A história literária
do Brasil tem sido pródiga em produzir satíricos e humoristas, cuja picardia
amenizam os descalabros autoritários no campo da política, enquanto sacia o
apetite popular necessário à expiação da labuta do dia a dia. Registros não nos
faltam. Enquanto isso, a política e a História seguem as suas veredas.
Contam-se os inúmeros micos
atribuídos ao Presidente Eurico Gaspar Dutra. Num deles, o general, que não
dominava o idioma inglês, apesar de ter participado no teatro europeu da
Segunda Grande Guerra, tinha certa obsessão pelo uso da palavra between. Sem que apercebesse o sentido
literal da palavra, costumava dirigir-se aos visitantes americanos a quem
recebia, convidando-os a adentrar no seu gabinete. Usava a expressão between, between tornando confuso o
ambiente da visita. A expressão prepositiva se traduz por (estar) entre, confundida pelo presidente com o
verbo go.
Tivemos entre nós a passagem de
Aparício Tonelli, o Barão de Itararé, o qual nos reservou mordazes tiradas algumas
dirigidas ao presidente Getúlio Vargas. Conta-se que, destacado para uma
cobertura jornalística no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, dada a visita que
Getúlio fazia à Câmara Federal, que naquela época funcionava no Palácio Monroe,
o presidente se deparou com Aparício. Ao se aproximar da escadaria onde se encontrava
Aparício, Getúlio a ele se dirigiu, referindo-se com menoscabo: És tú, Barão ?... Ao que imediatamente
Aparício deu como resposta: Tubarão, és
tu...
A conduta prosaica e amigável de Juscelino no trato com seus adversários
fê-lo o presidente da distensão. Não foi por acaso que a paródia dos menestréis
da época lhe conferia o epíteto de Presidente
Bossa Nova. Ao tomar posse, Juscelino teve convivência respeitosa com os deputados
da incansável Banda de Música, formada
por Aliomar Baleeiros, Carlos de Lacerda, José Sarney, aguerridos quadros da
União Democrática Nacional-UDN. Antes do suicídio de Getúlio (1954) ultimaram-se
os ardis, de início, em cooptar Café Filho, enquanto Vice-Presidente. Depois,
com a posse de Café na Presidência da República, os entreveros que visavam impedir
a candidatura de Juscelino, de derrotá-lo nas urnas ou, por último, tornar
inviável a sua posse e o seu governo. Nos primeiros anos de governo, ocorreram as
revoltas de Jacareacanga e a de Aragarças, por grupos de militares integrantes
da Aeronáutica, as quais foram abafadas. Decorridos menos de seis meses,
Juscelino anistiou os militares.
Enquanto se
deleitava, deixando-se fotografar sem os sapatos, desvencilhados nas
solenidades oficiais, com furos das meias expostos, Juscelino entoava a paródia
do folclore – como pode um peixe vivo,
viver fora d’água fria. Foi o tempo em que concluía a construção da nova
capital. Se, de um lado, o governo de Juscelino fora complacente com a inflação,
em escalada crescente nos anos da década de 1950, de outro modo, politicamente
foi respeitoso com a oposição que não se desarmara, apesar do desgaste político
provocado pela morte súbita de Getúlio. Sucediam-se os manifestos sediciosos
dos comandos militares, os pronunciamentos parlamentares vigorosos da UDN e o
combate persistente da Tribuna da Imprensa, diário pertencente ao jornalista Hélio
Fernandes. Apesar da crise inflacionária na economia, Juscelino impulsionou o
polo metalúrgico de São Paulo e deu início ao promissor ciclo econômico auto
viário, no país.
O golpe de
1964 teve o apoio de Juscelino, dentre outros civis que imaginaram preservar um
espaço, ao fim do qual retornariam a seus projetos político-pessoais. Mas o ato
que visa uma banana, alcança o total do balaio. O golpe ceifou um a um os
líderes civis, fossem da oposição ou da situação. O golpe perdurou por quase
vinte anos.
Um cronista
carioca, radialista, jornalista e apresentador de TV, nascido no ano de 1923,
tornou-se célebre por suas pitadas humorísticas, quando da histeria golpista
que assolou o país. O seu nome, Sergio Porto, foi substituído por Stanislau Ponte Preta. A truculência dos
militares, em público ou em solenidades, servia de alvo para a crítica rigorosa
dos jornais ou das revistas. Ao rigor de seu humor implacável, Stanislau Ponte Preta
cunhou o despautério psicótico com que a ditadura combateu os setores discordantes
da esquerda. Chamava o novo regime de o fêbêapá,
iniciais de O Festival de Besteira
que Assola o Brasil. A expressão fêbêapá
ganhou foro geral na linguagem falada, em referência a tudo o que
contrariasse a lógica e o bom senso, inclusive na política.
Numa de suas
crônicas, Sérgio Porto contou a saga de um recifense bisbilhoteiro que
costumava atribuir boatos nas ruas do Recife, tendo em vista os militares, a
partir do Bar Savoy, ponto de encontro boêmio e literário da Avenida
Guararapes, exatamente nos dias imediatos ao golpe de 1964. Articulada a
repressão policial em busca do boateiro que circulava incólume, eis que afinal o
elemento viu-se preso e foi conduzido à autoridade militar competente.
Devidamente interrogado, o comando militar, simulando-se contrariado,
sentenciou a ordem para que o preso fosse sumariamente fuzilado. Posto diante
do muro, com os olhos cobertos por uma tarja preta, foi dada ordem ao pelotão de
atirar. Só que os fuzis não portavam balas de verdade. Ouviu-se o estampido e o
elemento desmaiou e caiu, tão só pelo medo que sofreu. Ainda desacordado foi
conduzido ao hospital da Guarnição Militar.
Ao acordar,
o boateiro estava sob uma maca, em estado lastimável. Havia defecado na roupa e
chorava compulsivamente, agradecido por ainda se achar vivo. O comandante da
Guarnição deu-lhe o rapa final. Daquela vez, iria lhe conceder liberdade, mas
se retornasse à boataria e a uma nova prisão, os tiros seriam com balas de
verdade. O boateiro concordou com as condições. Saiu, caminhou pelas ruas
agraciado com a liberdade alcançada. Ao se aproximar do centro do Cais do Porto
do Recife, encontrou-se com antigos companheiros, os quais lhe indagaram pelas últimas
novidades. O boateiro baixou a voz e em sussurro disparou: O Exército está em crise. Não tem balas de verdade, só dispõe de balas
de festim.
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