12/01/2015


OS POBRES DE PARIS


TOMISLAV R. FEMINICK

A chacina realizada por fundamentalistas islâmicos que resultou na morte de cartunistas do jornal “Charlie Hebdo” e de policiais franceses chocou o mundo e nada, absolutamente nada, justifica esse ato terrorista. No entanto, há que se procurar as causas que fazem com que imigrantes do norte da África, e jovens descendentes desses imigrantes que moram na França, se rebelem e abracem a luta contra a democracia e a liberdade. Por julgar oportuno, republico uma crônica que integra meu livro “Conexões e reflexões sobre economia” (Jundiaí-SP, 2011), em que Celso Furtado analisa esse problema. Cirilo, o Círio (com C mesmo, pois Círio é seu nome e Cirilo seu apelido, entre os amigos) era uma figura conhecida entre os professores de uma universidade paulista, aonde eu ministrava aulas. Embora não fosse professor, vivia na sala dos professores e, com o passar do tempo, se transformo no quebra-galho para problemas de toda natureza. Reconhecia firmas em cartórios, resolvia problemas no Detran, na Prefeitura, na Receita Federal e até desembaraçava mercadorias no aeroporto. Cobrava pouco, quase nada, pois não era formalmente um Despachante; era procurador. Um belo dia nos surpreendeu. Chegou na sala e soltou a notícia: “Adeus para todo mundo. Amanhã vou embora. Vou morar em Paris, com minha irmã. O marido dela, um francês, morreu e ela conseguiu uma autorização de permanência para mim”. Perdemos o nosso procurador-despachante. Alguns poucos anos depois, quando eu estava fazendo pesquisa no Muséum National D’Histoire Naturelle, mas precisamente no Musée de l’Homme (Museu do Homem), na capital francesa, sou surpreendido por um abraço de Cirilo. Fomos tomar um café, ali mesmo na Place du Trocadéro. As suas notícias era boas. Ainda estava morando com a sua irmã, estava namorando uma francesa, ex-costureira da Maison Christian Dior. Mas, o mais importante era que sua irmã era amiga de Celso Furtado e, agora, ele era o quebra-galho (procurador) do mestre lá em Paris. Essa última parte despertou a minha atenção. Disse-lhe que tinha conhecido o Dr. Celso anos antes – aqui em Natal – e tínhamos participado de alguns eventos sobre economia, no Rio e em São Paulo. Cirilo, o Círio, pediu licença por uns minutos, se levantou e saiu. Instante depois voltou e disse-me; “Pronto. Está tudo resolvido. Vamos almoçar com le monsieur Furtado”. E fomos. Foi uma conversação amigável, mais que um almoço – o mestre tinha se convertido à “nouvelle cuisine française” (muito sabor e pouca comida). Entre os assuntos desse bate-papo, surgiu o problema da imigração na França. A opinião de Celso Furtado era que, um dia qualquer, num futuro muito próximo, a situação de aparente calmaria iria explodir em uma comoção social. Isso por culpa das boas intenções política e social dos franceses, mas, principalmente, pelas restrições econômicas – e, em decorrência, também sociais – impostas aos emigrantes. Foi uma aula. Sua tese (aqui reproduzida de memória e, portanto, sujeita a lapsos e erros) era que os franceses quando aceitam um emigrante querem fazer dele um francês. Dão-lhe os conceitos teóricos de liberdade, igualdade e fraternidade, mas em troca exigem que ele perca a sua identidade de origem, se esqueçam dos costumes, hábitos e crenças herdados dos seus antepassados. Dão a cidadania ou o direito de morar na França, mas não lhe dão condições econômicas iguais as que têm os franceses. A consequência é a degradação social do individuo. E o resultado disso é a formação de grupos de pessoas de baixa renda, que passam a ser discriminados pelos franceses tradicionais. Esses grupos se juntam e terminam formando aglomerados urbanos, cujos habitantes têm menos oportunidade de trabalho e quando trabalham ganham menos. Como era de se esperar, nesses lugares o índice de criminalidade é maior do que no resto do país. Então, os emigrantes são tratados como párias e criminosos, por uma parcela dos franceses. O mestre tinha razão. Para os emigrantes liberdade, igualdade e fraternidade são meros conceitos teóricos. E agora Paris está em chamas. 

 O Jornal de Hoje e O Mossoroense. Natal/Mossoró, Nov. 2005.

Tomislav R. Femenick (*) – Jornalista, historiador, mestre com extensão em sociologia.

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