Gileno Guanabara
Ao início da ladeira, a “Rua Grande” (atual
Avenida Câmara Cascudo) teve projeto de urbanização à francesa, com calçadas,
escadarias, balaustradas, candelabros fixos de dupla iluminação, pavimentação,
relógio público e ficus benjamim. Destacavam-se, pelo lado esquerdo, o fundo do
prédio do Atheneu, a Igreja Presbiteriana Batista e a lateral da Prefeitura de
Natal. De outro lado, casas residenciais e o conjunto que sediou o Lactário da
Saúde Pública, terminando com o prédio que foi o Congresso, depois Tribunal de
Justiça do Estado, atual sede da OAB. Era a ligação entre a “Cidade Baixa” e a
“Cidade Alta”.
No cume da ladeira, frente ao Palácio
do Governo (atual Pinacoteca do Estado), foi edificada a Praça 7 de Setembro, tendo,
de um lado, na Rua da Conceição o casario que residiu Nestor dos Santos Lima
(atual Assembleia Legislativa). De outro, a residência pertencente a Augusto
Leopoldo (atual Tribunal de Justiça). No espaço de 200 metros quadrados, com
arborização de fícus benjamim, a Praça descortinava de frente o imponente prédio
da Prefeitura de Natal.
O projeto original foi obra do
governo de Alberto Maranhão. A Praça recebeu o monumento comemorativo à data de
7 de setembro de 1922, o que de fato ocorreu durante o governo de Dr. Antônio
de Souza.
A Praça 7 de Setembro notabilizou-se por
ser ponto de encontro e onde se realizavam atos políticos. Em seus bancos, reuniam-se
ao final das tardes personagens que viviam a vida pacata e teciam os fuxicos diários
da cidade. Trocavam olhares furtivos às mulheres que passavam com seus vestidos
rodados. Apreciavam o sol poente, vendo ao fundo a Pedra do Rosário, inspiradora
de seus devaneios.
Certa ocasião, um grupo ouviu de “Zé
Areia”, um português esperto e desinibido, assíduo frequentador da Praça, a acontecência
do “Turco” que fora ao banco e pretendia “trocar um papagaio”. Na confusão do
dialeto do “galego”, o débito teria sido objeto da compra e venda de uma
barrica de toicinho, na feira do Alecrim. A negociação não se consumara, haja
vista o desencontro que ocorreu entre as partes negociantes. O comprador ao
chegar à casa do vendedor, para receber a mercadoria, deparou-se com a casa
vazia e um papagaio falastrão, que ouvira antes a conversa sobre a condição da
mercadoria. O papagaio tagarelou ao “turco” o estado de putrefação do toicinho:
”não compre. O toicinho está podre. Não serve pra nada”.
O devedor desfez o negócio, enquanto
o vendedor, ao fim dos interrogatórios, chegou à conclusão que o delator tinha
sido o papagaio falador. Por conta da indiscrição, o comerciante lhe aplicou golpes
de reio cru, deixando a pobre ave inteiramente despenada. Recolhido ao canto da
gaiola, o papagaio indagou ao ver no terreiro uma galinha de pescoço pelado: “Ei,
galinha, você também falou ao gringo que o toucinho estava podre ?...”
Aldo Canuto, tempo depois funcionário
da Panair do Brasil, também frequentava a Praça 7 de Setembro. Certo dia, “Zé
Areia” o convidou para tomarem um cafesinho no “Tabuleiro da Baiana”, na Praça
Augusto Severo. No balcão branco de azulejos, tendo por traz as garçonetes
vestidas de saia azul, blusa branca e bibico azul preso sobre os cabelos, foram
servidos os cafés. “Zé Areia” insistiu que o café fosse quente. Antecipou-se e
simulou levar a xícara à boca, reclamando que o café estava frio. Aldo, como se
a gozar a desdita do amigo, tomou a xícara, sem antes gabar-se de não se
incomodar com o café frio. Bebeu de um só trago. O café escaldante desceu-lhe a
garganta, os olhos marejaram, enquanto “Zé Areia” gozava com a sua traquinagem.
Outro frequentador da Praça 7 de Setembro
foi “Seu Estevinho”. Ao fim de sua jornada no “A República”, subia a pé a
ladeira da Ribeira e fazia ponto com os amigos na Praça, até que os raios do
sol fossem consumidos no horizonte. Bem informado e galanteador, não lhe
faltavam notícias da política e da imprensa.
“Seu Estevinho” costumava tomar o
bonde que passava ao lado da Praça 7 de Setembro, vindo da Ribeira e que contornava
a Praça André de Albuquerque. Saltava na Avenida Rio Branco, mais próximo de
sua residência. Enquanto viajava, curulchiava as operárias que vinham das
fábricas da Ribeira. E desde que a conversa fluísse proveitosa, “Seu Estevinho”
exercitava seus dotes românticos e a conquista se tornava o objeto da viagem.
Dado o entusiasmo da prosa, não raro,
“Seu Estevinho” esquecia o ponto de saltar. Quando dava por si, o bonde já se
encontrava na Praça Ferreira Chaves, no Alecrim, trocando de bancada e de motorneiro.
Havia chegado ao fim da linha.
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