29/01/2015

Marcelo Alves
Marcelo Alves


Classificação dos precedentes

Este artigo vai em resposta a um grande amigo, estudante de direito temporão, que, tentando organizar seus estudos, me perguntou como poderia classificar os precedentes judiciais.

De modo bem simples, pode-se dizer que a decisão de um caso tomada anteriormente pelo Judiciário constitui, para os casos a ele semelhantes, um precedente judicial (e daí se vê, sem maior esforço, que o precedente judicial existe em qualquer sistema jurídico). Seus atributos, tais como seu poder criativo ou meramente declarativo, seu caráter persuasivo ou obrigatório, é que vão depender dos contornos atribuídos a ele por este ou aquele sistema jurídico.

É exatamente com base nesses atributos que os precedentes são classificados. E, em regra, assim: a) precedentes declarativos ou precedentes criativos; b) precedentes persuasivos ou precedentes (absoluta ou relativamente) obrigatórios.

Chama-se declarativo o precedente que apenas reconhece e aplica uma norma jurídica já existente. Enquanto que o precedente criativo é aquele que cria e aplica uma nova norma jurídica. Como afirma Victoria Iturralde Sesma (em “El precedente em el commom law”), “no primeiro caso a norma é aplicada porque já constitui Direito, enquanto que no segundo a norma se transforma em Direito para o futuro porque é agora aplicada”.

O precedente declarativo, sobretudo nos sistemas jurídicos mais desenvolvidos, é mais comum que o criativo. Isso porque, como se nota claramente, a imensa maioria das questões já está regulada por atos do Legislativo ou mesmo por decisões judiciais anteriores, restando às decisões judiciais novas apenas declarar esse Direito preexistente.

Todavia, apesar de em número menor, os precedentes criativos são tão ou mais importantes que os precedentes declarativos, posto que criam o Direito onde ele ainda não existia.

Além disso, ambos os precedentes, como já se mencionou, são fontes do Direito. Quanto ao precedente declarativo, o fato de já existir previamente Direito sobre a questão não importa. A partir da decisão que estabelece o precedente, ambos são paradigmas para os casos semelhantes. Apenas, enquanto o precedente criativo é uma nova fonte de Direito, o declarativo não o é.

No que diz respeito à classificação em persuasivos e obrigatórios, é importante que se diga logo: todos os precedentes possuem autoridade. A questão agora está em saber qual o grau dessa autoridade. Até que ponto um determinado precedente influencia a decisão judicial de um caso semelhante.

É muito comum a classificação dos precedentes em persuasivos, relativamente obrigatórios e absolutamente obrigatórios.

Um precedente é persuasivo para determinado caso se o juiz desse caso não está obrigado a segui-lo. Se o segue, é por estar convencido de sua correção. E o grau de convencimento de um precedente persuasivo depende, além da correção em si da sua proposição, de vários outros fatores, tais como: a posição do tribunal que proferiu a decisão na hierarquia do Poder Judiciário, o prestígio do Juiz condutor da decisão, a data da decisão, se foi unânime ou não, a boa fundamentação, a existência de vários fundamentos etc. No Direito brasileiro, como regra, os precedentes são persuasivos.

O precedente é relativamente obrigatório quando a corte tem o poder de se afastar dele, desde que existam fundadas razões para tanto. A proposição prevista no precedente é tão incorreta que carece, no interesse da administração da Justiça, ser afastada. Segundo a já referida Victoria Sesma, um precedente pode ser considerado incorreto, deixando de ser aplicado, nas seguintes situações: “quando é contrário ao Direito e quando é contrário à razão. É contrário ao Direito quando já existe uma norma jurídica estabelecida sobre o ponto em questão e o precedente não se conforma com ela. O segundo caso (ser contrário à razão) acontece quando não há Direito declarado que possa ser seguido e os tribunais podem fazer o Direito para essa ocasião. Ao fazê-lo, a sua obrigação é seguir a razão e, na medida em que errarem ao fazê-lo, suas decisões são incorretas e os princípios estabelecidos nela têm o caráter de autoridade defeituosa”. Mas é importante lembrar que um precedente não pode ser simplesmente afastado por não ser tão bem elaborado ou racional como deveria ser. Para ser afastado, é necessário que seja claramente incorreto.

O precedente absolutamente obrigatório é aquele que deve ser seguido, mesmo que o Juiz ou Tribunal o considere incorreto ou irracional. Atém-se ao precedente judicial e não se move o que está quieto (teoria do “stare decisis et non quieta movere”).

Por fim, é importante que se diga que um determinado precedente pode ser obrigatório para determinado caso e persuasivo para outro. Por exemplo, precedente de uma determinada corte obriga as cortes inferiores a ela, mas não as superiores. E já que a qualificação de um precedente como persuasivo, relativamente obrigatório ou absolutamente obrigatório, para cada caso a ser julgado, depende de fatores extrínsecos (tais como a hierarquia entre os tribunais do precedente e do julgamento e a real semelhança entre os dois casos etc.), alguns autores, com os quais concordamos, tendem a desconhecer a utilidade da divisão em absoluta ou relativamente obrigatórios, reconhecendo apenas a existência de dois tipos de precedentes: obrigatório (verdadeiro precedente) e persuasivo. E isso especificamente para o caso a ser julgado.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London - KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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