PRESTES,
REVOLUCIONÁRIO E PEQUENO BURGUÊS
Gileno Guanabara, do IHGRN
É factível, se jovem não militou na política, não sabe o
que perdeu. Ou, mais claro, quem na juventude não militou na esquerda, depois
dela se apartou. Muitas gerações se formaram ouvindo falar no Cavaleiro da Esperança, quer pouco ou
mais fundamento tivesse o debate sobre sua trajetória e ideias. Por décadas,
admiradores, camaradas, adversários ou não, falaram de Luís Carlos Prestes.
Todos exaltam o feito da marcha que a Coluna Prestes, empreendeu de Norte a Sul
do Brasil, cujo comando dividiu com Miguel Costa e da qual participaram
camaradas tenentistas, em oposição ao governo Bernardes. Declarada a revolta, a
concepção de guerra de movimento que afinal predominou entre os revolucionários, assemelhada ao
romanceiro do cangaço e de jagunços embrutecidos que, na época, atanazavam os
sertões do Nordeste, fanáticos que atravessavam veredas e caatingas e com
forças desiguais desafiavam o poder rural, em busca de vingança. Entre os
tenentes, predominava o espírito de revolta política, de consertar o mundo,
independentemente da aceitação e vontade de seus beneficiários imediatos: as
massas urbanas e camponesas, soldados e marinheiros, em estágio de pobreza, sem
o direito de voto.
Vencidos pela exaustão, dada a perseguição inclemente do
Estado oligárquico, a Coluna evitou o
quanto pode o confronto militar direto, dada a desigualdade dos meios de
combate que dispunha. Ziguezagueou nos vilarejos e cidades incompreendida, até que
o restante das tropas famélicas e, sem adesões ou apoio, foi-se ao exílio na
Bolívia.
Seguiram-se os primeiros contatos do Capitão Prestes, com
a leitura de textos marxistas e com lideranças comunistas de primeira hora.
Astrogildo Pereira fora o primeiro a lhe visitar. Na Argentina, a par de novos
contatos políticos com integrantes do comitê da Internacional Comunista, sediado
no Uruguai, tornaram-se explícitas as divergências no enfoque do mundo e de sua
transformação. Prestes se dedicara a estudar os clássicos do marxismo. Sem se
desfazer de sua formação de militar, tornara-se o revolucionário intransigente,
absoluto em suas concepções, incapaz de conceber alianças, duvidando dos
princípios alheios que não coincidissem com os seus.
As mudanças que se operavam na economia do planeta, enquanto
se davam as ocorrências na política brasileira, cujos sortilégios desencadearam
na Revolução de 1930, não tiveram a melhor recepção dos antigos tenentistas, os
quais se dividiram, uns em adesão plena aos derrotados do processo eleitoral,
outros, reinaram em contradita ao antigo chefe. Em sua compreensão militarista,
um Prestes se mostrou absoluto, rejeitando as alianças, só a revolução armada, como
forma até de agradar o obreirismo do Partido. Ausentou-se do processo político,
enquanto desabrochava em si o encanto da revolução proletária. Transferiu-se
para Moscou, a fim de trabalhar e sentir a ebulição revolucionária reinante,
após a Revolução de 1917.
De regresso ao Brasil trouxe consigo Olga Benário, a
mulher primeira com quem se relacionou. Anteriormente casada, egressa do Exército
Soviético, Olga fora destacada para, clandestinamente na companhia de Prestes, lhe
prestar segurança. A convivência de ambos venceu nele a timidez, dada a intensidade
a que se viram unidos, gerando daí Anita Leocádio, a primeira filha.
A par de um projeto político mal formulado desde Moscou,
quanto as condições objetivas da revolução proletária no Brasil, ao que Prestes
se propôs, embora estivesse afastado há muitos anos, a imprevidência e o
despreparo político motivaram o fracasso e a brutal repressão aos participantes
da sublevação e a seus militantes, nos anos posteriores a 1935. Sobre Prestes
abatera-se ainda a injúria de ser preso ao lado de Olga Benário que, ainda
grávida de Anita, foi expulsa do Brasil e entregue a polícia da Gestapo pelas
forças repressoras de Felinto Muller.
Após os anos de prisão, com o fim da Segunda Grande
Guerra, a derrota nazifascista, o sopro de democracia pairou sobre o mundo. A
presença ativa de Prestes e dos comunistas constituintes de 1946, teve momentos
de rara configuração: a denúncia dos crimes de Stalin, com a política de
revisão do culto à personalidade, procedido por Khruchov, na URSS; internamente,
as contradições inerentes à guerra fria, confundindo a estratégia política dos
comunistas, ora em defesa da luta armada; ora em fazer oposição à burguesia
nacional; ora em admitir aliança com setores da burguesia e de combate ao
latifúndio e ao imperialismo, confluindo tudo isso na tática dúbia do Queremos Getúlio, apoiar ou não a
presença de Getúlio durante a Constituinte.
No decênio de 1950, mesmo com o registro do PCB cassado pela
Justiça Eleitoral desde 1948, a liderança e o prestígio político de Luís Carlos
Prestes eram inegáveis. O movimento sindical, os embates no parlamento e as
intervenções na administração pública, passavam não raro pelo âmbito do Partido
e sua influência. Internamente, as decisões emanadas da Conferência da
Mantiqueira (1950) perdiam o foco, a par dos rumos emergentes da política, ou
da evidente divisão interna no Partido. A morte de Getúlio: a reviravolta popular,
diante da declaração de jornais comunistas no dia anterior, em oposição aos
rumos burgueses de seu governo; a tibieza de Café Filho perante a postura
agressiva da Banda de Música da UDN e
outros líderes; a candidatura frágil do General Lott; a eleição de Jango
(vice-Presidente) e as contradições populistas de Jânio, ora em agraciar a
burguesia no Ministério da Fazenda, ora em reverenciar Che Guevara, eram
sintomas de rupturas céleres na confusa conjuntura política pós 1946. A isto os
comunistas não tinham resposta imediata, tamanhas eram as suas certezas e incertezas
de vitória fácil sobre os conservadores.
De sua vida intensa, plena de clandestinidade e devoção,
o fato de decisões imponderáveis da História a que o destino coletivo e
clandestino lhe reservou tomar a responsabilidade; a soberba no trato dos
grupos dissidentes, a quem chamava de canalha
pequeno-burguesa, pari passo à convocação de frente ampla; os louros da glorificação
das massas populares, enfim, a consagração imorredoura. Mas o agravo da perda
sempre o perseguiu. A primeira mulher expatriada que lhe deu a primeira filha,
outras duas, a última, Maria. Quis o preconceito que a olvidasse, mas que
tantos filhos gerou que não o perdoariam negar. Prestes morreu sem prestígio.
Não viu o fim do Muro de Berlim. Amargou solitário sua
exclusão do partido por quem tanto lutou.
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