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06/02/2017

   
Marcelo Alves

 


Sobre “O julgamento de Nuremberg” (II)

Hoje conversaremos mais detalhadamente sobre o filme “O Julgamento de Nuremberg” (“Judgment at Nuremberg”), de 1961, dirigido por Stanley Kramer (1913-2001). Esse filme, como já dito na semana passada, dramatiza, com boa dose de ficção, um dos “julgamentos de Nuremberg”, mais precisamente o “julgamento dos juízes”, em que membros do Ministério da Justiça, de tribunais do povo e de tribunais especiais do 3º Reich foram acusados de abusar dos seus poderes de promotores e juízes para cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade, fomentando e autorizando a perseguição racial e horrendas práticas de eugenia, entre outras coisas, levando à prisão e à morte inúmeros inocentes. 

Antes de mais nada, é preciso ser dito que “O Julgamento de Nuremberg”, de 1961, insere-se no período de ouro dos “filmes de tribunal” (“trial films”, com se diria em inglês), que vai dos últimos anos da década de 1950 aos primeiros da década de 1960. São desse período os grandes clássicos do gênero (na verdade, clássicos do cinema como um todo). Por exemplo, são de 1957 “Doze Homens e uma Sentença” (“12 Angry Men”), “O Homem Errado” (“The Wrong Man”) e “Testemunha de Acusação” (“Witness for the Prosecution”). De 1959 temos “Anatomia de um Crime” (“Anatomy of a Murder”). Já em 1960 temos “O Vento Será Tua Herança” (“Inherit the Wind”). Por fim, em 1962, temos “O Sol é para Todos” (“To Kill a Mockingbird”). Sobre quase esses todos filmes, aliás, já conversamos aqui mesmo. 

Por óbvio, há muita gente que não gosta de filmes antigos, sobretudo aqueles em preto e branco. Mas não é o meu caso, já disse certa vez por aqui. De toda sorte, do ponto de vista cinematográfico, “O Julgamento de Nuremberg”, embora longo, com quase três horas de duração, é um filme fantástico. E para sustentar meu ponto de vista basta lembrar que, em 1962, ele foi indicado a onze estatuetas do Oscar, entre elas as de melhor filme, melhor direção, melhor roteiro adaptado, melhor fotografia, melhor direção de arte, melhor ator (duas vezes) e por aí vai. Levou dois prêmios, melhor ator (Maximilian Schell) e melhor roteiro adaptado (para Abby Mann, 1927-2008), aos quais se somaram alguns globos de ouro. 

“O julgamento de Nuremberg” é um filme de tese – um “film à thése”, como diriam chiquemente os franceses. Mas é também um “film d’acteurs”: poucos filmes na história do cinema tiveram no elenco tantos monstros sagrados. Sob a direção de Stanley Kramer, desfilam gente como Spencer Tracy (1900-1967, no papel do juiz Dan Haywood, presidente da corte), Burt Lancaster (1913-1994, como Ernst Janning, o principal réu e anti-herói), Marlene Dietrich (1901-1992, como a Senhora Bertholt), Judy Garland (1922-1969, vítima/testemunha), Montgomery Clift (1920-1966, vítima/testemunha), Richard Widmark (1914-2008, o promotor), Maximilian Schell (1930-2014, o advogado de defesa), Werner Klemperer (1920-2000, um dos réus) e William Shatner (1931-, como o oficial ajudante juiz Haywood), entre outros. 

O filme é ambientado na cidade que lhe dá nome (Nuremberg) e numa Alemanha, pós-Segunda Guerra Mundial, dividida entre as quatro potências vencedoras do grande conflito (Estados Unidos da América, Inglaterra, França e União Soviética). De algum relevo, embora não muito, é o papel da própria cidade no Filme. Uma Nuremberg em parte destruída, até certo ponto perigosa, mas, ao mesmo tempo, fotograficamente bela na sua decadência. 

No que diz respeito à música, tem-se composições como a famosa “Lili Marleen” e outras mais de Ernst Gold (1921-1999), todas de origem germânica, que dá uma atmosfera especial, mas bem triste a meu ver, ao filme. 

Pouco de pessoal – e aqui leia-se de não jurídico – tem o filme. O único destaque talvez seja a “amizade” que se forma entre o juiz Dan Haywood (personagem de Spencer Tracy) e a senhora Bertholt (Marlene Dietrich), uma viúva que teve seu marido, um militar alemão de alta patente, anteriormente executado pela sua atuação durante a Grande Guerra. Uma amizade improvável forjada na adversidade. E é através da senhora Bertholt que o juiz Haywood consegue compreender um pouco (ou bastante) da mentalidade alemã daqueles tristes tempos. 

Na verdade, sem muitos artifícios cinematográficos, muitíssimo de “O Julgamento de Nuremberg” se passa na sala de audiência, onde nos sentimos também confinados, como se assistindo/participando em tempo real das sessões de julgamento. A ação quase se resume, como anota Bruno Dayez (em “Justice & cinéma”, editora Anthemis, 2007): “a assistir o trabalho dos personagens judiciários, na tribuna e no banco das testemunhas […]. As cenas exteriores não nos distraem um só segundo do tema tratado, pois elas servem apenas para ilustrar as angústias do juiz Haywood para responder à obcecante questão: como aqueles juízes puderam se transformar em carrascos?”. 

O fato é que o filme leva bastante a sério a sua temática histórico/jurídica, sobre a responsabilidade dos juízes na aplicação da legislação nazista (que impunha a pureza racial, a esterilização de pessoas etc.), levando à prisão e à morte muitos inocentes, e como punir esses “crimes judiciais” por eles (juízes) praticados “em nome da lei”. 

Mas essa temática histórico/jurídica – e outras coisistas mais –, por falta de espaço hoje, nós só discutiremos na semana que vem. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Lai) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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