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28/12/2014

APOLOGIA DA RIBEIRA


ADÁGIO PARA A RIBEIRA 

Ciro José Tavares


Alba atlântica no estuário renascida,

vieste nos fios de prata de nuvens marchetadas de vermelho

e serás, no fim da tarde, alba menstruada

espraiada pelo corpo sagrado do Rio Potengi.

Essa cor que assisto escorrer na indumentária

é o resto do sangue  aspirado da Ribeira,

de ruas assombradas na arquitetura arruinada,

de fantasmas emigrantes com receio da última visão.

Alba atlântica vieste tardinha para morrer crepuscular

sepultada no silêncio das margens e dos mangues,

sob o noturno adeus do sino da Igreja do Bom Jesus,

que nas dores a Ribeira enternece e abençoa

por seus anjos na hora das Ave Marias.  


            UMA FAMÍLIA CHAMADA RIBEIRA IV

                                   Ciro José Tavares




                        Os acontecimentos e histórias da Ribeira são muitos e um único livro não poderia contá-los. Por ter nascido na Rua do Comercio, atual Rua Chile, meu pai foi, ao mesmo tempo, personagem e testemunha de inúmeros fatos ocorridos. Formado em Medicina, no Rio de Janeiro, em 1926,recusou e resistiu a excelentes convites para permanecer na então Capital do país. Voltou à Natal e menino que conhecera a poesia das ruas estreitas e quietas, a solidariedade da gente habitando casas geminadas parecendo uma só família,não abandonou sua origem canguleira.Veio para morar na Rua Frei Miguelinho ,na mesma casa humilde de pouquíssimas alegrias e muitas tristezas, para estoicamente conviver com as lembranças do irmão, Cyro, devorado pela tuberculose aos 21 anos,  da irmã,Josefa,  vítima de brutal insuficiência respiratória em decorrência da asma alérgica. O consultório montou com a ajuda dos amigos. Dona Maria Farache, mãe dos amigos inseparáveis, Carlos, Antônio, Ernani e Adalberto, cedeu-lhe a sala principal de sua residência e o médico Otávio Gouveia Varela, que estava se afastando da clínica, os móveis e materiais da profissão que já não lhe seriam úteis. Algum tempo depois, quando fixou sua residência numa casa de dois pavimentos, alugada ao Dr. Januário Cicco, na Avenida Rio Branco, esquina com Juvino Barreto, passou a atender seus clientes na casa da Rua Frei Miguelinho e daí só saiu quando teve que assumir outros desafios profissionais.

            É necessário contar tudo isso para mostrar o espírito que perdurava na Ribeira e a valentia dos homens que nasceram, viveram e ali trabalharam.. Meu pai é apenas um exemplo, entre outros que destacaremos ao longo dessas. Linhas. O médico Onofre Lopes, fundador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, vindo do interior para a Capital, num pronunciamento feito na Academia de Letras, da qual foi membro e Presidente revelou que ,também  mourejou no bairro, empregado no comércio, primeiro na Casa de Ferragem de Francisco R. Viana, na Rua Dr. Barata, e, depois, no armazém de estivas de M. Rocha, na Rua Chile.São poucos os que sabem disso. A Ribeira gerou homens de aço que a deixaram para fazer história. A Ribeira jamais irá esquecê-los, ainda que seja esquecida e abandonada.


                        UMA FAMÍLIA HAMADA RIBEIRA V
Ciro José Tavares

                        Escrevendo sobre sua pessoa na Ribeira, o Dr. Onofre Lopes deixa que suas palavras sejam permeadas por lembranças emocionantes.

“Eu procurava caminho na nebulosa, e, aos tropeços, meio ambição, meio confiança, todo esperança, vagueava pelas salas de aula noturna do Dr. João batista, do Mestre Ivo Filho, do professor João Tibúrcio depois, bem mais tarde, também nas bancas de exame do Ateneu. Ouvia falar das vitórias dos que estudavam, dos anéis vistosos de quem se formava, da importância social, da elegância no vestir daqueles que vinham das Faculdades. Era, também, o tempo em que outros estímulos me excitavam: pessoas humildes, puras e boas, habituais das “vendas” dos meus irmãos João e Pedro Lopes, onde eu vivia e sonhava, contavam com exagero os milagres da inteligência de Rui Barbosa, recitavam Fagundes Varela, Olavo Bilac, Álvares de Azevedo, Castro Alves. E, para maior motivação, via o Bacharel kerginaldo Cavalcanti, inteligente, bem trajado, de passos largos e resolutos, espargindo vitórias, fazendo discursos floridos de estrelas...”

Nas suas recordações aborda um episódio que se refere ao seu futuro colega e grande amigo: “Sei que, como adolescente ambicioso, fiquei cheio de inveja; Viram? Hoje houve um exame de Francês que assombrou! É só no que se fala!... Foi um estudante, José Tavares, que fez exame todo tempo falando em Francês! Cabra danado de inteligente!... Formidável, todo o exame em Francês!” Depois disso não mais ouviu falar do meu pai. Conheceram-se em 1933, quando formado em Medicina, também no Rio de Janeiro o Dr. Onofre regressou à Natal e tornaram-se amigos inseparáveis.

Lembra ainda os primeiros momentos e os nomes que pontificavam na Medicina do Rio Grande do norte, Varela Santiago, Otávio Varela, Ricardo Barreto, Ernesto Fonseca, e a figura central de Januário Cicco, que nascido em São José de Mipibu e formado na Bahia, adotou a Ribeira como sua segunda terra natal e se transformou num dos canguleiros mais ilustres. Juntos, Januário Cicco, Onofre Lopes, José Tavares, Luís Antonio Ernesto Fonseca, Otávio Varela e Aderbal de Figueiredo constituíam o corpo clínico do Hospital juvino Barreto depois chamado Miguel Couto e, finalmente, numa justíssima homenagem, Onofre Lopes.

A Ribeira precisa renascer para honrar a memória desses homens. A cidade e o Estado, por extensão, devem tudo à Ribeira, A Ribeira do tempo da cidade de pouco barulho, quase sem luz, ruas arenosas e noites encantadas Por doces serenatas.




           


           

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