DO ÓDIO 
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO 

Consoante a teologia cristã, o ódio é um dos sete pecados capitais. É também um dos pilares de desajuste do ser humano, levando-o à cegueira espiritual. Do ponto de vista simbólico e segundo a narração dos evangelistas, Cristo curou vários cegos, os que nasceram deficientes e aqueles com a limitação adquirida. Talvez se possa constatar o fenômeno da cegueira oriunda do ódio na sociedade brasileira atual. Isso faz-nos recordar o romance de José Saramago “Ensaio sobre a cegueira”, onde ele descreve a epidemia que assolou uma cidade. Expressiva é igualmente a obra do pintor holandês Pieter Bruegel “De parabel der blinden” (A parábola dos cegos), conservada no Museu de Capodimonte, em Nápoles (Itália). O autor retrata na tela a história contada por Jesus, na qual Ele afirmara: “Se um cego conduz outro, ambos cairão no precipício”. A passagem bíblica é narrada por Mateus (cap. 15, v. 14) e Lucas (cap. 6, v. 39). Ali, o Mestre aponta os fariseus, ícones de muitos pseudolíderes de hoje. 
Diz-se que o amor é cego. Mas, os psicólogos explicam que o amor romântico é o causador dessa limitação. O ódio em todas as suas faces e nuances (cólera, ira, raiva, fúria, rancor etc.) leva à ausência de visão interior. Curar-se dele é fazer com que as escamas caiam dos olhos, recobrando a luz. Vivem-se tempos de cegueira coletiva em nosso país, conduzindo inúmeros à barbárie. Atravessam-se dias de trevas e desencontros. Faz-se abertamente apologia à violência, à intransigência e ao radicalismo, filhos da ira. Caminha-se a passos largos para a insanidade social. É preciso correr o risco de chamar à lucidez aqueles que mergulharam nas águas turvas do rancor. 
Cristo exorta os discípulos a reconhecer a dignidade de seu semelhante. Essa é a origem do amor cristão, não necessariamente obrigado ao afeto, e sim ao respeito pelo outro. O avesso disso induz ao ódio. Se, do ponto de vista médico, o cólera é uma doença, de modo análogo, a cólera é uma patologia mental, que está se tornando uma epidemia no Brasil. Aqueles que odeiam, não conseguem vislumbrar no próximo a sua dignidade. Concebem um mundo totalmente desigual, onde o “Eu” (ou o partido político) serve de parâmetro de valor ou desvalor que se dá aos seres humanos. Isto desumaniza a pessoa. Atrofia-se a personalidade e atribui-se ilícita e iniquamente o direito de praticar injustiça e violência. Aqueles que destroem alguém física ou mentalmente, perderam o sentido de Deus, da vida e da dimensão social. A ira massifica os cidadãos e cria abismos profundos. 
Quem curará a nossa sociedade, privada de lucidez, coerência e respeito? No romance de José Saramago, restava uma mulher (esposa de um médico) que enxergava e orientava os deficientes visuais. Nela poder-se-ia entrever uma metáfora da fé cristã. De acordo com os evangelhos, o Filho de Deus libertou da escuridão muitos cegos. É verdade que Ele não está mais presente fisicamente entre nós. Mas, permanece a sua Palavra, que cura, converte e transforma. O Brasil contemporâneo carece da escuta atenta e vivência autêntica da Palavra divina. Infelizmente, Ela é usada inescrupulosamente ou de forma bastante distorcida, numa flagrante afronta à semântica bíblica e à hermenêutica sagrada. “Tende confiança, eu venci o mundo” (Jo 16, 33), assegurou aos apóstolos o Senhor Jesus. Os cristãos acreditam que virá a hora em que a cegueira generalizada passará. Surgirão os escombros dos valores éticos de nossa sociedade. Mas, será preciso – como recorda o poema “Fim e começo”, de Wislawa Szymborska – que alguém faça a faxina, tire os entulhos das ruas e abra caminho para que as caçambas passem com o lixo moral. Enquanto isto, faz-se necessário anestesiar o ódio. Este é satânico. Os que têm algum discernimento deverão se empenhar para que, ao ressurgir dessa triste crise social, haja os que se dediquem à tarefa do recomeço e da reconstrução. Eduquem-se os brasileiros para o amor, que abre horizontes! E não se esqueçam de que “Deus é Amor” (1Jo 4, jamais o ódio!

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