O Leite
24/04/2017
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra
Seja bem-vindo ao Restaurante Leite. Aqui já almoçaram Joaquim Nabuco
e Gilberto Freyre, cada um no seu século, e a gente de todos os tempos.
Entre garfadas, colheradas e goles, muita história se escreveu em
desfile de artistas e políticos, pessoas importantes da cidade e de fora
dela passaram por ali. Acusado de ter o melhor bacalhau da cidade, e
também a melhor cartola.
As avaliações contemporâneas dos guias, críticos e visitantes não
deixam perder de vista as antigas que começaram com o português Armando
Manoel Leite de França, Manoel Leite, proprietário, e um arsenal digno e
importado da Europa em que assim se anotava: louça inglesa, cristais
Baccarat, talheres de prata. Cem anos de história.
Os últimos cinquenta se fizeram pelos irmãos Dias, que, em 1955,
começaram a tocar o barco e estão lá mantendo a tradição, a história e a
boa mesa. Uma tradição que afirma que quem visitou Recife e não foi ao
Leite não conheceu a cidade. Casarão de esquina, quatrocentos e vinte e
cinco mil metros quadrados, piano, bar e pouco mais de trinta mesas, com
pedras portuguesas na calçada.
Gilberto Freyre, que entendia e apreciava demais uma boa mesa,
alardeou os seus sabores finos. Aliás, tinha mesa cativa, a número 19.
Fumava charuto, bebia café e apreciava um licor. O pintor Cícero Dias,
amigo de Picasso, era freguês. E se Picasso tivesse visitado o Brasil,
provavelmente teria ido ao Leite. Jean-Paul Sartre foi. Mário de Andrade
comeu lagosta e anotou no livro o quão agradável foi o banquete.
O artista pernambucano Francisco Brennand ainda é visto lá com
frequência. Azulejos na fachada, esquadrias de madeira, a casa antiga,
que abriga, no mesmo ponto, desde a primeira e única mudança definitiva,
passou de prédio às margens do Capibaribe para a Praça Machado de
Assis, 147, bairro de Santo Antônio do Recife, fizeram-no reconhecido
patrimônio imaterial.
Dos mais antigos restaurantes do Brasil, registrou-se esse seu
pioneirismo. E ainda reserva todo o requinte de antigamente. A crônica
anota que o azeite, os guardanapos de tecido e os palitos de dente,
estes confeccionados à mão em um convento, vêm de Portugal. E não é
somente a tradição que é antiga, as cadeiras de jacarandá estão por lá
desde os mil e oitocentos, como alguns móveis e outros objetos, e nem o
piano e um pianista se perderam, completando o charme do lugar, com
espelhos e cortinas enfeitando o salão.
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