26/04/2014

GC



                          As Catrevagens lá de casa...
                                                                             (*) Gutenberg Costa

Em casa de pobre só se encontra ‘catrevagem’ ou mesmo ‘bugigangas’. O ‘Dicionário de Termos e Expressões Populares’, de Tomé Cabral,1982, mostra-nos o significado para tais palavras: “quinquilharia, coisa sem valor.... coisa ordinária, ruim, imprestável... estragada.... objetos sem valor...trastes...”. Pobre passa a vida só juntando tanta troçada, que em dia de sua mudança é aquele sufoco dos diabos. E por último bota em cima do caminhão, o pote, o galo e o cachorro... o gato que é bicho da raça dos ‘bajuladores’, fica a espera do novo morador/dono. Por estes motivos, apartamento nenhum do mundo caberia minhas bem aventuradas e inseparáveis troçadas!
Está na boca do povo que ‘ladrão quando entra em casa de pobre para roubar, morre de susto’. Não sei se lá em casa o ladrão morreu, mas sei sim, que o mesmo saiu muito assustado com o que viu e por isso não levou-me. Nada antigo. Antiguidades valiosas que o mesmo não saberia usar e nem muito a quem vender. O dito larápio só podia ser era um pobre analfabeto de pai, mãe e parteira para ter saído tão rápido e deixar pra trás tanta catrevagens. O mesmo teria que ser um expert em museologia para ter noção pecuniária de objetos de artes. Mas tudo bem... Penso como os sábios matutos de Pendências: vão-se os anéis e ficam-se os dedos!
Certo dia uma vizinha, chegada do interior para morar na casa de uma filha - mansão com muito luxo, veio fazer uma visita a minha casa e ao sair de sua ‘fiscalização’, teria feito tal comentário: “Nesta casa só tem cacarecos e catrevagens”. E eu ao saber da elogiosa observação, dei muitas e gostosas gargalhadas por várias semanas. Juro que na hora até lembrei-me daquela frase que teria visto na traseira de um velho fusca há algum tempo: “É tudo velho, mas já está pago!”.
E para encerrar o ‘causo’ dessa ilustre visitante comentarista, eu lhes conto como a tal voltou para a sua antiga morada de poucos móveis lá do seu sertão: o luxo da casa da filha em Natal era todo fiado e quando as contas começaram a encher a caixa de correspondência à bandalheira foi grande: a velha voltou para o sítio lá do interior e a sua filha caloteira para a Itália.
Minha saudosa mãe (dona Estela) sempre dizia ao seu filho caçula, duas máximas: - “Mil vezes um bocado sossegado num barraco, do que uma mansão com tudo fiado e os donos vivendo num inferno!”. E outra: “Dessa vida nada se leva!”. Já papai (Geraldo Costa), ao seu modo, usava sempre essas duas filosofias de seu norteamento cotidiano entre os seus sete filhos: -“ Só pegue na rodilha, se puder com o peso do pote!”. E a segunda: - “É melhor o bucho do que o luxo!”.
Ainda lembro hoje quando papai foi no seu fusquinha visitar a minha nova casinha e em cima da bucha fez o seu sincero desabafo: “Agora meu filho você é um homem rico, pois tem uma casinha sem ninguém cobrar-lhe o aluguel”. Para ‘seu’ Geraldo - não era rico aquele que morava em mansão alugada ou mesmo apartamento financiado. Ele dizia é da Caixa ou do Banco do Brasil...
Mas voltando as minhas catrevagens ou ajuntamentos de tralhas velhas, lá em casa tem muita coisa antiga em variados formatos, como: lamparinas; ferros de engomar; brinquedos infantis de criança pobre do meu tempo; inúmeras coleções, vinis; máquinas de datilografias; garrafas de cachaças; obras de arte em madeira, metal, cerâmica e muitas porcarias boas; livros antigos; artesanatos de cidades que fui; móveis antigos, relógios de paredes, utensilhos caseiros e interioranos, além de quadros de pintores amigos e molduras com fotos antigas de familiares por tudo quanto é canto...
Nada de valor segundo os ladrões atuais e pessoas que gostam do moderno e luxuoso... Uma vez, minha filha caçula, (Sarah Costa) fez-me a triste comparação: “Painho o senhor ainda chama esse museu de casa!”. Em nome de sua sinceridade infantil foi perdoada, pois respeito à liberdade de minhas duas filhas. E para minha segunda filha, a minha casinha até hoje não passa de um ‘museu’, como com certeza também para aquela minha ex vizinha que viveu pouco tempo numa mansão luxuosa toda fiada. E diga-se, casinha com tanta coisa velha boa para recordar as casas de meus avós! E para desagradar aos inimigos – minha riqueza está tudo paga graças a Deus! Vivo pobre, feliz, barriga cheia, alegre, em paz e sempre rodeado de bons amigos e amigas. Só invejando quem tem boa memória e saúde!         
(*) É presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore.

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