DE PALMIRO
TOGLIATTI À DEMOCRACIA NO BRASIL
Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
No artigo
que publicamos na semana passada, destacamos as contradições que emparedaram o
internacionalismo que vigorou na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas-URSS
e a ruptura que as transformações e concessões ideológicas adotadas pelo
Partido Comunista Chinês-PCC representaram. Fizemos referência an passant ao viés ideológico do Partido
Comunista Italiano-PCI, cujos líderes proeminentes se pautaram em discordâncias
para com as concepções do modelo internacionalista do partido na URSS.
Cláudio
Oliveira nos enviou comentários acerca do livro do professor Marco Mondaini – Do stalinismo à democracia. Palmiro
Togliatti e a construção da via italiana ao socialismo (Contraponto Editora). Trata
da biografia recém publicada do líder comunista italiano, no período de 1944/1964,
com influência na política europeia. Prevalecia, na era stalinista, a teoria do
social fascismo, que acusava a social democracia como sendo uma irmã gêmea parida do fascismo, tornada,
por isso, o inimigo a ser combatido.
Reconhece o
biógrafo que coube ao trabalho formulado por Gramsci a influência maior para a
formulação da estratégia democrática implementada pelo partido italiano, apesar
das simpatias que tinha para com a Revolução Russa de 1917. São dele os alfarrábios escritos no cárcere,
onde morreu, discordantes do modus soviético
- a via internacionalista da revolução, modelo único a ser implementado em
todos os países, através do partido. O Partido Comunista Francês-PCF também
reagiu. Foram propostas alianças táticas com as tendências mais amplas,
incluída a social democracia, e personalidades progressistas, a fim de
fortalecer o combate ao fascismo ascendente na Europa. Para o PCI, as
instituições italianas estavam mais propensas a chegar ao poder pela via
democrática e não pelo poder das armas. Coube a Togliatti e a Dmitrov, líder
búlgaro, convencer Stalin a reverter aquela tática vigente, para efeito de
união do partido com os demais de tradição antifascista, o que preponderou na
Carta de 1944.
Talvez tenha
sido por essas razões, pelo seu alcance mais realista e agregador de forças no
campo progressista, que fez com que o PCI sofresse dura
repressão da ditadura fascista de Mussolini, a partir de 1923, com prisões e assassinatos
dos comunistas. Deva-se a isso, a valorização cada vez maior das liberdades
públicas. Com o fim da Segunda Guerra, dada a influência do PCI, juntaram-se o
Partido Socialista-PSI e o Democrata Cristão-PDC, cuja unidade correspondeu as conquistas
na Constituição Italiana de 1944, que vige ainda hoje. Mesmo quando os ventos
da Guerra Fria se fizeram contrários à composição no governo, Togliatti
insistiu na unidade dos partidos em torno do governo. Ainda que diante da
defecção do PDC, que passou a aceitar a exclusão do PCI e do PSI da coalizão
governamental, Togliatti aceitou colaborar com o governo, tendo em mira afastar
a influência dos fascistas. De um lado, ganhou a Constituição que foi respeitada.
De outro lado, a morte trágica de Aldo Moro representou um ataque ingênuo, ou
de má fé, das Brigadas Vermelhas, contra
a participação do PDC na retomada daquele
projeto.
Tiveram os
comunistas desde Togliatti, passando por Luigi Longo e Berlinguer, o esmero de
não se imiscuírem, como se fossem únicos, nos interesses dos trabalhadores
italianos. Diferentemente, na Alemanha, o Partido Social-Democrata-PSD não teve
o apoio do PC Alemão, tornando o presidente Hindenburg refém e a quem não
restou outra alternativa senão designar o líder do Partido Nazista como
primeiro-ministro. Foi a derrocada. Na Alemanha de 1933, por menor que fossem as
concessões a serem feitas, para a formação da maioria no governo, cristalizou-se
o impasse e a chegada de Adolf Hitler ao poder.
Em plena
guerra fria, face a intransigência do Papa Pio XII, que em julho de 1949
excomungou os comunistas e ameaçou suspender os sacramentos da Igreja aos
católicos que se vinculavam ao PCI, Togliatti elaborou a tradução, prefaciou e
lançou o livro de Voltaire, filósofo iluminista francês, Tratado sobre a tolerância.
Giuseppe Tosi, da UFPB, na
apresentação que faz da atualíssima obra de Carlo Mondaini, revela-se consciencioso
sobre a integração entre os secularizados, o mundo da religião e a política.
Diz Giuseppe: Nós, jovens católicos da
Igreja do dissenso, inspirados no aggiornamento do concílio Vaticano II,
começamos a romper com o collateralismo entre Igreja Católica e Democracia
Cristã e passamos a apoiar o Partido Comunista: foi um Deus nos acuda, uma
decisão que lacerou as famílias, as comunidades eclesiais, o mundo político.
... Quanta saudade daquele tempo! As duas igrejas, apesar da contraposição
frontal, possuíam um conjunto de valores ético-políticos comuns que afundavam
suas raízes num humanismo e solidarismo típico da tradição italiana (basta
pensar nos filmes de Peppone e Don Camillo).
E prossegue Giuseppe: ... Esta ‘stagione’ passou, e hoje nos damos
conta de que o Partido Comunista, apesar de todas as duplicidades, teve uma
importância extraordinária na construção da democracia italiana, porque, como
reconheceu Bobbio, “ensinou a toda uma geração a ver o mundo do ponto de vista
dos oprimidos”.
A esperança, que resta aos jovens de
fazer política por altruísmo e devoção, é a de que a disputa eleitoral no Brasil
afaste a mera repetição estéril e infecunda da vitória pela vitória, com debates
já superados em outros destinos. Foram momentos dolorosos que serão revisitados,
revelando a ausência de um promissor enclave político, apesar da presença de políticos
respeitáveis. Com os meios atuais de comunicação, que dispomos, é possível travar
a melhor peleja e rejeitar a mentira, a hipocrisia demagoga e superficial de
líderes sem vocação, iracundos e ignorantes. A democracia como valor universal;
as alianças no campo democrático; e o fim da intolerância, são os sinais dos
tempos.
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