23/08/2013

Lembrando o Grande Ponto do meu tempo



JAHYR NAVARRO, médico


Parece que tudo se adapta melhor na retina depois que as lágrimas de saudade lavam o quadro já desbotado das recordações.


            O Grande Ponto do meu tempo de rapaz representava o coração da cidade. Era o lugar onde todo mundo parava para conversar e ter conhecimento das últimas novidades. Dali, também saíam as notícias que se espalhavam a todos os recantos, propagadas pelos seus próprios frequentadores. O Grande Ponto era o centro de tudo. O seu espaço físico sempre foi diminuto. Restringia-se a um pequeno trecho da Rua João Pessoa, interligando a rua Princesa Isabel com a avenida Rio Branco. Já o seu espaço virtual ficava circunscrito ao prolongamento de suas artérias.
            Quando Câmara Cascudo escreveu sobre esse tema, parecia que tudo estaria sepultado pela exposição que fez com tanta sabedoria e competência. Contudo, o assunto voltou à tona numa sequência intermitente de artigos reportando a importância de suas fases na vida de muitas gerações. Muita gente procurava - como pretexto - fazer suas compras no comércio das imediações, para num "pit stop", se inteirar das últimas notícias no Grande Ponto.
            Realmente, tudo que acontecia na cidade, acontecia primeiro no Grande Ponto. Nele, ficavam as paradas dos bondes com as linhas do Tirol e de Petrópolis, algumas paradas dos poucos ônibus que existiam, gente oriunda de outros bairros fazendo compras, além das reuniões de rapazes no final de cada tarde. Esses grupos ficavam como ilhas, dispersos e cada qual com sua peculiaridade determinada pela afinidade entre seus componentes. Já no finalzinho da tarde começava a chegar a turma do "anel" - médicos com consultórios na redondeza - à frente o dr.Grácio Barbalho e o dr.Antônio Montenegro. Geralmente eles ficam ao largo, nas imediações da lanchonete Dia e Noite, ainda na João Pessoa. Era mais um grupo que mesmo por perto, permanecia distante.
            Essas reuniões perduravam o tempo necessário até o cair da tarde. Alguns permaneciam ou retornavam à noite quando assistiam o desfile das beldades que se dirigiam à sessão das oito no cine Rex ou Nordeste. Na calada da noite, começava a chegar a turma de Djalma Maranhão, trazendo a tiracolo o jornalista João Cláudio Machado, cujo assunto girava entre política e o futebol.
            O poder de memória não é perfeito - como já sabemos - mas guardo desse Grande Ponto do meu tempo, quase todas as residências comerciais e particulares que contribuíram para o seu formato. Na esquina da Rio Branco coma João Pessoa, ficava a residência da viúva do sr. Joca Freire, transformada depois num restaurante de classe. Junto, ficava o consultório do dr. Onofre Lopes e na parte térrea desse prédio estava localizado o Caldo de Cana de Macêdo. Depois, a Casa Vesúvio de Maiorana, a Confeitaria Helvética de Múcio Miranda. Ao lado uma residência de um militar que ficava sempre fechada. Continuando, a barbearia Santo Antônio, de Antônio Guedes. Em seguida, a joalheria Nasser  dos meus amigos Nazir e Farouk e na esquina o Café Botijinha, do sr. Jardelino Lucena.
            No lado oposto, confrontando com a padaria do sr. Teódulo Lucena, gerenciada pelo seu Lionel, ficava a sorveteria Cruzeiro. Depois, a farmácia Brasil, Waldemir Germano - leia-se fotografia - o Café Maia de Rossine Azevedo, lojas Setas, a Confeitaria Cisne e no final na parte térrea do edifício Amaro Mesquita, o Café Grande Ponto.
            Apesar de desfigurado pelas modificações realizadas ao longo do tempo, o Grande Ponto ainda permanece o mesmo na mente de muitos - como eu - que ali vivenciaram uma boa parte da vida. Por isso, quando por ele caminho, não me perco nos meus passos, pois tudo me conduz pela mesma trilha de antigamente. Mas, ficam cada vez mais vivas as lembranças, que entristecem, quando recordo a juventude - que já se foi - os amigos que de alguma forma já partiram e o que restou desse velho relicário tão conhecido. Hoje, ao meu lado, apenas a saudade desse tempo e a nostalgia, companheiras inseparáveis e sempre presentes nessas ocasiões.
            A nostalgia torna as nossas defesas mais sensíveis e frágeis quando buscamos o passado. Parece que tudo se adapta melhor na retina, depois que as lágrimas de saudade lavam o quadro já desbotado das recordações.



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