18/09/2014

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E V A  P E R Ó N,  O  M I T O
Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
 
Estudos específicos não contemplaram preocupações para com Peron e Evita até o fim da primeira metade do século passado. O período peronista só se tornou objeto de especulações acadêmicas depois da volta do exílio daquele que foi chefe político pela terceira vez, nos anos setenta. Até então, as publicações em inglês coincidiam na interpretação de um Peron, militar sem escrúpulos, que empalmara o poder político, ludibriara a classe operária e, com ajuda de Evita, criara um movimento, cópia malsinada do nazi fascismo, ascendente na Europa. Esse conceito perdura até hoje em setores da imprensa americana. Diferentemente foi a compreensão dos ensaios biográficos escritos em espanhol, preocupados em explicar o fenômeno a que atribuíam o caráter de um fascismo local. A esse tempo, quase nada se tinha a dizer de Evita, à exceção de George Blankstein (La Argentina de Peron) e Robert Alexander (La época de Peron).
As preocupações com Evita despontaram na obra Eva Perón ¿ aventureira o militante ?, de Juan Sebreli (1966), e em La vida de Eva Perón I. Testimonios para su historia (Otelo Borroni e Roberto Vacca (1970). Naquele primeiro trabalho, o autor  - misto de marxista e sartreano – ao se dedicar a Simone de Beauvoir teve o propósito de explicar quem tinha sido Evita e o seu significado para a História da Argentina, renegando tanto o epíteto de aventureira, como o de rebelde e feminista.
Sabreli, ao estudar o feminismo na Argentina, buscava a compreensão que do movimento tinha Simone de Beauvoir que ainda não se definira como feminista, nos idos de 1970. Em verdade, nas décadas de 1930/40, já havia um movimento de mulheres que lutava pelo voto feminino na Argentina. Evita se acostou aos grupos militantes da causa, haja vista que se admitiu, no governo do General Edelmiro J. Farrell, a possibilidade de se legalizar o voto feminino. No entanto, as próprias feministas se posicionaram contra, Perón se manifestou a favor, enquanto Evita, em inexplicável omissão, como depois confirmou em sua autobiografia - La razón de mi vida -, se manifestara contrariamente, atribuindo que mujeres cuya primera vocación debió ser indudablemente la de hombres ... Pareciam estar dominadas por el despecho de no haber nascido hombres, más que por el orgullo de ser mujeres.
Com o tempo o autor aprimorou sua opinião sobre o mito Evita e seu marido, o coronel Perón. Na obra Los deseos imaginários del peronismo, Sabreli, se não a reconhecia como rebelde pelo ataque que ela disparou às feministas, bem assim convenceu-se de que o peronismo era uma faceta cabocla do fascismo, e distinguiu: Evita es más identificable com el fascismo em tanto que Perón lo es más com el bonapartismo.
Em La vida de Eva Perón, Borroni y Vacca, com objetivo mais modesto, se propunham revelar la verdade sobre Evita. Para isso, se informaram através de entrevistas e estabeleceram cronologias, ouvindo pessoas que a conheceram ainda criança, quando atriz, dirigentes operários e da época de sua militância política.
Essas obras contribuíram muito para mudar a visão até então predominante nos estudos publicados na Argentina sobre Evita, concebidos outrora para denegri-la ou engrandecê-la com paixão. Estando Perón na chefia do governo, através da cooptação da imprensa, pouco permitiu conhecer os fatos e o contraditório, de revelar a história verdadeira. Pelo contrário, dava-se começo ao mito, coincidentemente ao conteúdo da autobiografia La razón de mi vida, em se tratando da esposa, amante, abnegada e pura mãe, cujo sacrifício desmedido fez pelos filhos, pelos mais velhos, pelos descamisados e pelos mais pobres, como ao final se apresentou. Por conta disso, atraiu os inimigos de Perón, da revolução que propôs e da luta em favor dos desvalidos. Em compensação, tornara-se a hermosa; La Dama de la Esperanza; La Abaderada de los Descamisados; El Puente de Amor; La Jefa Espiritual de la Nación, dentre outros designativos.
Diferentemente ao que se publicara até os anos de 1950, Américo Ghioldi, socialista, exilado no Uruguai, publicou El mito de Eva Duarte (1952). Pelas conclusões que apresenta, Evita era a única novidad del totalitarismo argentino em comparación con otros totalitarismos contemporâneos. Acusa-a de ser a nova Encarnación Ezcurra de Rosas, com lugar na história da tirania americana. Para Ghioldi, Evita era uma mestra em conhecer a psicologia dos homens, dissimulada, nada culta: ... Ella no era de impulsos nobles, pero el Estado la hizo peor.
Com Perón apeado do poder e sua ida para o exílio, multiplicaram-se as publicações reveladoras dos males do peronismo, escritas por políticos, jornalistas ou estudiosos, que lhe faziam oposição. Deu-se início à desperonização da Argentina, com a derrubada de estátuas, queima de livros e fotografias, a ponto de um decreto de março de 1956 impor pena de multa a quem portasse publicamente objetos peronistas, como fotos de Evita e de Perón, distintivos, dentre outras manifestações.
A revanche contra Perón alcançou Evita, através de fatos pitorescos revelados, das anedotas e rumores que circulavam nos meios políticos e militares. Repetiam-se de forma desairosa na imprensa fatos de sua vida pessoal, sua falta de educação, sua vida de atriz medíocre, seus supostos amantes, o imbróglio da comitiva e de sua viagem à Europa, afinal, a doença e sua morte: uma partiquina, incapaz de hablar sin errores, uma mejerzuela trepadora que habia conocido muchos hombres a los que habia usado com êxito para ascender em su carrera, dizia-se impiedosamente.
Pode-se assemelhar o fenômeno de popularidade de Evita ao de Lady Di, suas vidas glamorosas. Suas mortes corresponderam à explosão de encantamento popular, com igual força a de outras damas que viveram a qualquer tempo. No caso de Evita, um exemplo indiscutible de como uma persona puede transformarse em mito, y también um ejemplo del poder que há tenido y sigue teniendo su mitologia (marysa Navarro). A morte da princesa de Gales não ofuscou a vida da primeira mulher sul-latino-americana a abrilhantar a capa da Revista Time, em julho de 1947. Não chores por Ela, Argentina.

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