A incrível cidade de Prata
Tomislav
R. Femenick – Autor do livro “Os
Escravos: da escravidão antiga à escravidão moderna” – Do IHGRN
Há que se falar sobre a mais incomum cidade
da América colonial. Fundada em 1541, como núcleo residencial, Potosí (então pertencente
ao Vice-Reinado do Peru e atualmente à Bolívia), teve vertiginoso
desenvolvimento quatro anos depois, devido à descoberta de veios de prata,
localizados na rota de uma antiga trilha inca. Em 1553, foi elevada à categoria
de vila, a Vila Real de Potosí. O crescimento do volume e do valor da prata
extraída de suas terras proporcionou um rápido e florescente desenvolvimento,
que transformou o antigo povoado na maior cidade da América de então, com “dezenas de igrejas e conventos, alguns
palácios, sete ou oito mil casas de jogos [...] como luxo supremo, 120 prostitutas brancas [...]. Havia sedas de todos os tipos e tecidos de
Granada, meias de sedas e espadas de Toledo, tecidos de todas as partes da
Espanha; ferro de Biscaia; [...]
tecidos bordados em seda, ouro e prata e chapéus de feltro da França; tapetes,
espelhos, móveis lavrados, bordados e cintos de Flandres; [...] armas e ferramentas de ferro da Alemanha;
papel de Gênova; [...] pinturas
religiosas de Roma” (MELLAFE, 1987). Tudo isto estava em uma paisagem estéril, um planalto desértico, a
3.976 metros de altitude, nas entranhas do Vice-Reinado do Peru. Somente a
riqueza da prata explica o afloramento desse lugar. O Rio da Prata recebeu esse
nome, por que era por ele que se escoava o metal de Potosí.
As minas de Potosí foram exploradas com
emprego maciço da mão-de-obra dos índios-varas, indígenas que se “ofereciam” para cavar
determinadas número de “varas” (antiga
unidade de medida equivalente a cinco palmos, ou 1,10m) de um veio de metal e
vender o produto aos contratantes das minas) e a técnica de “guairas” (fornos onde eram tratados os
minérios). Todo o sistema era irracional e provocava desperdício. Em 1563,
houve a descoberta das minas de mercúrio de Huancavélica, minério este que
facilita a purificação da prata não tratada. Em 1570, Potosí produziu prata no
valor de 177 mil pesos. Esse também foi o ano em que houve a mudança do sistema
de mão-de-obra utilizada em Potosí, passando-se a usar os índios “mitayos”. A mita era empregada pelos
incas contra os povos por eles subjugados e foi “aperfeiçoada” pelos espanhóis. Esse sistema de trabalho
forçado possuía um caráter oficial e se caracterizava pela concentração de
indígenas em determinados locais, sob supervisão, comando e administração dos
funcionários da realeza.
Havia, também, escravos negros. As
rotas que traziam africanos para o Vice-Reinado seguiam, em linhas gerais, o
mesmo traçado das rotas comerciais. A principal delas trazia os escravos via
Cartagena, Puerto Bello, Panamá, Callao e Lima. Os desembarques eram
primeiramente feitos em Cartagena ou Puerto Bello (às vezes poderia haver
transbordos em qualquer das duas direções), de onde os escravos – vindos da
África ou das Antilhas – eram levados para a cidade do Panamá, atravessando o
istmo, a pé. Na costa do Pacífico os negros eram novamente embarcados para o
porto de Callao. A taxa de mortandade era alta, maior do que a que sofriam os
escravos africanos, na travessia do Atlântico, quando trazidos para a América.
Em Callao a rota se bifurcava em duas direções. Alguns escravos eram remetidos
para as regiões de cultura agrícola; outros iam para Quito, no norte, ou para
as minas de Huancavélica ou de Potosí. Uma rota alternativa, estabelecida um
pouco mais tarde, realizava entradas por Buenos Aires, Tucumã ou Charcas,
trazendo escravos da África ou do Brasil. Esse era o caminho preferencial para
o tráfico de contrabando.
O século XVIII trouxe para o
Vice-reinado do Peru um período de queda na extração e exportação de minério de
prata. Potosí diminuiu sua produção de 70 para 40 toneladas/ano. As minas de
mercúrio de Huancavélica estavam praticamente esgotadas – e o mercúrio era
essencial para o processo de amálgama da prata – além de muito mal
administradas. Era necessário que novamente se fizesse importação de mercúrio
de Almadém, na Espanha, e agora também da Ístria, na Itália, e até da China. A
outrora gloriosa, imponente e frívola Cidade Imperial de Potosí – que chegara a
ter 160 mil habitantes –, a ex-maior cidade da América do Sul, em 1719 já contava
com apenas 50 mil pessoas, logo depois, somente 30 mil, dos quais poucos negros.
Tribuna
do Norte. Natal 05 jan. 2020.
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