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31/01/2015

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PRESTES, REVOLUCIONÁRIO E PEQUENO BURGUÊS


Gileno Guanabara, do IHGRN


            É factível, se jovem não militou na política, não sabe o que perdeu. Ou, mais claro, quem na juventude não militou na esquerda, depois dela se apartou. Muitas gerações se formaram ouvindo falar no Cavaleiro da Esperança, quer pouco ou mais fundamento tivesse o debate sobre sua trajetória e ideias. Por décadas, admiradores, camaradas, adversários ou não, falaram de Luís Carlos Prestes.

            Todos exaltam o feito da marcha que a Coluna Prestes, empreendeu de Norte a Sul do Brasil, cujo comando dividiu com Miguel Costa e da qual participaram camaradas tenentistas, em oposição ao governo Bernardes. Declarada a revolta, a concepção de guerra de movimento que afinal predominou entre os revolucionários, assemelhada ao romanceiro do cangaço e de jagunços embrutecidos que, na época, atanazavam os sertões do Nordeste, fanáticos que atravessavam veredas e caatingas e com forças desiguais desafiavam o poder rural, em busca de vingança. Entre os tenentes, predominava o espírito de revolta política, de consertar o mundo, independentemente da aceitação e vontade de seus beneficiários imediatos: as massas urbanas e camponesas, soldados e marinheiros, em estágio de pobreza, sem o direito de voto.

            Vencidos pela exaustão, dada a perseguição inclemente do Estado oligárquico, a Coluna evitou o quanto pode o confronto militar direto, dada a desigualdade dos meios de combate que dispunha. Ziguezagueou nos vilarejos e cidades incompreendida, até que o restante das tropas famélicas e, sem adesões ou apoio, foi-se ao exílio na Bolívia.

            Seguiram-se os primeiros contatos do Capitão Prestes, com a leitura de textos marxistas e com lideranças comunistas de primeira hora. Astrogildo Pereira fora o primeiro a lhe visitar. Na Argentina, a par de novos contatos políticos com integrantes do comitê da Internacional Comunista, sediado no Uruguai, tornaram-se explícitas as divergências no enfoque do mundo e de sua transformação. Prestes se dedicara a estudar os clássicos do marxismo. Sem se desfazer de sua formação de militar, tornara-se o revolucionário intransigente, absoluto em suas concepções, incapaz de conceber alianças, duvidando dos princípios alheios que não coincidissem com os seus.

            As mudanças que se operavam na economia do planeta, enquanto se davam as ocorrências na política brasileira, cujos sortilégios desencadearam na Revolução de 1930, não tiveram a melhor recepção dos antigos tenentistas, os quais se dividiram, uns em adesão plena aos derrotados do processo eleitoral, outros, reinaram em contradita ao antigo chefe. Em sua compreensão militarista, um Prestes se mostrou absoluto, rejeitando as alianças, só a revolução armada, como forma até de agradar o obreirismo do Partido. Ausentou-se do processo político, enquanto desabrochava em si o encanto da revolução proletária. Transferiu-se para Moscou, a fim de trabalhar e sentir a ebulição revolucionária reinante, após a Revolução de 1917.

            De regresso ao Brasil trouxe consigo Olga Benário, a mulher primeira com quem se relacionou. Anteriormente casada, egressa do Exército Soviético, Olga fora destacada para, clandestinamente na companhia de Prestes, lhe prestar segurança. A convivência de ambos venceu nele a timidez, dada a intensidade a que se viram unidos, gerando daí Anita Leocádio, a primeira filha.

            A par de um projeto político mal formulado desde Moscou, quanto as condições objetivas da revolução proletária no Brasil, ao que Prestes se propôs, embora estivesse afastado há muitos anos, a imprevidência e o despreparo político motivaram o fracasso e a brutal repressão aos participantes da sublevação e a seus militantes, nos anos posteriores a 1935. Sobre Prestes abatera-se ainda a injúria de ser preso ao lado de Olga Benário que, ainda grávida de Anita, foi expulsa do Brasil e entregue a polícia da Gestapo pelas forças repressoras de Felinto Muller.

            Após os anos de prisão, com o fim da Segunda Grande Guerra, a derrota nazifascista, o sopro de democracia pairou sobre o mundo. A presença ativa de Prestes e dos comunistas constituintes de 1946, teve momentos de rara configuração: a denúncia dos crimes de Stalin, com a política de revisão do culto à personalidade, procedido por Khruchov, na URSS; internamente, as contradições inerentes à guerra fria, confundindo a estratégia política dos comunistas, ora em defesa da luta armada; ora em fazer oposição à burguesia nacional; ora em admitir aliança com setores da burguesia e de combate ao latifúndio e ao imperialismo, confluindo tudo isso na tática dúbia do Queremos Getúlio, apoiar ou não a presença de Getúlio durante a Constituinte.

            No decênio de 1950, mesmo com o registro do PCB cassado pela Justiça Eleitoral desde 1948, a liderança e o prestígio político de Luís Carlos Prestes eram inegáveis. O movimento sindical, os embates no parlamento e as intervenções na administração pública, passavam não raro pelo âmbito do Partido e sua influência. Internamente, as decisões emanadas da Conferência da Mantiqueira (1950) perdiam o foco, a par dos rumos emergentes da política, ou da evidente divisão interna no Partido. A morte de Getúlio: a reviravolta popular, diante da declaração de jornais comunistas no dia anterior, em oposição aos rumos burgueses de seu governo; a tibieza de Café Filho perante a postura agressiva da Banda de Música da UDN e outros líderes; a candidatura frágil do General Lott; a eleição de Jango (vice-Presidente) e as contradições populistas de Jânio, ora em agraciar a burguesia no Ministério da Fazenda, ora em reverenciar Che Guevara, eram sintomas de rupturas céleres na confusa conjuntura política pós 1946. A isto os comunistas não tinham resposta imediata, tamanhas eram as suas certezas e incertezas de vitória fácil sobre os conservadores.

            De sua vida intensa, plena de clandestinidade e devoção, o fato de decisões imponderáveis da História a que o destino coletivo e clandestino lhe reservou tomar a responsabilidade; a soberba no trato dos grupos dissidentes, a quem chamava de canalha pequeno-burguesa, pari passo à convocação de frente ampla; os louros da glorificação das massas populares, enfim, a consagração imorredoura. Mas o agravo da perda sempre o perseguiu. A primeira mulher expatriada que lhe deu a primeira filha, outras duas, a última, Maria. Quis o preconceito que a olvidasse, mas que tantos filhos gerou que não o perdoariam negar. Prestes morreu sem prestígio. Não viu o fim do Muro de Berlim. Amargou solitário sua exclusão do partido por quem tanto lutou.


           
             

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