1856, as posturas municipais
João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN e membro do IHGRN e do INRG
É muito triste andar pelas ruas da cidade e ver muitos terrenos (sem calçadas) e casas abandonadas, servindo como banheiro público, lixeira, depósito de entulhos, bordel e ponto de drogados. E você não precisa ir muito longe para encontrar essas anomalias para uma cidade que está no século XXI. Parece não haver nenhum código de postura em funcionamento, fiscalização e multas para os infratores.
Os nossos governantes e políticos, de um modo geral, só pensam em obras monumentais, onde o dinheiro se esvai com rapidez para os bolsos dos sabidos. Vários prédios da educação, da saúde e da segurança estão em petição de miséria. No passado parecia haver maior preocupação com essas coisas, pois os códigos de postura eram cuidadosos. Mas, parece, também, que essa coisa se perdeu no tempo. Vivemos em um país enorme, aonde a concentração de recursos vai para os centros maiores. Não há descentralização governamental.
Hoje, transcrevo para cá uma Resolução provincial, datada de 20 de setembro de 1856, que aprovou onze artigos adicionais de posturas da Câmara Municipal da Vila de São Gonçalo, para dar uma ideia do que ocorria em 1856. O que disso tudo ainda persiste?
Antonio Bernardo de Passos, bacharel formado em Direito, oficial da ordem da Rosa, presidente da Província do Rio Grande do Norte, por S. M. o Imperador, a quem Deus Guarde etc.
Faço saber a todos os seus habitantes que a assembleia legislativa provincial, sobre proposta da câmara municipal da Vila de São Gonçalo, resolveu que se observem no respectivo município os seguintes artigos adicionais ao da mesma câmara.
Art.1. Ninguém poderá erigir casas ou outros quaisquer edifícios nas povoações de Utinga e Santo Antonio, ainda mesmo em terras próprias, sem se entender com o fiscal da respectiva câmara para dar o cordeamento da rua, em que se tem de fazer a edificação, sob pena de 6$000 réis de multa, e de ser demolida a obra à custa do dono, no caso de não estar no alinhamento.
Art.2. No mês de novembro de cada ano os proprietários das casas das povoações de Santo Antonio e Utinga serão obrigados a mandar caiar as frentes das mesmas casas com as cores, que julgarem convenientes. O contraventor deste artigo pagará 1$000 réis de multa, e o duplo nas reincidências.
Art.3. Todos os moradores das povoações de Santo Antonio e Utinga serão obrigados a conservar limpas as testadas de suas casas: pena aos contraventores 1$000 réis de multa, ou um dia de prisão.
Art.4. Ninguém poderá deitar animais mortos, ou qualquer outro objeto corrupto dento das mencionadas povoações: pena ao contraventor de 1$000 réis de multa, ou um dia de prisão, e de ser enterrado o animal a custa do dono. Na pena incorrem os que deitarem entulhos ou lixos nas ruas, e nos fundos de quintais.
Art.5. Fica proibido conservar cães soltos nas ruas das povoações deste município: pena ao contraventor de 2$000 réis de multa, ou dois dias de prisão, e de ser o cão morto.
Art.6. Ficam proibidos nas povoações deste município quaisquer vozerias, e funções que perturbem o sossego público: pena ao contraventor de 1$000 réis de multa, ou um dia de prisão a cada indivíduo que fizer, e o duplo na reincidência. O dono da casa onde se fizerem tais funções incorrerá na multa de 2$000 réis, e no duplo se reincidir.
Art.7. Fica proibido cavar barro nas ruas das povoações de Santo Antonio e Utinga, bem como nas estradas deste município: o infrator sofrerá a multa de 2$000 réis, ou dois dias de prisão, sendo o barreiro tapado à sua custa.
Art. 8. Ninguém poderá lavar roupa no rio da Prata, senão do caminho que passa junto à cerca de Lourenço José Correa até a passagem da estrada que vai para São Gonçalo. Aquele que infringir o disposto neste artigo pagará 2$000 réis pela primeira vez, e o duplo na reincidência, e sendo escravo será pago a multa pelo senhor.
Art.9. Ninguém poderá tapar no decurso do dia o rio da Prata da povoação de Utinga, nem cortar as árvores que existem do lado do seu curso: pena de 1$000 reis ou dez dias de prisão, e o duplo na reincidência.
Art.10. O Rio Rego-Moleiro será desobstruído pelos proprietários e rendeiros dos terrenos adjacentes nos meses de fevereiro e agosto de cada ano. Aquele que o não fizer até os limites de sua propriedade, ou arrendamento, sofrerá a multa de 6$000 réis.
Art.11. Os proprietários foreiros, ou rendeiros das terras da Aldeia-Velha abrirão uma vala do rio de fora até à Soledade, a qual será limpa todos os anos nos meses de fevereiro e agosto: o infrator sofrerá a multa de 6$000 réis, e o duplo na reincidência.
Mando, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução das referidos artigos de posturas pertencer, que os cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nele se contém. O secretário da província as faça imprimir, publicar e correr. Palácio de Governo do Rio Grande do Norte, na cidade do Natal, 20 de setembro de 1856, trigésimo quinto da independência e do império. Antonio Bernardo de Passos.
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