Millôr Fernandes, a indefinível irreverência
11/04/2017
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra
Era um garoto quando entrou numa redação de jornal para aprender a
fazer tudo sem saber fazer nada. E assim gradativamente foi passando do
nada ao tudo, mesmo que diga hoje, e tenha dito sempre, que não sabe
nada. Escritor de toda verve, muita pena, poucos floreios, muitas
verdades e toda graça. Incontudente, verdadeiro, sabe o que diz e diz o
que sabe, as verdades que ninguém ouve e deveria ouvir. Revela um Brasil
que sempre foi e é todo ao contrário.
Frasista inveterado, é autor de uma bíblia de frases, a Biblía do
Caos, e disse assim: “não trabalho por dinheiro, mas sem dinheiro eu não
trabalho”, boa de usar e experimentar, principalmente com patrão mau
pagador. Escreveu para o Pasquim e bombardeou a ditadura militar
brasileira tiros certeiros: ironia e humor. Também ilustrador e
desenhista. Suas sentenças de ontem servem ao Brasil de hoje.
Nona entrevista da série entrevistas imaginadas,
quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em
seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque
o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já
disseram. Aqui respostas do Millôr Fernandes, colhidas por todo canto,
em seus livros e na Bíblia do Caos.
Entrevistador: Consta que conquistamos o equilíbrio sustentável?
Millôr Fernandes: Estamos em pleno equilíbrio sustentável. No Rio se mata. Na Amazônia se desmata.
E: O cúmulo da infelicidade...
MF: Nascer com talento melódico numa época em que o pessoal só se interessa por percussão.
E: Átila ou o urbanista moderno?
MF: O que você acha pior; Átila, que, por onde passava, deixava deserto eterno, ou o urbanista moderno?
E: O Brasil é um país difícil de governar?
MF: Todos os países são difíceis de governar. Só o Brasil é impossível.
E: O que mais distancia o homem da mulher?
MF: A coisa que mais separa um homem e uma mulher é viverem juntos.
E: Diga uma coisa partilhada por todo mundo?
MF: o tempo, a vaidade e o medo.
E: Um caso de amor?
MF: Apesar da tremenda diferença de idade ela o amava profundamente e ele tinha um bilhão de dólares.
E: Alguma coisa há mais sobre o amor?
MF: O amor chega sem ser visto, mas sai fazendo aquele quebra-quebra.
E: Das porções...
MF: Todo mundo tem uma porção de amigos que detesta e alguns inimigos de que gosta.
E: Aconselha qual tipo de plástica?
MF: Tanta plástica no rosto, no seio, na bunda e ninguém ai pra inventar uma plástica no caráter.
E: Uma sugestão para acabar com o desemprego?
MF: Pra acabar com o desemprego, o Planalto tem que, primeiro, acabar com o desentrabalho.
E: Qual o problema de ficar na fossa?
MF: é que lá só tem chato!
E: Sobre o right society brasileiro?
MF: Examino mais de perto o jetset brasileiro tenho vontade de me sentar e escrever O Medíocre Gatsby.
E: Das verdades...
MF: O dinheiro fala. Mas só com gente rica.
E: O que é um gourmet?
MF: O Gourmet é o comilão erudito.
E: uma diferença sutíl...
MF: Devemos deixar claro que nenhum de nós, brasileiros, é contra o roubo. Somos apenas contra ser roubados.
E: Uma certeza?
MF: Á meia noite, no escuro da relojoaria, os relógios começam a discutir a hora exata.
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