Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte
Manoel Jairo Bezerra,
sócio correspondente
Discurso de posse, na
categoria de sócio correspondente do
IHGRN, proferido em sessão solene de 15 de dezembro de 1994.
Tinha razão o poeta
norte-rio-grandense, Vicente Pereira, quando escreveu: “Só não é tempo de rosas para quem não planta roseiras...”.
Não tenho dúvida de que com meus
74 anos não estou mais no tempo de rosas, de homenagens e de distinções, como a
de ser convidado para sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Norte.
Felizmente plantei roseiras de
estudos, trabalhos e correção de atitudes.
Procurei contar um pouco da
minha vida, para tentar justificar o possível motivo do honroso convite que
recebi.
Nasci em Macau.
Fiz meus estudos primários no
Grupo Escolar Duque de Caxias, da minha cidade natal. Cursei os cinco anos do
ginasial em Natal, no Colégio Marista – o velho Santo Antônio.
Pensava em ser padre...mas, no
dia 6 de junho de 1936, após um retiro, realizado para os jovens da última
série pensarem na carreira que deveriam seguir, disse ao meu colega Eugênio,
que me perguntara o que tinha decidido: “Não
vou mais ser padre... e você?”. Ele respondeu: “Vou ser agrônomo...”. Hoje
ele é o cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales e eu, após muitas lutas e
desenganos, tornei-me professor de Matemática.
Após decidir não ser padre,
comecei a estudar, por correspondência, para ser aviador militar.
Ao terminar o ginasial, fui a
Macau pedir autorização ao meu pai para seguir aviação militar (tinha 15 anos).
Meu pai disse-me que não era do seu agrado, mas me daria autorização e minha
mãe de criação declarou: “Se você for para a aviação, não precisa mais escrever
para casa...” (Naquele tempo, aviação era suicídio...)
Decidi ir para o Rio disposto a
não querer mais ajuda de meus pais.
Cheguei ao Rio de Janeiro no dia
6 de dezembro de 1936. Fiquei no cais do porto, cerca de quatro horas, sentado
no meu baú...O representante da Instituição, que ficara de me esperar, não
apareceu.
Soube, no dia seguinte, que
tinha sido ludibriado. Conheci, com menos de 16 anos, o “conto do vigário”.
Sofri muito...
Uma semana depois fui operado de
apendicite supurada, gangrenada e mais ainda um abcesso no intestino. Quase
morri...
Passei cerca de dois meses no
hospital. Na cama, pensei muito e decidi cursar o complementar de Engenharia,
na antiga Escola Politécnica, em 1937 e 1938.
Em 1937 e 1938, trabalhei e
estudei à noite.
No final de 1938, resolvi tentar
novamente a aviação. Fiz concurso para a Reseva Naval Aérea. Não existia
Aeronáutica. Dos quase duzentos candidatos, foram aprovados apenas 13, no exame
intelectual. Eu fui o décimo primeiro, mas fui reprovado no exame de saúde, em
consequência da operação que fizera.
Desempregado e sem querer pedir
ajuda à família, passei maus momentos...Duas vezes pedi dinheiro na rua.
Tive a sorte de encontrar um
amigo de infância, que me levou para trabalhar no colégio de sua família: o
Colégio Metropolitano de Adauto Câmara, Alexandre Dijesu do Couto e Vitoldo
Zaremba.
Comecei a trabalhar no dia 1º de
maio de 1939, na secretaria do colégio, onde cheguei com três níqueis de
tostão. Era toda a minha fortuna...
Trabalhava e dormia no colégio.
No convívio com os professores, assistindo aulas e estudando nos livros da
biblioteca, fui adquirindo a vontade de ensinar. Fiquei em 1939 e 1940 no
Colégio.
No início de 1941, fiz concurso
para a Faculdade Nacional de Filosofia (Matemática) e me inscrevi no CPOR.
Em 1943, saí aspirante de
Artilharia, pelo CPOR, e em 1944 concluí o Curso de Licenciado em Matemática,
pela Faculdade. Continuava lecionando Matemática, no Colégio Metropolitano.
Em 1944, fui convocado para
fazer o Curso de Artilharia de Costa. Concluí esse curso, de três meses, em 5º
lugar, e fui promovido a 2º tenente. Em dezembro de 1944, fui transferido para
uma bateria na Ilha do Mosqueiro.
Casei-me, em 1945, no Mosqueiro,
com Vera, irmã da esposa de Adauto Câmara. ainda em 1945, fui promovido a 1º
tenente.
Em 1946, deixei o Exército,
apesar de ter sido consultado para continuar. Voltei ao Rio e ao Curso
Metropolitano, ainda em 1946.
Daí para diante trabalhei e
estudei muito. Encontrara minha vocação. Deus me ajudou e tive muita sorte.
Fui aprovado em nove concursos
para professores, cinco dos quais em primeiro lugar. Ganhei concurso nacional e
prêmio para estudar seis meses em Paris (1958). Fui convidado dos governos da
França, Alemanha e Estados Unidos para viagens de aperfeiçoamento.
Mediante concursos, fui:
professor fundador do Colégio Naval (1951), professor do Colégio Pedro II
(1952) e catedrático do Instituto de Educação (1965). Lecionei 19 anos e meio
na Escola de Estado Maior da Aeronáutica (1959/1979). Tive como alunos 6
generais, 19 almirantes e mais 60 brigadeiros.
Publiquei 52 livros. Um deles
com mais de 60 edições e mais de um milhão de exemplares.
Em outubro de 1993, tomei posse
na Academia Madureirense de Letras e escolhi para patrono meu ilustre
conterrâneo Luís da Câmara Cascudo.
Para escrever o discurso sobre o
meu patrono, procurei auxílio na biblioteca do Centro Norte-rio-grandense e
consultei meu amigo de infância Oswaldo Lamartine, meu grande amigo Américo de
Oliveira Costa e o presidente do Instituto Enélio Lima Petrovich.
Disse ao Dr. Enélio que
escolhera Cascudinho, pelo que sabia sobre ele, desde 1935, quando o nosso
conterrâneo escreveu na revista “Echos”, do Colégio Santo Antônio, o artigo “A
exploração do vício pela virtude”.
Em homenagem à Cascudinho e a
este Instituto, vou ler parte do pequeno discurso que escrevi, solicitado pela
Academia, para apresentar o meu patrono aos outros sócios fundadores.
“O escritor norte-rio-grandense
Nilo Pereira escreveu: “Antigamente, os
mortos morriam; hoje encantam-se”.
Folclorista, historiador,
jornalista, poeta, musicólogo, biógrafo, antropólogo, orador, etnógrafo, crítico
literário, professor, humanista, poliglota, sábio.
Luís da Câmara Cascudo é nome de
rua, biblioteca, escola, museu, centro de ensino, medalha, nota do nosso
sistema monetário, memorial e viaduto, além de tema de dissertação e teses
universitárias.
Pertenceu a todos os Institutos
Históricos e Geográficos do Brasil e foi o mais antigo sócio correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (30/07/1934). Fundador da Academia
Norte-rio-grandense de Letras; hoje é seu patrono.
Condecorações, títulos
honoríficos e honrarias o consagram cidadão do mundo.
Autor de mais de 150
publicações.
“Sem dúvida, Cascudinho é a Universidade mais antiga do Rio Grande do
Norte”, escreveu Onofre Lopes.
Esse resumo, do resumo de sua
biografia, seria suficiente para justificar a indicação que fiz do meu
conterrâneo Luís da Câmara Cascudo, para meu patrono; mas, certamente, meu
coração e minha memória acrescentariam outras lembranças para essa feliz escolha:
as recordações das referências elogiosas que ouvia dos mais velhos, no meu
tempo de criança interna no Colégio Santo Antonio (1932 a 1936); o artigo “A
exploração do vício pela virtude”, escrito por Cascudinho na revista “Echos” do
Colégio Santo Antonio, em 1935, que guardo com carinho entre os livros da minha
biblioteca de Matemática; a conferência realizada no Rio de Janeiro, a convite
da Cultura Inglesa, sobre “Os ingleses no Brasil!”, e que a todos causou
admiração, porque Cascudo não consultou anotações.
Escreveu Américo Costa que, em
virtude dos livros publicados por Cascudo, sobre o Rio Grande do Norte, o
ex-prefeito de Natal e depois governador do Estado Sylvio Pedroza, outorgou a
Cascudo, por decreto, o título de Historiador Oficial da Capital
Norte-rio-grandense.
E Américo Costa finalizou sua
palestra, realizada na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, em 31/10/1989, dizendo: “Daí
porque, magnificamente, se justifica a indagação perplexa do escritor
norte-rio-grandense Osvaldo Lamartine, em carta ao jornalista Woden Madruga: E
Agora, sem Cascudo, a quem a gente vai perguntar as coisas?”
Concluo com mais duas citações.
A do poeta Drumond, sobre Câmara Cascudo: “Doador
de nascença, espalha aos quatros ventos o que foi recolhendo a vida inteira”.
E com a sentença do escritor potiguar Enélio Lima Petrovich, presidente do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte: “O testemunho e a imagem do mestre são exemplos e lição, maiores e
perenes, de sua imortalidade”.
Creio que o dr. Enélio me
convidou ou pela minha vida que acabo de narrar, ou pela minha luta para
vencer, ou pela minha decisão de escolher Cascudinho como meu patrono, ou pela
bondade de meus conterrâneos. Não sei.
O certo é que me deram a grande
honra e a imensa alegria de fazer parte de um pedaço do meu Rio Grande do Norte,
que é o Instituto Histórico e geográfico, que, neste momento, me oferta as
rosas da consideração e da amizade.
Muito obrigado a todos.
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