Escravidão e desenvolvimento técnico
Tomislav R. Femenick – Autor do livro “Os Herdeiros de Deus: a aventura da
navegação e os negócios da colonização” – Do IHGRN
A análise da
escravidão em geral, e em particular da brasileira, exige uma reflexão sobre o
aspecto tecnológico. Tomemos a tecnologia sob dois aspectos distintos: como
forma humana de realizar um trabalho e como emprego de técnicas
mecânico-científicas de aprimorar um serviço e a qualidade dos instrumentos de
trabalho. A plantation (sistema de exploração agrícola baseado em monocultura de exportação,
mediante a utilização de mão-de-obra escrava) era quase que
autossuficiente, e o escravo que plantava era o mesmo que cuidava, cortava,
transportava, moía a cana e participava da feitura do açúcar. Portanto, houve
ou não houve mão-de-obra especializada no sistema escravista?
Há aqui duas
situações a esclarecer. Primeiro, o trabalho escravo não incluía nenhum
progresso técnico? Segundo, era o escravo que não sabia usar novas técnicas de
trabalho? Barros de Castro (1980) foca nas inovações técnicas existentes em
alguns setores do escravismo, tais como os engenhos hidráulicos e as máquinas a
vapor. Por sua vez, Alice Canabrava (1981) afirma que “o fato mais característico apresentado (...) é a estabilidade da
técnica da feitura”.
Um visitante
do Rio de Janeiro dos anos 1828/1829, Robert Walsh (1985), comenta um fato
ocorrido em relação ao porto da cidade:
“foi importado da Europa um guindaste que possibilitava a apenas dois homens
movimentarem pesos que exigiriam o esforço de vinte; houve, porém, um violento
e eficaz protesto contra a sua utilização, já que todos os funcionários da
alfândega possuíam um certo número de escravos, até mesmo os mais humildes, que
chegavam a ter cinco ou seis cada um, sendo que todos ganhavam dinheiro com o
trabalho feito por eles”. Debret (1978) cita outra resistência, essa
passiva, à introdução de novas tecnologias: “no
Rio de Janeiro, o proprietário de escravos serradores de tábuas, partidário ferrenho
desse gênero de exploração, se recusava a instalar serrarias mecânicas em suas
propriedades”. Era uma resistência subjacente, implícita, do sistema.
Um outro
fator que favorecia a estagnação técnica da unidade produtora escravista era a
indiferença dos proprietários em modificar a situação reinante. John Mawe (1978)
diz que seria extremamente difícil introduzir melhoramentos técnicos na produção
escravocrata, por resistência até dos senhores de escravos. “Essa aversão ao progresso observei com
frequência em todos os habitantes do Brasil; quando, por exemplo, interroguei
um construtor, um fabricante de açúcar ou de sabão, ou mesmo um mineiro, quais
as razões para orientar seus interesses de maneira tão imperfeita,
indicavam-me, invariavelmente, um negro, a fim de responder às minhas
perguntas”.
Fernando
Novais (1984) chega a uma conclusão feliz para o problema da tecnologia na
escravidão: “A verdadeira questão não é
obviamente entre 'escravos’ e 'máquinas’, mas entre 'escravidão’ e 'progresso
técnico’. O ponto essencial é que o escravismo não é um sistema que funciona à base do progresso técnico; e isso não
se afirma com exemplos de que escravos, em determinadas situações, foram
empregados no manejo de instrumentos sofisticados. Seria preciso demonstrar que
o desenvolvimento tecnológico era constante, e um requisito essencial para a
reprodução do sistema (...). Por outro lado, a própria estrutura escravista
bloquearia a possibilidade de inversões tecnológicas; o escravo, por isso mesmo
que escravo, há que manter-se em níveis culturais infra-humanos, para que não
se desperte a sua condição humana – isso é parte indispensável da dominação
escravista. Logo, não é apto a assimilar processos tecnológicos mais
adiantados”.
Eventualmente
eram incorporadas à economia escravista tecnologias desenvolvidas nos países
capitalistas, bem como algumas outras nascidas no próprio seio da escravidão.
De todas elas, a que teve mais efeito no desenvolvimento da escravidão moderna
foi o descaroçador de algodão que, se por um lado, tornou mais rentável a
lavoura algodoeira, fez crescer a demanda por mais escravos no Estados Unidos e
até no Brasil.
Tribuna
do Norte. Natal, 22 jan. 2020.
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