25/01/2015

TOMISLAV



OS “CABOCLOS DE CARÚBAS”
Tomislav R. Femenick – Da diretoria do IHGRN. Mestre em economia, com extensão em sociologia e história.

O agrupamento de pessoas conhecido como “caboclos de Caraúbas” é formado por descendentes de Francisco de Souza Falcão, tenente-general português que chegou a Caraúbas por volta de 1745, trazendo uma carta de sesmarias (título de propriedade que os reis de Portugal davam aos novos povoadores) que lhe dava direitos sobre as terras da região. Vindo da cidade do Cabo, em Pernambuco, com familiares e alguns agregados ele se instalou às margens do Riacho das Carnaubeiras, um afluente do rio Apodi, onde formou uma fazenda de gado, origem da cidade de Caraúbas.
A família Souza Falcão exerceu a liderança política e econômica do lugar, até quando as perdeu para os Fernandes Pimenta. Desde então os seus descendentes passaram a viver nas localidades Pedras, Retiro, Baixa Grande, Defuntos, Cachoeira e, principalmente, Mirandas, vivendo com um mínimo contato com outras pessoas que não os do seu grupo. Hoje esse isolamento está quebrado e os “caboclos” se miscigenaram com os outros moradores da região, subsistindo apenas na tradição de alguns pequenos grupos.
Como resultado desse isolamento (enquanto houve) e dos casamentos endogâmicos (entre familiares), alguns deles apresentavam atrofia nas juntas ósseas, membros superiores bem maiores do que o normal, bem como alterações nas articulações das palavras e pouco desenvolvimento cognitivo. Na segunda metade do século passado foram registrados alguns casos mais graves de anomalias físicas, inclusive um de hermafroditismo.

POR HERANÇA OU POR TOPONÍMIA?

Subsiste um aspecto a ser resolvido. Talvez baseadas no fato de que a palavra “caboclo” designa um individuo nascido da união de índios e brancos, algumas pessoas dizem que os “caboclos de Caraúbas” são descendentes de índios, chegando a identificar na sua linhagem Felipe Camarão, o índio herói nacional da resistência à invasão holandesa.
Todavia, os próprios “caboclos de Caraúbas” não se identificam como tal e atribuem essa designação ao fato de seus ancestrais serem provenientes da Cidade do Cabo. Para complicar mais ainda essa problemática, no Município de Caraúbas e nos que ficam em seu entorno há uma grande população autenticamente resultado da miscigenação de índios com brancos, notadamente nos sítio Cachoeira e Apanha-Peixe.

PESQUISA ESTÁ ESPERANDO PUBLICAÇÃO
           
As primeiras pesquisas científicas sobre os “caboclos de Caraúbas” foram desenvolvidas em 1967, pelos departamentos de antropologia cultural, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mossoró, e de sociologia, da Faculdade de Serviço Social de Mossoró, então faculdades isoladas, antes da formação da Universidade Regional do Rio Grande do Norte, a atual Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.
Na época desses estudos existiam cerca mil pessoas nos agrupamentos dos “caboclos”, que viviam em uma pequena faixa de terra com aproximadamente 100 quilômetros quadrados. Semianalfabetos, não recebiam nem visitas dos políticos nas épocas de campanhas (aos analfabetos não era dado o direito de voto); muito menos recebiam qualquer assistência dos governos.
            A pesquisa pioneira das faculdades mossoroenses não chegou a ser publicada na época de sua realização. Consta que foi “requisitada” pelas autoridades militares; vivia-se o tempo da ditadura militar. De lá para cá, diversos estudos já foram publicados sobre os “caboclos de Caraúbas”, entre eles os de autoria de Maria Consuelo Oliveira (1994), Raimundo Soares Brito (1999), José Nunes Cabral de Carvalho (1983), Susana Rolim Soares Silva, (2002), Marcos Roberto Fernandes Gurgel (2003), Marcos Roberto Fernandes Gurgel (2003), Roberta Borges de Medeiros Falcão (2005), entre outros.
Em 1964, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais chegou a manter uma escola que funcionava de sete da manhã até a noite. Ali eram ministradas aulas para cerca de cinquenta alunos. Na época em que os estudantes e professores coletaram dados sobre a povoação, havia apenas uma pequena escola municipal, com menos de dez crianças matriculadas, pois não existem condições para acomodar um número maior de alunos.
Muitas pessoas do grupo jamais tinham visto um médico e, segundo declararam, até então nunca tinham recebido visita de nenhum profissional de saúde pública. Eram comuns casos de mortes causadas por uma simples dor. O mais velho dos caboclos possível de localizar tinha aproximadamente 80 anos, o que era um caso raro entre eles, pois a idade de sobrevivência média foi calculada em torno de trinta anos. De uma maneira geral não havia crime e eles não eram dados a bebidas alcoólicas. O maior número de morte de adultos era por suicídio, geralmente por enforcamento.
A atividade econômica era voltada para produção agropastoril, principalmente para o cultivo do milho, feijão e mandioca e criação de caprinos e ovinos. O trabalho era feito com ajuda mútua, no sistema de mutirão. Produziam farinha de mandioca, para o que dispunham de três bolandeiras. Todo o excedente de produção era vendido na feira de Caraúbas, aos sábados, ou em Mossoró; nesse caso via terceiros.

CONQUISTAS FUNDIÁRIAS E MELHORIAS

Pequenas, feitas de taipa e barro batido, sem espaços para entrada de luz e ventilação, baixas e sem higiene, assim eram as casas em que vivem os caboclos. No entanto, em uma delas foi encontrado um rádio de pilha, como sinal de contato com o progresso. Nessa casa, todas as noites eles se reuniam para ouvir musica e, surpreendentemente, as notícias sobre política.
Muito embora já tivessem sido os donos absolutos de toda a sesmaria de Caraúbas, nos anos 1960 eles não eram os proprietários das terras em que viviam. Eram poucos os que possuem títulos de domínio. No governo de Aluízio Alves, as terras dos caboclos foram desapropriadas com o objetivo de doa-las legalmente aos seus moradores, legalizando a situação de posse e domínio. Até 1967, trinta e cinco títulos já tinham sido entregues e mais e cento e cinquenta aguardavam o andamento da burocracia do Estado.
Quando do estudo realizado em 1967, o maior problema do núcleo era a falta de água, conseguida apenas em um açude ou em pequenas cacimbas. Às vezes era necessário que se andasse mais de quatro quilômetros, para se conseguir “algumas latas ou barris d’água”. Foram relatados casos de crianças que teriam morrido por falta de água.
O esforço para levar água a esse povo se iniciou em 1968. Foi um misto de festa e pavor. Uns corriam para perto e outros se escondiam longe. No entanto todos estavam curiosos e admirados com aquele monstro que se erguia para o ar. Para eles, era algo inexplicável. Essa cena aconteceu em um entardecer de meados de junho daquele ano, na terra dos “caboclos de Caraúbas”, quando ali chegaram dois caminhões, trazendo uma sonda que irá perfurar o chão para resolver um dos seus principais problemas: a falta de água.
A perfuratriz tinha sido prometida cinco dias antes por Dix-huit Rosado, então presidente do INDA-Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário, mas ninguém acreditava que ela fosse realmente para valer, pois, “nem era época de eleição”.

MÚSICA E DANÇA ATRAÍRAM A ATENÇÃO DE JORGE AMADO

O escritor Jorge Amado e a pesquisadora Eneida (Eneida de Villas Boas Costa de Moraes, ou simplesmente Eneida, como assinava seus livros), quando visitaram Mossoró em 1959, foram até Caraúbas conhecer e estudar os caboclos, principalmente o “samba dos caboclos”. Essa música e essa dança teriam se originadas no início do século XX, e serviram para comemorar a colheita, no mês de junho. Jorge e Eneida anotaram que o ritmo e a dança nada tinham com o samba propriamente dito, pois as mulheres arrastam os pés e os homens fazem acrobacias, numa coreografia que faz lembrar as danças ibéricas.
Na ocasião do estudo acadêmico, quase que já não mais havia a prática dessa tradição folclórica. Somente três homens e algumas mulheres sabiam dançar o “samba dos caboclos” e apenas um só homem sabe executar a música (em uma sanfona). Hoje há um movimento que tenta recuperar essa manifestação da cultura popular.
Em estudo mais recente, a antropóloga Susana Rolim Soares Silva, afirma que: “Na atualidade, pode-se perceber que tal expressão cultural consiste numa mistura de samba com danças juninas e é constituída basicamente por três passos: o Martelo, momento no qual os protagonistas, colocados lado a lado, pisam fortemente no chão; Cigana, quando os pares começam a rodopiar pelo salão, equilibrando-se um parceiro no outro na tentativa de se manterem de pé, e o Maracatu. Os instrumentos musicais que dão o tom da dança são: o triângulo, a sanfona e o pandeiro, entre outros”.
A religiosidade dos habitantes do núcleo dos caboclos é um misticismo voltado para uma antiga imagem de São Sebastião, existente na igreja matriz da cidade. Esse “santo” teria sido trazido para Caraúbas em 1750 (ou no final do século), quando foi iniciada a construção da capela que posteriormente foi transformada na igreja que hoje é a matriz da paróquia. Há alguns anos, os habitantes da cidade resolveram comprar uma imagem nova e levar o São Sebastião “velho” para outra capela. Os caboclos não deixaram, inclusive fazendo ameaças. No dia 20 de janeiro de cada ano, elas vão à cidade para acompanhar a procissão do santo “velho”.
A imagem nova, mais bonita, nem é olhada. O “santo” é o velho, para esses descendentes dos fundadores de Caraúbas, uma das maiores cidades da zona oeste do Rio Grande do Norte. Na festa de São Sebastião, “a cultura cabocla ganha maior visibilidade, legitimação e diferenciação em relação a outros grupos, sobretudo os caraubenses, embora estejam unidos pela religião, pela fé e pela tradição na família vinda de Portugal” – anda segundo Susana Silva.

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