TÚNEL DO TEMPO
Valério Mesquita*
Manhã depressiva
aquela em que revi o mar de Cotovelo. Fazia tempo que as águas verdes de verões
antigos não me agitavam. Revivi o olhar vespertino da enseada e busquei os meus
sonhos desfeitos nas ondas que quebravam ali, bem perto de mim, e compreendi
que já não podia mais tocá-las. A praia havia se modificado. Novas casas
surgiram. Apenas o musgo e o lodo dos muros das antigas casas denunciavam que
foi passado e que espalhara ao redor pedaços de profundidade vital. Cotovelo
alimenta os meus presságios e me remete ao fundo do oceano, como se fosse o
peixe prisioneiro de antigas redes. Levo comigo essas sensações estranhas
quando retorno aos lugares que vivi. Sou comprometido com o emocional.
Ano passado, ao
divisar ao longe a fazenda Uberaba, em Macaíba, e que pertenceu ao meu pai, não
pude reprimir a emoção. Ali passei a minha infância e realmente era feliz e não
sabia. A casa branca, alpendrada no alto, me devolvia a visão mágica e mítica
dos albores de minha vida e dos primeiros alumbra-mentos. As lágrimas fáceis de
um coração mole deslizaram livres, como se convidassem antigos passarinhos a
bebê-las.
A vida tem sido assim
comigo. Sou um proustiano? Um saudosista em busca do tempo perdido? Talvez sim,
talvez sim. Gosto de apostar nos tempos idos e voltar aos lugares a que já fui.
No colégio Marista,
onde estudei por oito anos, retornei às melhores lembranças. A capela, as salas
de aula, o pátio do recreio, os campos de futebol e aquela atmosfera impregnada
da presença dos antigos irmãos maristas: Nelson, Osvaldo, Mário, Leão, Miguel,
Alípio, Adonias, Sebastião, Régis, Celso Trombeta, Estavão, Ilídio, Hipólito,
Aniceto, Dalton, Paulo Berckmans, Pedro Caveira, entre outros. Vi-os em cada
classe, ora comandando o recital do terço da Virgem Maria, ora ministrando
aulas com tanta proficiência que até hoje quem aprendeu não esquece e muito
deve aos discípulos do padre Champagnat. Mal sabia que, de saudade, choraria
amanhã.
Assim também me
fascinam certos recantos de minha terra Macaíba. O antigo cais do porto, hoje
depredado e abandonado; o Solar do Ferreiro Torto e os mistérios circundantes;
o sobradão onde nasci à rua João Pessoa, hoje Rua Nair Mesquita, que pertenceu
ao meu avô paterno e ainda incólume; o parque Governador José Varela, hoje todo
desfigurado; o rio Jundiaí dorminhoco e refratário, contaminado de manguezais
antipáticos no seu leito urbano e, por fim, as ruas estreitas de minha infância
que relembram a cidade velha do tempo dos pioneiros.
Enfim, sou cativo,
prisioneiro do sentimento do medo de perder todas essas emoções um dia, quando
o progresso e a insensatez destruírem tudo em que vivi.
(*)
Escritor.
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