ADÁGIO
PARA A RIBEIRA
Ciro José Tavares
Ciro José Tavares
Alba atlântica no estuário renascida,
vieste nos fios de prata de nuvens marchetadas de
vermelho
e serás, no fim da tarde, alba menstruada
espraiada pelo corpo sagrado do Rio Potengi.
Essa cor que assisto escorrer na indumentária
é o resto do sangue
aspirado da Ribeira,
de ruas assombradas na arquitetura arruinada,
de fantasmas emigrantes com receio da última visão.
Alba atlântica vieste tardinha para morrer crepuscular
sepultada no silêncio das margens e dos mangues,
sob o noturno adeus do sino da Igreja do Bom Jesus,
que nas dores a Ribeira enternece e abençoa
por seus anjos na hora das Ave Marias.
UMA
FAMÍLIA CHAMADA RIBEIRA IV
Ciro José
Tavares
Os acontecimentos e histórias da
Ribeira são muitos e um único livro não poderia contá-los. Por ter nascido na
Rua do Comercio, atual Rua Chile, meu pai foi, ao mesmo tempo, personagem e
testemunha de inúmeros fatos ocorridos. Formado em Medicina, no Rio de Janeiro,
em 1926,recusou e resistiu a excelentes convites para permanecer na então
Capital do país. Voltou à Natal e menino que conhecera a poesia das ruas
estreitas e quietas, a solidariedade da gente habitando casas geminadas parecendo
uma só família,não abandonou sua origem canguleira.Veio para morar na Rua Frei
Miguelinho ,na mesma casa humilde de pouquíssimas alegrias e muitas tristezas,
para estoicamente conviver com as lembranças do irmão, Cyro, devorado pela
tuberculose aos 21 anos, da irmã,Josefa,
vítima de brutal insuficiência
respiratória em decorrência da asma alérgica. O consultório montou com a ajuda
dos amigos. Dona Maria Farache, mãe dos amigos inseparáveis, Carlos, Antônio,
Ernani e Adalberto, cedeu-lhe a sala principal de sua residência e o médico
Otávio Gouveia Varela, que estava se afastando da clínica, os móveis e
materiais da profissão que já não lhe seriam úteis. Algum tempo depois, quando
fixou sua residência numa casa de dois pavimentos, alugada ao Dr. Januário
Cicco, na Avenida Rio Branco, esquina com Juvino Barreto, passou a atender seus
clientes na casa da Rua Frei Miguelinho e daí só saiu quando teve que assumir
outros desafios profissionais.
É necessário contar tudo isso para
mostrar o espírito que perdurava na Ribeira e a valentia dos homens que
nasceram, viveram e ali trabalharam.. Meu pai é apenas um exemplo, entre outros
que destacaremos ao longo dessas. Linhas. O médico Onofre Lopes, fundador da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, vindo do interior para a Capital,
num pronunciamento feito na Academia de Letras, da qual foi membro e Presidente
revelou que ,também mourejou no bairro,
empregado no comércio, primeiro na Casa de Ferragem de Francisco R. Viana, na
Rua Dr. Barata, e, depois, no armazém de estivas de M. Rocha, na Rua Chile.São
poucos os que sabem disso. A Ribeira gerou homens de aço que a deixaram para
fazer história. A Ribeira jamais irá esquecê-los, ainda que seja esquecida e
abandonada.
UMA FAMÍLIA HAMADA
RIBEIRA V
Ciro José Tavares
Escrevendo sobre sua pessoa na Ribeira, o Dr.
Onofre Lopes deixa que suas palavras sejam permeadas por lembranças
emocionantes.
“Eu procurava
caminho na nebulosa, e, aos tropeços, meio ambição, meio confiança, todo
esperança, vagueava pelas salas de aula noturna do Dr. João batista, do Mestre
Ivo Filho, do professor João Tibúrcio depois, bem mais tarde, também nas bancas
de exame do Ateneu. Ouvia falar das vitórias dos que estudavam, dos anéis
vistosos de quem se formava, da importância social, da elegância no vestir
daqueles que vinham das Faculdades. Era, também, o tempo em que outros
estímulos me excitavam: pessoas humildes, puras e boas, habituais das “vendas”
dos meus irmãos João e Pedro Lopes, onde eu vivia e sonhava, contavam com exagero
os milagres da inteligência de Rui Barbosa, recitavam Fagundes Varela, Olavo
Bilac, Álvares de Azevedo, Castro Alves. E, para maior motivação, via o Bacharel
kerginaldo Cavalcanti, inteligente, bem trajado, de passos largos e resolutos,
espargindo vitórias, fazendo discursos floridos de estrelas...”
Nas
suas recordações aborda um episódio que se refere ao seu futuro colega e grande
amigo: “Sei que, como adolescente ambicioso, fiquei cheio de inveja; Viram?
Hoje houve um exame de Francês que assombrou! É só no que se fala!... Foi um
estudante, José Tavares, que fez exame todo tempo falando em Francês! Cabra
danado de inteligente!... Formidável, todo o exame em Francês!” Depois disso
não mais ouviu falar do meu pai. Conheceram-se em 1933, quando formado em
Medicina, também no Rio de Janeiro o Dr. Onofre regressou à Natal e tornaram-se
amigos inseparáveis.
Lembra
ainda os primeiros momentos e os nomes que pontificavam na Medicina do Rio
Grande do norte, Varela Santiago, Otávio Varela, Ricardo Barreto, Ernesto
Fonseca, e a figura central de Januário Cicco, que nascido em São José de
Mipibu e formado na Bahia, adotou a Ribeira como sua segunda terra natal e se
transformou num dos canguleiros mais ilustres. Juntos, Januário Cicco, Onofre
Lopes, José Tavares, Luís Antonio Ernesto Fonseca, Otávio Varela e Aderbal de
Figueiredo constituíam o corpo clínico do Hospital juvino Barreto depois
chamado Miguel Couto e, finalmente, numa justíssima homenagem, Onofre Lopes.
A
Ribeira precisa renascer para honrar a memória desses homens. A cidade e o
Estado, por extensão, devem tudo à Ribeira, A Ribeira do tempo da cidade de
pouco barulho, quase sem luz, ruas arenosas e noites encantadas Por doces
serenatas.
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