A L M I R A N T E D A
A R M A D A I M P E R I A L
Ao
tempo em que foi proclamada a independência do Chile, o Brasil ainda estava às
forras com as tropas portuguesas, indispostas com a proclamação da
independência, final do ano de 1822. Reconhecido herói da independência
chilena, o capitão inglês Lord Cockrane, residia em suas terras, no distrito de
Quintera, no Chile. Por ordens de D. Pedro I, José Bonifácio, então Ministro do
Interior e das Relações Exteriores do Império, enviou instruções ao cônsul
brasileiro, em Buenos Aires, Antônio Manuel Corrêa da Câmara, a fim de transmitir
ao capitão o convite do imperador, para vir lutar pela independência do Brasil.
O cônsul enviou carta a Lord Cockrane: -Milord,
le Brésil puissance du prémier orde, devient um nouvel Empire, une nation
independente sons le legitime heritier de la monarchie, Pierre le Grand, son
auguste defenseur ... Abandonez vous, Milord, à la reconnaissance Brésilienne;
à la munificence du Prince; à la probité sans tache de l’actual Gouvernement;
on vous ferá justice, on ne rebaisserá d’um seul point da haute consideration –
rang, grade, caractére et avantajes qui vous sont dus, - Consul de L’ Empire du
Brésil à Buenos Ayres, 4 de novembro 1822.
Diante de tamanha honraria, Cockrane aceitou o convite. Ao
chegar ao Rio de Janeiro, foi-lhe confiada a chefia das forças navais do
Império. Para isso, criou-se uma graduação militar específica para o Lord: Almirante da Armada Imperial.
O afamado capitão trazia consigo os feitos marítimos notáveis
de que participara durante as lutas no Chile. Sobressaía a argúcia da
inteligência combinada com o uso da força, cujas manobras, em pouco tempo, lhe
auferiram o garbo de hábil soldado e bom político, o que serviria para
consagrar a unidade de parte das províncias do Império ainda conflagradas, a
ponto de quase constituírem Estados independentes. Foi o caso do Norte do
Império, ainda sob a ocupação das tropas portuguesas que resistiam à
independência do Brasil. Nas batalhas que o bravo marinheiro travou no Maranhão
diante da esquadra portuguesa, fazendo aparentar uma superioridade militar que
não tinha, em força e calibre de suas canhoneiras, o Lord fustigou, pondo o
inimigo ao largo do Oceano Atlântico e obrigando o grosso da tropa a se refugiar
em Portugal. Apresou mais de cem navios e cerca de três mil homens foram feitos
prisioneiros.
Em
reconhecimento, Cockrane passou a integrar a fidalgaria do Império. Viu-se agraciado
pelos seus serviços com o título de Marquês
de Maranhão e lhe foram feitas doações de terra. Por mérito do capitão,
fez-se a incorporação na tropa brasileira os ingleses Grenfell, Taylor,
Crosbie, W. Jackson, Crewley, Clarence, Monson, Wallace, March, Jannary e
Charles Rose, dentre outros, marinheiros que, pelo reconhecimento de suas
bravuras, assumiram o posto de oficiais da Armada. Em pouco tempo, seus nomes
foram incorporados à nomenclatura civil nacional.
O
Ministro das Relações Exteriores lhe reservava o maior respeito, em razão das
tarefas que foram dirigidas ao Almirante inglês, com o reconhecimento de seu
melhor desempenho nas atribuições. Dizia José Bonifácio em carta: - Entretanto, V. Ex., não sendo menos hábil
político que guerreiro, e por outro lado gozando da confiança de S. M. o
Imperador, está nas circunstâncias de empregar todos os meios que estão ao seu
alcance e autorização para aplanar quaesquer difficuldades do momento, que se
opponham ao êxito da sua importante commissão... 12 de julho de 1823, Rio de
Janeiro.
Uma
vez consolidada a independência do Brasil, D. Pedro foi responsabilizado por
Lord Cockrane de não cumprir os pagamentos devidos, fazendo com que o Almirante
regressasse a Inglaterra desgastado com o Brasil, inúmeras foram as missivas
dirigidas ao Imperador, cobrando a dívida, sem sucesso. O Norte do Império fora
reconquistado, os navios e tropas portuguesas haviam sido tangidas, expulsas
para Portugal.
Por
conta do imbróglio, o título de Marquês do Maranhão foi repudiado pelo
agraciado que, ao escrever suas Memórias,
já residindo na Inglaterra, chamou
o Brasil de país de caloteiros. Por conta dessa desdita, Lord Cockrane teve
confiscadas as terras que lhe tinham sido doadas pelo Estado brasileiro. O
almirante inglês apenas reclamara o pagamento objeto do contrato que firmara
com o governo imperial.
Essa
pendenga quanto ao pagamento não realizado e a irritação do Almirante da Armada
por não receber o que lhe era devido, exatamente conforme o combinado, em sendo
o primeiro militar, e ainda mais estrangeiro, que ocupou o posto de Almirante
da Armada do Brasil – reconhecidamente o comandante dos feitos que asseguraram
a integridade do Norte brasileiro -, fez com que o herói das lutas navais da
Independência não constasse do merecido registro no Museu da Marinha no Rio de
Janeiro, nem ainda tampouco com destaque o seu reconhecimento nos manuais da Armada.
Fazem sentido os termos honrosos, através dos quais, o governo Imperial, na
fala de José Bonifácio, se comunicava com o Almirante, nas correspondências
trocadas com Lord Cockrane: Tenho
presente a carta com que V. Ex. me favoreceu, em data de Maio próximo passado.
Nella vejo o detalhe da illustrada conducta de V. Ex., depois da sua sahida
deste porto, e as diversas difficuldades que V. Ex. tem encontrado, as quaes,
com grande magua, contemplo, e creio dificultosas de vencer, porque se acham,
pela maior parte, de tal fórma enlaçadas com a nossa situação política, que só
se desvanecerão inteiramente quando o sistema geral do Império estiver de todo
concentrado.
Justo e acertado, até a consolidação da independência.
Depois, o jeitinho brasileiro do devo e reconheço, mas só pago quando puder.
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