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26/11/2014

A injeção miraculosa

Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in memoriam)

As barbearias do sertão, lá pelos anos de 1920, tinham as suas características próprias. Essa a que me refiro tinha duas portas antigas, de madeira, com ferrolho e cadeado, as paredes internas caiadas de branco e a fachada azul com o nome: “Barbeiro”.
Dentro, descia do teto um chicote de luz ligado à pera de acender e apagar. A cadeira de braços importada, de encosto reclinável, era forrada de chita estampadinha e ficava em frente ao espelho grande e à bancada de madeira com gavetas.
Em cima da bancada: tesouras, pentes, navalhas “Solinger” alemãs, loção, pedra-ume, pincel, toalhinhas de morim, toalha grande para o cliente que ia cortar o cabelo e o amolador de navalhas. Sempre disponíveis ao barbeiro a cumbuca de alumínio e o frasco de sabonete para fazer espuma.
Na parte de trás, cadeiras para a freguesia esperar a sua vez, um lavatório na parede com depósito de água em cima da torneira, uma bacia para aparar a água e a toalha de algodão branco.
Uma das características inerentes a todo barbeiro era a de tirar prosa com o freguês. Nas barbearias, as notícias corriam orais e velozes entre os frequentadores que ali iam regularmente. Foi numa dessas antigas barbearias que escutei o fato que vou transcrever a vocês.
Essa curiosa história aconteceu em Serra Negra no século passado, final da década de 1920 e início de 1930. Naqueles tempos no sertão nordestino era comum a cura por prática de charlatanismo.
Um paraibano de nome José Fábio tinha uma farmácia em Guarabira, e nos anos do Estado Novo foi morar em Mossoró. Não demorou muito, e a Saúde Pública do Estado caiu em cima dos seus processos, e ele, simplesmente, desapareceu da Cidade.
Então, inesperadamente, ele surgiu em Serra Negra, vindo de Brejo da Bananeira, onde já era dado à prática de fornecer receitas e consultas ao povo.
Ao chegar em Serra Negra, passou a aplicar umas injeções de um líquido a que atribuía poderosa eficácia no tratamento de quase todas as enfermidades.
A notícia foi circulando entre o povo, e o movimento na Cidade aumentava a cada dia. De manhã, quando abria as portas, já estava a casa cheia de pessoas que viajavam em busca da prometida cura. Vieram pessoas ricas, parentes de médicos, de padres e de autoridades, de muito longe.
A figura estranha do curandeiro atraía multidões fanatizadas para a cidadezinha do Seridó, que, nessa época, era apenas um velho arruado, nas terras fronteiriças da Paraíba.
A injeção não custava nada, era gratuita, mas, o paciente, antes de entrar, para ser atendido, entregava à sua secretária a importância de R$ 50 mil réis, a título de “contribuição”. Alguns, inclusive, doavam mais, a título de donativo.
No centro da sala, em cima de uma mesa forrada de tecido de algodão branco, um vidro transparente, do que se usava em antigos boticários, ocupado até a metade com um líquido claro e pegajoso, do qual não se sabia a origem, nem por que processo tinha sido obtido. Na verdade, era “cuspe”.
Assim, ele ia fazendo as suas aplicações miraculosas, e a fila de incautos crescendo, junto com as curas que se iam processando, em meio a inúmeras versões contadas: paraplégicos jogam fora as muletas, cegos passam a ver, e outros, que tinham chegado em redes ou padiolas, saem andando felizes. Dizem que até doido saía curado.

Porém, o fanatismo tem vida curta, e, certo dia, um homem rico e importante da região morreu, depois de tomar a injeção. Então, José Fábio, o curador miraculoso, encerrou as suas atividades e desapareceu, para nunca mais ser visto.

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