Sobre “O julgamento de Nuremberg” (II)
Hoje conversaremos mais detalhadamente sobre o filme “O Julgamento
de Nuremberg” (“Judgment at Nuremberg”), de 1961, dirigido por Stanley
Kramer (1913-2001). Esse filme, como já dito na semana passada,
dramatiza, com boa dose de ficção, um dos “julgamentos de Nuremberg”,
mais precisamente o “julgamento dos juízes”, em que membros do
Ministério da Justiça, de tribunais do povo e de tribunais especiais do
3º Reich foram acusados de abusar dos seus poderes de promotores e
juízes para cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade,
fomentando e autorizando a perseguição racial e horrendas práticas de
eugenia, entre outras coisas, levando à prisão e à morte inúmeros
inocentes.
Antes de mais nada, é preciso ser dito que “O Julgamento de
Nuremberg”, de 1961, insere-se no período de ouro dos “filmes de
tribunal” (“trial films”, com se diria em inglês), que vai dos últimos
anos da década de 1950 aos primeiros da década de 1960. São desse
período os grandes clássicos do gênero (na verdade, clássicos do cinema
como um todo). Por exemplo, são de 1957 “Doze Homens e uma Sentença”
(“12 Angry Men”), “O Homem Errado” (“The Wrong Man”) e “Testemunha de
Acusação” (“Witness for the Prosecution”). De 1959 temos “Anatomia de um
Crime” (“Anatomy of a Murder”). Já em 1960 temos “O Vento Será Tua
Herança” (“Inherit the Wind”). Por fim, em 1962, temos “O Sol é para
Todos” (“To Kill a Mockingbird”). Sobre quase esses todos filmes, aliás,
já conversamos aqui mesmo.
Por óbvio, há muita gente que não gosta de filmes antigos, sobretudo
aqueles em preto e branco. Mas não é o meu caso, já disse certa vez por
aqui. De toda sorte, do ponto de vista cinematográfico, “O Julgamento
de Nuremberg”, embora longo, com quase três horas de duração, é um filme
fantástico. E para sustentar meu ponto de vista basta lembrar que, em
1962, ele foi indicado a onze estatuetas do Oscar, entre elas as de
melhor filme, melhor direção, melhor roteiro adaptado, melhor
fotografia, melhor direção de arte, melhor ator (duas vezes) e por aí
vai. Levou dois prêmios, melhor ator (Maximilian Schell) e melhor
roteiro adaptado (para Abby Mann, 1927-2008), aos quais se somaram
alguns globos de ouro.
“O julgamento de Nuremberg” é um filme de tese – um “film à thése”,
como diriam chiquemente os franceses. Mas é também um “film d’acteurs”:
poucos filmes na história do cinema tiveram no elenco tantos monstros
sagrados. Sob a direção de Stanley Kramer, desfilam gente como Spencer
Tracy (1900-1967, no papel do juiz Dan Haywood, presidente da corte),
Burt Lancaster (1913-1994, como Ernst Janning, o principal réu e
anti-herói), Marlene Dietrich (1901-1992, como a Senhora Bertholt), Judy
Garland (1922-1969, vítima/testemunha), Montgomery Clift (1920-1966,
vítima/testemunha), Richard Widmark (1914-2008, o promotor), Maximilian
Schell (1930-2014, o advogado de defesa), Werner Klemperer (1920-2000,
um dos réus) e William Shatner (1931-, como o oficial ajudante juiz
Haywood), entre outros.
O filme é ambientado na cidade que lhe dá nome (Nuremberg) e numa
Alemanha, pós-Segunda Guerra Mundial, dividida entre as quatro potências
vencedoras do grande conflito (Estados Unidos da América, Inglaterra,
França e União Soviética). De algum relevo, embora não muito, é o papel
da própria cidade no Filme. Uma Nuremberg em parte destruída, até certo
ponto perigosa, mas, ao mesmo tempo, fotograficamente bela na sua
decadência.
No que diz respeito à música, tem-se composições como a famosa “Lili
Marleen” e outras mais de Ernst Gold (1921-1999), todas de origem
germânica, que dá uma atmosfera especial, mas bem triste a meu ver, ao
filme.
Pouco de pessoal – e aqui leia-se de não jurídico – tem o filme. O
único destaque talvez seja a “amizade” que se forma entre o juiz Dan
Haywood (personagem de Spencer Tracy) e a senhora Bertholt (Marlene
Dietrich), uma viúva que teve seu marido, um militar alemão de alta
patente, anteriormente executado pela sua atuação durante a Grande
Guerra. Uma amizade improvável forjada na adversidade. E é através da
senhora Bertholt que o juiz Haywood consegue compreender um pouco (ou
bastante) da mentalidade alemã daqueles tristes tempos.
Na verdade, sem muitos artifícios cinematográficos, muitíssimo de “O
Julgamento de Nuremberg” se passa na sala de audiência, onde nos
sentimos também confinados, como se assistindo/participando em tempo
real das sessões de julgamento. A ação quase se resume, como anota Bruno
Dayez (em “Justice & cinéma”, editora Anthemis, 2007): “a assistir o
trabalho dos personagens judiciários, na tribuna e no banco das
testemunhas […]. As cenas exteriores não nos distraem um só segundo do
tema tratado, pois elas servem apenas para ilustrar as angústias do juiz
Haywood para responder à obcecante questão: como aqueles juízes puderam
se transformar em carrascos?”.
O fato é que o filme leva bastante a sério a sua temática
histórico/jurídica, sobre a responsabilidade dos juízes na aplicação da
legislação nazista (que impunha a pureza racial, a esterilização de
pessoas etc.), levando à prisão e à morte muitos inocentes, e como punir
esses “crimes judiciais” por eles (juízes) praticados “em nome da lei”.
Mas essa temática histórico/jurídica – e outras coisistas mais –,
por falta de espaço hoje, nós só discutiremos na semana que vem.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Lai) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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