“Perry Mason”, o seriado.
Esta semana, fazendo uma arrumação nos meus livros, acabei topando
com um conjunto de surrados romances policiais, em papel jornal e edição
de bolso, que ganhei de presente, numa caixa de papelão enorme, do
amigo Benivaldo Azevedo (uma amizade antiga, que vem dos meus pais).
Entre esses romances estão vários títulos protagonizados pelo famoso
advogado ficcional californiano (de Los Angeles) Perry Mason – “O caso
da ruiva irrequieta” (“The Case of the Restless Redhead”, de 1955), “O
Caso da Cliente Nua” (“The Case of the Sun Bather's Diary”, 1955), “O
Caso da Datilógrafa Aterrada” (“The Case of the Terrified Typist”,
1956), “O Caso da Falsa Solteirona” (“The Case of the Spurious
Spinster”, 1961), “O Caso da Concorrente Majestosa” (“The Case of the
Queenly Contestant”, 1967) e “O Caso do Anúncio Falso” (“The Case of the
Fabulous Fake”, 1969), para ser bem específico –, personagem criado por
Erle Stanley Gardner (1887-1970), ele mesmo um advogado e escritor
americano genial que merece, sozinho, uma ou mais de nossas crônicas (e
aqui já fica a minha promessa de rabiscá-las no futuro).
Esse achado (dos romances de Erle Stanley Gardner) foi o mote para
eu cumprir a promessa, feita há algumas semanas, de escrever sobre
“seriados jurídicos”, começando agora especificamente por “Perry Mason”,
o seriado.
“Perry Mason” é um pioneiro seriado ou “TV show” (como gostam de
chamar os ianques) que, originalmente apresentado pela rede de TV
americana CBS de 1957 a 1966 em 271 episódios, definiu o formato dos
seriados jurídicos (ou “courtroom dramas”) como conhecemos hoje. Um
sucesso absoluto no seu tempo, batendo recordes de audiência e
longevidade, a série foi também ganhadora de vários prêmios “Emmy”.
Muito cultuada até hoje – basta ver o seu sucesso hoje em DVD ou no
Netflix –, foi posteriormente refilmada com diferente elenco e mesmo
readaptada em filmes para TV.
O elenco do seriado original da CBS tinha Raymond Burr (1917-1993)
no papel do protagonista Perry Mason. Contava ainda com Barbara Hale
(1922-) como a secretária (de Mason) Della Street, William Hopper
(1915-1970) como o investigador particular (auxiliar de Mason) Paul
Drake, William Talman (1915-1968) como o Promotor de Justiça Hamilton
Burger, Ray Collins (1889-1965), Wesley Lau (1921-1984) e Richard
Anderson (1926-), respectivamente como os policiais Arthur Tragg, Andy
Anderson e Steve Drumm e, ainda, Michael Fox (1921-1996) como o médico
legista Dr. Hoxie. Curiosamente, Raymond Burr não era a primeira opção
da CBS para o papel de Perry Mason. Mas, por insistência do criador do
personagem, Erle Stanley Gardner, Burr terminou interpretando o advogado
Perry Mason nos 271 episódios do seriado e em mais 25 filmes para a TV.
O roteiro do seriado quase sempre é o mesmo. Após um homicídio (ou a
sugestão do cometimento deste), um inocente é preso. Perry Mason aceita
o caso da defesa. Ele investiga o caso pessoalmente, com o auxílio de
sua secretária, Della Street, e de seu detetive particular, Paul Drake. A
segunda parte do episódio normalmente se passa perante uma corte de
justiça, com Mason buscando provar que não há evidências para um
julgamento nem muito menos para uma condenação do seu cliente. Quase
sempre, como lembrado em “1001 TV Shows You Must Watch Before You Die”
(Editor Paul Condon, Universe Publishing, 2015), Mason “demonstra que
outrem que não o seu cliente cometeu o crime, o que resulta na confissão
do culpado desde o banco das testemunhas, ou mesmo numa tentativa de
fuga [do culpado], que é evitada pelo oficial presente ao julgamento”.
A técnica de Perry Mason é baseada numa metódica “colagem” de
evidências, confiando sempre na habilidade do seu investigador, Paul
Drake, de cascavilhar novos fatos. Muitas vezes, as evidências decisivas
aparecem no último minuto, com Drake invadindo a sessão de julgamento
com as informações aguardadas pelo seu chefe. E Mason, assim, consegue
extrair uma confissão de uma testemunha ou mesmo de alguém da plateia, o
que é particularmente frustrante para o Promotor de Justiça Hamilton
Burger, o grande adversário de Mason, e para os policiais detetives
Arthur Tragg, Andy Anderson e Steve Drumm. De praxe, no final, Perry
Mason, Paul Drake e Della Street se reúnem para conversar e (nos)
explicar os detalhes do caso resolvido.
Como ressalta Jeff Evans (em “The Penguin TV Companion”, Penguin
Books, 2006), “criado pelo escritor-advogado Erle Stanley Gardner em
1933, o advogado de defesa Perry Mason é memorável. Sua brilhante mente
analítica, sua vasta experiência no direito e seu refinado talento para a
advocacia capacita-lhe vencer os mais desesperançosos casos legais. Com
qualquer outro advogado, dúzias de réus estariam destinados à cadeira
elétrica. Com Mason, não apenas eles são absolvidos, mas também os
verdadeiros criminosos são responsabilizados. Admiravelmente ajudado por
sua leal e eficiente secretária, Della Street, e seu muito diligente
investigador, Paul Drake, Mason é virtualmente imbatível”.
No mais, com a música tema ao fundo – “Park Avenue Beat”, de Fred
Steiner (1923-2011) –, do princípio até o ponto em que o culpado
confessa o mal feito, inocentando o cliente de Mason, o seriado nos
prende não pela curiosidade de descobrirmos o autor do crime ou mesmo
como ele agiu, mas, sim, pelo prazer de acompanharmos a extraordinária
engenhosidade do advogado de defesa em fazer com que o verdadeiro
culpado se revele.
Por fim, conforme bem anotado em “1001 TV Shows You Must Watch
Before You Die”, Erle Stanley Gardner, tendo o seu Perry Mason levado
para a TV, acabou por inventar o protótipo do heroico advogado (de
defesa) dos seriados jurídicos de hoje, assim como o modo de proceder
destes curiosos profissionais. E talvez mais: “Perry Mason definiu a
forma como o sistema de justiça americano é retratado hoje na TV”.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
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