A MULHER DO DELEGADO
Valério Mesquita*
Macaíba é um filão inesgotável de histórias e de tipos inesquecíveis. No
final de semana reencontrei um velho amigo e conterrâneo hoje residente em
Natal. Relembrou-me antigas passagens da vida emocional da cidade. Brindamos a
vidinha de ontem e de hoje falando de coisas, de pessoas, daquela atmosfera
lírica do final dos anos cinquenta para o início dos sessenta, sob testemunho e
juramento do bom vinho do Porto. Só me pediu para que não revelasse o seu nome.
E logo me contou uma do delegado de Macaíba, homem valente e de pavio curto
designado no governo Dinarte Mariz para “resolver as pelejas políticas e as
pendências dos contrários”. Aliás, delegado político naquele tempo era o que
não faltava pelo interior do Rio Grande do Norte. Tratava-se de um tenentão,
alto, olhos azuis, namorador, arbitrário, cuja presença no cabaré inibia até
ereção. Tudo aquilo que representasse jogatina, roleta 36, jogo do bicho,
caipira, etc., era permitido desde que pagasse “dízimo” à delegacia. Mas, o
contraponto da conduta policial era proibir jogo de sinuca para os menores de
dezoito anos. Nós dois estávamos inseridos no contexto proibitório, e, por
várias vezes, batíamos em fuga com a aproximação dos marrons fardados.
Nessa época, Nelson Gonçalves desfilava os últimos sucessos que embalavam
a boemia local nas festas e nos bares. Inclusive, lembra-me o amigo, ele
estivera na cidade cantando no Pax Clube. Mas a nossa história começa no bar de
Jorge Leite da Costa que fora arrendado a uma família chegada a Macaíba, vinda
do interior. Uma garota, filha do locatário, tornou-se a sensação da cidade em
plena rua João Pessoa, coração do comércio. Rosto e pernas bonitas, olhos e
cabelos sensuais, tudo enfim, enfeitiçava a galera jovem que começou a fazer
ponto no tradicional bar de Jorge Walkiria, assim chamado por causa da marca do
seu charuto. Uma garota como Ivânia – esse o seu nome – o delegado tenente logo
iria capturá-la – à guisa de proteção às atividades comerciais da família.
Afinal, eram forasteiros. E, assim aconteceu. “Seu Delega” apaixonou-se,
comentavam as vozes da rua. E logo chegou uma radiola novinha comprada na
Importadora Omar Medeiros, Natal. A musa sentava-se à calçada ouvindo as
canções de Nelson: “a flor do meu bairro, tinha o lirismo da lua...”. O
vestidinho curto mostrava uma nudez parcial para desespero do delegado. A turma
entrava no bar mesmo sem ter o que comprar. Inventava. O fato estava atrapalhando
as missões e investigações do tenente que transferiu o seu expediente funcional
para o bar. Qualquer olhar indecoroso de algum distraído esbarrava na cara do
delegado. “O que foi que viu? Dê o fora!”.
A coisa atingiu um ponto que a delegacia se tornou um problema muito
menor do que a incolumidade física da “flor do nosso bairro”. O ciúme policial
havia chegado às raias do absurdo. Mas, só depois que um conhecido vereador foi
surrado pelo delegado, flagrado com a sua paquera em atitude libidinosa no escurinho
da esquina, é que tudo terminou. O tenente foi transferido, Nelson emudeceu, o
bar fechou e a cidade perdeu a musa que veio de longe. Dia seguinte, a
rapaziada afanosa procurava saber para onde havia partido a princesa. E teve
gente que foi atrás. Aí começa outra história.
(*) Escritor.
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