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29/09/2014

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DE PALMIRO TOGLIATTI À DEMOCRACIA NO BRASIL
Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN

            No artigo que publicamos na semana passada, destacamos as contradições que emparedaram o internacionalismo que vigorou na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas-URSS e a ruptura que as transformações e concessões ideológicas adotadas pelo Partido Comunista Chinês-PCC representaram. Fizemos referência an passant ao viés ideológico do Partido Comunista Italiano-PCI, cujos líderes proeminentes se pautaram em discordâncias para com as concepções do modelo internacionalista do partido na URSS.

            Cláudio Oliveira nos enviou comentários acerca do livro do professor Marco Mondaini – Do stalinismo à democracia. Palmiro Togliatti e a construção da via italiana ao socialismo (Contraponto Editora). Trata da biografia recém publicada do líder comunista italiano, no período de 1944/1964, com influência na política europeia. Prevalecia, na era stalinista, a teoria do social fascismo, que acusava a social democracia como sendo uma irmã gêmea parida do fascismo, tornada, por isso, o inimigo a ser combatido.

            Reconhece o biógrafo que coube ao trabalho formulado por Gramsci a influência maior para a formulação da estratégia democrática implementada pelo partido italiano, apesar das simpatias que tinha para com a Revolução Russa de 1917.   São dele os alfarrábios escritos no cárcere, onde morreu, discordantes do modus soviético - a via internacionalista da revolução, modelo único a ser implementado em todos os países, através do partido. O Partido Comunista Francês-PCF também reagiu. Foram propostas alianças táticas com as tendências mais amplas, incluída a social democracia, e personalidades progressistas, a fim de fortalecer o combate ao fascismo ascendente na Europa. Para o PCI, as instituições italianas estavam mais propensas a chegar ao poder pela via democrática e não pelo poder das armas. Coube a Togliatti e a Dmitrov, líder búlgaro, convencer Stalin a reverter aquela tática vigente, para efeito de união do partido com os demais de tradição antifascista, o que preponderou na Carta de 1944. 

            Talvez tenha sido por essas razões, pelo seu alcance mais realista e agregador de forças no campo progressista, que fez com que o PCI sofresse dura repressão da ditadura fascista de Mussolini, a partir de 1923, com prisões e assassinatos dos comunistas. Deva-se a isso, a valorização cada vez maior das liberdades públicas. Com o fim da Segunda Guerra, dada a influência do PCI, juntaram-se o Partido Socialista-PSI e o Democrata Cristão-PDC, cuja unidade correspondeu as conquistas na Constituição Italiana de 1944, que vige ainda hoje. Mesmo quando os ventos da Guerra Fria se fizeram contrários à composição no governo, Togliatti insistiu na unidade dos partidos em torno do governo. Ainda que diante da defecção do PDC, que passou a aceitar a exclusão do PCI e do PSI da coalizão governamental, Togliatti aceitou colaborar com o governo, tendo em mira afastar a influência dos fascistas. De um lado, ganhou a Constituição que foi respeitada. De outro lado, a morte trágica de Aldo Moro representou um ataque ingênuo, ou de má fé, das Brigadas Vermelhas, contra a participação do PDC na retomada daquele projeto.

            Tiveram os comunistas desde Togliatti, passando por Luigi Longo e Berlinguer, o esmero de não se imiscuírem, como se fossem únicos, nos interesses dos trabalhadores italianos. Diferentemente, na Alemanha, o Partido Social-Democrata-PSD não teve o apoio do PC Alemão, tornando o presidente Hindenburg refém e a quem não restou outra alternativa senão designar o líder do Partido Nazista como primeiro-ministro. Foi a derrocada. Na Alemanha de 1933, por menor que fossem as concessões a serem feitas, para a formação da maioria no governo, cristalizou-se o impasse e a chegada de Adolf Hitler ao poder.

            Em plena guerra fria, face a intransigência do Papa Pio XII, que em julho de 1949 excomungou os comunistas e ameaçou suspender os sacramentos da Igreja aos católicos que se vinculavam ao PCI, Togliatti elaborou a tradução, prefaciou e lançou o livro de Voltaire, filósofo iluminista francês, Tratado sobre a tolerância.

Giuseppe Tosi, da UFPB, na apresentação que faz da atualíssima obra de Carlo Mondaini, revela-se consciencioso sobre a integração entre os secularizados, o mundo da religião e a política. Diz Giuseppe: Nós, jovens católicos da Igreja do dissenso, inspirados no aggiornamento do concílio Vaticano II, começamos a romper com o collateralismo entre Igreja Católica e Democracia Cristã e passamos a apoiar o Partido Comunista: foi um Deus nos acuda, uma decisão que lacerou as famílias, as comunidades eclesiais, o mundo político. ... Quanta saudade daquele tempo! As duas igrejas, apesar da contraposição frontal, possuíam um conjunto de valores ético-políticos comuns que afundavam suas raízes num humanismo e solidarismo típico da tradição italiana (basta pensar nos filmes de Peppone e Don Camillo). 

E prossegue Giuseppe: ... Esta ‘stagione’ passou, e hoje nos damos conta de que o Partido Comunista, apesar de todas as duplicidades, teve uma importância extraordinária na construção da democracia italiana, porque, como reconheceu Bobbio, “ensinou a toda uma geração a ver o mundo do ponto de vista dos oprimidos”.

A esperança, que resta aos jovens de fazer política por altruísmo e devoção, é a de que a disputa eleitoral no Brasil afaste a mera repetição estéril e infecunda da vitória pela vitória, com debates já superados em outros destinos. Foram momentos dolorosos que serão revisitados, revelando a ausência de um promissor enclave político, apesar da presença de políticos respeitáveis. Com os meios atuais de comunicação, que dispomos, é possível travar a melhor peleja e rejeitar a mentira, a hipocrisia demagoga e superficial de líderes sem vocação, iracundos e ignorantes. A democracia como valor universal; as alianças no campo democrático; e o fim da intolerância, são os sinais dos tempos.

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