O PADRE VISIONÁRIO QUE APRIMOROU SUA CIDADE
Tomislav R. Femenick – Historiador, membro da diretoria do IHGRN.
O Padre Mota foi prefeito de Mossoró em três condições diferentes, porém contínuas. Na primeira fase (de 19.01.1936 a 07.09.1937), ele assumiu o cargo de Prefeito Provisório, atendendo a um pedido de Rafael Fernandes Gurjão, então interventor do Rio Grande do Norte; a segunda fase, a de Prefeito Eleito pelo voto popular (de 07.09.1937 a 30.12.1039), foi interrompida pelo golpe getulista que criou o Estado Novo; e o terceiro período, o dePrefeito Nomeado (de 30.12.1937 a 03.04.1945), até quando renunciou.
Luiz Ferreira da Mota nasceu no dia 16.04.1897, em Mossoró, onde estudou no Colégio Diocesano Santa Luzia e no Grupo Escolar Trinta de Setembro. Depois foi aluno do Colégio Santo Antonio, em Natal, e do Colégio Salesiano, no Recife. Matriculou-se no Seminário da Paraíba, mas sua meta era ir para o Colégio Pio Latino-Americano, em Roma. No entanto havia um obstáculo: lá todas as aulas eram em latim. Em dois meses aprendeu o suficientemente para atender essa necessidade e, com apenas 17 anos, embarcou rumo à Itália. Lá foi ordenado padre. Depois de quase nove anos, desembarcou no Rio de Janeiro, no dia 07.09.1922, data em que o Brasil comemorava o centenário de sua independência.
Os recursos
Quando Padre Mota tomou posse, as finanças da Prefeitura estavam totalmente desorganizadas. O orçamento era uma peça de ficção, sem qualquer compromisso com a realidade. As despesas eram medidas com um grau de incerteza absoluta, e as receitas tomadas com base nas “visões” do governante da ocasião. Na fase de execução, tudo era pior.
Como o orçamento não existia concretamente, o Padre Mota tomou uma medida radical: somente fazer qualquer gasto, se houver “dinheiro no cofre”, e depois de pagar aos funcionários da Prefeitura.
Em 1936 a Prefeitura arrecadou 442,4 contos; em 1945, no fim de sua gestão, mais de dois mil contos de reis.
O Funcionalismo
Antes do Padre Mota assumir a Prefeitura de Mossoró, os funcionários eram escolhidos por parentesco ou por ligações pessoais, sem levar em conta os conceitos de capacidade e eficiência no trabalho. Muitos lá estavam simplesmente por ocupar “seus” cargos há muito tempo. Havia, também, os simplesmente ineficientes, por incapacidade ou omissão. Por outro lado, todos ganhavam pouco e estavam com os salários atrasados; muitos funcionários não recebiam há mais de seis meses.
O novo prefeito resolveu essa situação do seu jeito, sem causar traumas, porém sem transigir. Conseguiu que muitos se demitissem por iniciativa própria e outros foram afastados. Somente permaneceram aqueles necessários à Prefeitura. Com esse corte, deu para aumentar os salários e colocar a folha em dia.
A Luta pela Água
Em 1810 um visitante inglês, Henry Koster, já registrava em seu diário de viagem a existência de um rio seco onde estava a localidade chamada de “Santa Luiza”. Anotou que uma casa de fazenda estava abandonada porque a falta d’água teria desiludido seu proprietário, pois a que se obtinha era completamente salobra.
Passaram-se quase cem anos, e só em 1908 é que foi construída a primeira barragem de pedra e cimento. Nos anos seguintes, se iniciaram as escavações de poços com a utilização de maquinas. Ainda no começo do século passado, por iniciativa dos moradores foi criada a Cia. de Água de Mossoró, que perfurou alguns poços de pequena profundidade, construiu reservatórios e estendeu uma pequena rede de distribuição. Todavia, o empreendimento não obteve êxito, pois a água era incerta e ruim.
Quando Padre Mota assumiu a Prefeitura de Mossoró, a empresa de água já tinha sido dissolvida. Existiam apenas alguns poços, poucos chafarizes (alguns construídos há mais de 50 anos), algumas cacimbas, bolandeiras e carroças-pipas que transportavam água do rio para as residenciais e estabelecimentos comerciais, sem nenhum tratamento.
Mesmo sem contar com garantia de recursos para a execução, em 1940 o Padre Mota mandou iniciar os estudos para as obras de construção e aparelhamento de uma estação de captação de água, assentamento de rede de distribuição pública, bem como da rede de captação de esgotos, construção de uma estação de tratamento e formação de uma lagoa de decantação. O projeto foi realizado pelo engenheiro Pedro Ciarlini, sem custos para a Municipalidade, a não ser o seu “trabalho de prancheta”.
Esse trabalho serviu de base para o Serviço de Água de Mossoró. Em 1943, o novo interventor do Estado deu andamento aos planos do prefeito Luiz Mota. Dois anos depois, Estado e Município assinaram com o Escritório Saturnino Brito, do Rio de Janeiro, contrato para elaboração do projeto definitivo de abastecimento de água e coleta de esgotos da cidade.
Urbanização da Cidade
Recém-nomeado prefeito, às cinco horas da manhã do dia 20.01.1936 o Padre Mota percorreu a cidade que iria governar. Poucas eram as ruas pavimentadas com pedras calcárias irregulares. A poeira cobria as fachadas das casas com uma camada acinzentada. As águas do rio corriam livremente e adentravam pelo perímetro urbano. Quando o sol estava mais alto, um mormaço começou a se levantar do chão seco das ruas limpas de árvores. Havia poucas plantas em algumas praças, mas eram raquíticas e de pequeno porte. Por toda parte, sujeira e lixo.
Uma das suas primeiras providências foi solicitar ao interventor do Estado a presença urgente de um engenheiro em Mossoró, sem dizer o motivo. Uma semana depois, o padre refez o mesmo itinerário daquela outra manhã, dessa vez acompanhado do engenheiro vindo da capital, “um rapazinho novo, quase sem pelos no rosto”. Expôs suas ideias: canalização do rio aqui, uma ponte ali, calçamento acolá e, assim, foi desfiando o seu rosário de obras. O engenheiro recém-formado ficou meio sem jeito, mas perguntou aonde o padre-prefeito iria arranjar tanto dinheiro para fazer tantas coisas. O padre simplesmente riu.
Em 1936, Mossoró tinha somente quatro ruas calçadas. Em 1940, já eram 14, “sem que sejam incluídas várias travessas”. Em sua gestão, foi construída a ponte Jerônimo Rosado, foram assentados quase 50.000 metros quadrados de calçamento e mais de 6.500 metros de meio-fio. Foram construídos cinco jardins e reconstruídos outros dois, o rio Mossoró foi canalizado na área central da cidade, com a construção de 643 metros de balaustradas na margem esquerda, dotadas de 41 postes de iluminação pública. Sua ideia era que ali fossem instalados hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos do gênero, transformando essa arborizada e larga avenida em um verdadeiro boulevar.
Ecologia e Estética Urbana
Nos anos trinta, nem a palavra ecologia nem a percepção desse conceito eram de conhecimento comum, mas Luiz Ferreira Cunha da Mota também não era um nordestino comum. As suas preocupações para com as coisas da natureza e do ser humano o levaram, quando jovem, a pensar em se formar em Agronomia, antes de querer ser sacerdote. Segundo Vingt-un Rosado, foi a junção dessas duas características – o apego à estética e o horror às feiuras físicas e intelectuais – que levaram o Padre-Prefeito a encher as ruas, praças e avenidas de Mossoró com árvores de Fícus Benjamim. As mudas eram plantadas em terra adubada, eram protegidas por engradados e, caso vingassem, os donos dos imóveis em frente aos quais elas tinham sido plantadas recebia um desconto no imposto predial.
Entre 1936 e 1940, Padre Mota mandou plantar mil árvores; de 1941 a 1945, mais 500. As mudas que não cresciam por qualquer motivo eram substituídas por novas. Sempre havia 1.500 pés de Fícus Benjamim. A grande copa de folha verde escuro amenizava o calor irradiado do sol, que a cidade recebe constantemente. As ruas, agora pavimentadas, já não permitiam que o vento nordeste levantasse a poeira do chão e desse uma cor de cinza às fachadas das residências e casas comerciais. A cidade ficou mais acolhedora e humana. Mesmo nos períodos de secas, o verde da fronde dos fícus permanecia e se destacava do imenso pardavasco em que a região se transformava.
O Ensino
Quando Padre Mota assumiu o cargo de prefeito, em Mossoró existiam 42 escolas administradas pelo Município. Querendo se inteirar da situação, mandou fazer um levantamento das condições e das necessidades de cada uma delas. O resultado foi um retrato desolador. Em algumas mal cabiam cinco crianças, em outras, os mestres não tinham condições de ensinar, pois eles mesmos careciam dos conhecimentos mais elementares. Em todas havia carência de material escolar.
Ele mesmo redigiu o que chamava de “Modelo Educativo para as Escolas Públicas do Primeiro Ensino”, com algumas ideias básicas sobre o assunto. Considerava que a escola pública (como meio de instrução do povo) deveria ser voltada para três fatores que se inter-relacionariam. O ensino e a aprendizagem seriam dois deles. A formação do cidadão, o outro, deveria ser o conjunto dos conhecimentos adquiridos na escola.
Novas escolas foram abertas, houve substituição de professores, transferências das aulas para salões paroquiais, igrejas, capelas e até para templos protestantes, bem como aquisições de quadros, giz, livros, cadernos, lápis e outros materiais escolares. Em todas houve reformulação das matérias ensinadas, incluindo-se algumas voltadas para a realidade local, como formação de hortas, higiene, comportamento cívico etc. Em menos de dez anos, o número de alunos mais que dobrou.
Durante o seu período de governo, foram criadas doze novas escolas municipais. Todas bem aparelhadas e com professores habilitados.
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