A
injeção miraculosa
Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in memoriam)
As barbearias do sertão, lá pelos anos de 1920, tinham as suas
características próprias. Essa a que me refiro tinha duas portas antigas, de
madeira, com ferrolho e cadeado, as paredes internas caiadas de branco e a
fachada azul com o nome: “Barbeiro”.
Dentro, descia do teto um chicote de luz ligado à pera de acender e
apagar. A cadeira de braços importada, de encosto reclinável, era forrada de
chita estampadinha e ficava em frente ao espelho grande e à bancada de madeira
com gavetas.
Em cima da bancada: tesouras, pentes, navalhas “Solinger” alemãs, loção,
pedra-ume, pincel, toalhinhas de morim, toalha grande para o cliente que ia
cortar o cabelo e o amolador de navalhas. Sempre disponíveis ao barbeiro a
cumbuca de alumínio e o frasco de sabonete para fazer espuma.
Na parte de trás, cadeiras para a freguesia esperar a sua vez, um
lavatório na parede com depósito de água em cima da torneira, uma bacia para
aparar a água e a toalha de algodão branco.
Uma das características inerentes a todo barbeiro era a de tirar prosa
com o freguês. Nas barbearias, as notícias corriam orais e velozes entre os
frequentadores que ali iam regularmente. Foi numa dessas antigas barbearias que
escutei o fato que vou transcrever a vocês.
Essa curiosa história aconteceu em Serra Negra no século passado, final da década de
1920 e início de 1930. Naqueles tempos no sertão nordestino era comum a cura
por prática de charlatanismo.
Um paraibano de nome José Fábio tinha uma farmácia em Guarabira, e nos
anos do Estado Novo foi morar em Mossoró. Não demorou muito, e a Saúde Pública do
Estado caiu em cima dos seus processos, e ele, simplesmente, desapareceu da
Cidade.
Então, inesperadamente, ele surgiu em Serra Negra , vindo de
Brejo da Bananeira, onde já era dado à prática de fornecer receitas e consultas
ao povo.
Ao chegar em Serra
Negra , passou a aplicar umas injeções de um líquido a que
atribuía poderosa eficácia no tratamento de quase todas as enfermidades.
A notícia foi circulando entre o povo, e o movimento na Cidade aumentava
a cada dia. De manhã, quando abria as portas, já estava a casa cheia de pessoas
que viajavam em busca da prometida cura. Vieram pessoas ricas, parentes de
médicos, de padres e de autoridades, de muito longe.
A figura estranha do curandeiro atraía multidões fanatizadas para a
cidadezinha do Seridó, que, nessa época, era apenas um velho arruado, nas
terras fronteiriças da Paraíba.
A injeção não custava nada, era gratuita, mas, o paciente, antes de
entrar, para ser atendido, entregava à sua secretária a importância de R$ 50
mil réis, a título de “contribuição”. Alguns, inclusive, doavam mais, a título
de donativo.
No centro da sala, em cima de uma mesa forrada de tecido de algodão
branco, um vidro transparente, do que se usava em antigos boticários, ocupado
até a metade com um líquido claro e pegajoso, do qual não se sabia a origem,
nem por que processo tinha sido obtido. Na verdade, era “cuspe”.
Assim, ele ia fazendo as suas aplicações miraculosas, e a fila de incautos
crescendo, junto com as curas que se iam processando, em meio a inúmeras
versões contadas: paraplégicos jogam fora as muletas, cegos passam a ver, e
outros, que tinham chegado em redes ou padiolas, saem andando felizes. Dizem
que até doido saía curado.
Porém, o fanatismo tem vida curta, e, certo dia, um homem rico e
importante da região morreu, depois de tomar a injeção. Então, José Fábio, o
curador miraculoso, encerrou as suas atividades e desapareceu, para nunca mais
ser visto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário