MACAÍBA: 138 ANOS
Valério Mesquita*
O ponto alto das
comemorações dos 138 anos da emancipação política e administrativa de Macaíba neste
27 de outubro próximo, continua sendo o bicentenário de nascimento do seu
fundador Fabrício Gomes Pedroza, cujas cinzas foram trasladadas do Rio de
Janeiro para a igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição. O vinte e sete de
outubro de 1877, pela lei nº 801, Macaíba – que antes se chamava Coité –
desmembrou-se de São Gonçalo. Aí amplia-se o período de esplendor comercial do
porto de Guarapes que irradiou energia econômica a todos os quadrantes.
Monopolizou o sal para o sertão, incentivou a indústria açucareira do vale do
Ceará-Mirim, financiou a produção adquirindo as safras das fazendas de algodão,
cereais, couros e peles. Fundou a “Casa dos Guarapes” e do alto da colina
comandou o seu mundo de transbordamentos, onde tudo era rumor, vida, agitação,
atividade.
É nesse vácuo de
duzentos anos que reside a minha perplexidade. Um silêncio dominado pelo
abandono e a indiferença. Ninguém coloca em cena a coragem de contemplar
restituído o universo oculto de Fabrício que fez brilhar o nome de Macaíba
dentro e fora do Rio Grande do Norte, na segunda metade do século dezenove. Não
bastam, apenas, reprisá-lo com lendas e narrativas, como tivesse sido um mundo
de ficção. Melhor que a dispersão da palavra solta é ouvir o eco de suas
paredes reerguidas, das vozes trazidas pelo vento das vidas que não se pulverizaram
mas renasceram pelas mãos das novas gerações. Esse universo semidesaparecido,
clamo por ele, aqui e agora, afirmando que a melhor imagem de um homem, após a
morte, não são as cinzas, mas a obra que legou à posteridade, revivida e
restaurada como reconfortante e fiel fotografia de sua história e vida.
Como
guerreiro solitário, luto há mais de quinze anos pela restauração dos escombros
do empório dos Guarapes. Como membro, àquela época, do Conselho Estadual de
Cultura do Estado, consegui o tombamento. De imediato, no desempenho do mandato
parlamentar obtive do governo a desapropriação da área adjacente. Batalhei, em
alto e bom som, junto aos gestores públicos a elaboração do projeto
arquitetônico, que, até hoje, dormita em armário sonolento da burocracia. Foi
uma agitação, apenas, que não se moveu nem comoveu. Saí dos movimentos da
superfície oficial, para as janelas da imprensa e outras vozes, em coro
uníssono, oraram comigo pelas ruínas da mais reluzente história da economia do
Rio Grande do Norte: os Guarapes. Todo esse conjunto de verdades fixas foi
ilusão imaginar que a lucidez jamais se disfarçaria em surdez. Como enfrentei e
venci no passado, partindo de perspectivas débeis e precárias, óbices quase
intransponíveis para a restauração das ruínas do Solar do Ferreiro Torto e da
Capela de Cunhaú, sinto que não perdi os laços entre a fragmentação do sonho e
a fé incondicional no meu pragmatismo, de que tudo, até aqui, nada foi em vão.
Reproduzir
a realidade, tal que se imagina que fosse, o burburinho comercial e empresarial
daquele tempo de Fabrício, faz-nos refletir e aprender para ensinar aos jovens
de hoje através de exemplos, imagens e ritmos, a saga de que vultos como o dele
iniciaram uma figuração, nova, nítida e luminosa, pouco tempo depois, numa Macaíba
que começava a nascer com Auta de Souza, Henrique Castriciano, Tavares de Lyra,
Augusto Severo, Alberto Maranhão, João Chaves, Octacílio Alecrim e outros que
construíram em modelos de vidas o prestigio da terra natal – que não se
evapora, nem se desmancha. Essa realidade para mim é tensa e inquieta, porque
cabe hoje revivê-la em todos nós. É imperioso que os nossos governantes tracem
esboços para uma saída, uma superação, criando-se fendas e passagens, para
juntos, todos, respirarmos o oxigênio da convivência com os nossos
antepassados. Se todos nós pensarmos assim, com cada palavra significando
labareda, lampejo, no centésimo trigésimo oitavo aniversário, derrubem, pois,
os obstáculos que impedem as luzes da memória dos Guarapes refletirem sobre a posteridade.
Se assim não agirmos tudo será cinzas.
(*) Escritor.
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