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09/12/2016

   
Marcelo Alves

 

“Perry Mason”, o seriado.

Esta semana, fazendo uma arrumação nos meus livros, acabei topando com um conjunto de surrados romances policiais, em papel jornal e edição de bolso, que ganhei de presente, numa caixa de papelão enorme, do amigo Benivaldo Azevedo (uma amizade antiga, que vem dos meus pais). Entre esses romances estão vários títulos protagonizados pelo famoso advogado ficcional californiano (de Los Angeles) Perry Mason – “O caso da ruiva irrequieta” (“The Case of the Restless Redhead”, de 1955), “O Caso da Cliente Nua” (“The Case of the Sun Bather's Diary”, 1955), “O Caso da Datilógrafa Aterrada” (“The Case of the Terrified Typist”, 1956), “O Caso da Falsa Solteirona” (“The Case of the Spurious Spinster”, 1961), “O Caso da Concorrente Majestosa” (“The Case of the Queenly Contestant”, 1967) e “O Caso do Anúncio Falso” (“The Case of the Fabulous Fake”, 1969), para ser bem específico –, personagem criado por Erle Stanley Gardner (1887-1970), ele mesmo um advogado e escritor americano genial que merece, sozinho, uma ou mais de nossas crônicas (e aqui já fica a minha promessa de rabiscá-las no futuro). 

Esse achado (dos romances de Erle Stanley Gardner) foi o mote para eu cumprir a promessa, feita há algumas semanas, de escrever sobre “seriados jurídicos”, começando agora especificamente por “Perry Mason”, o seriado. 

“Perry Mason” é um pioneiro seriado ou “TV show” (como gostam de chamar os ianques) que, originalmente apresentado pela rede de TV americana CBS de 1957 a 1966 em 271 episódios, definiu o formato dos seriados jurídicos (ou “courtroom dramas”) como conhecemos hoje. Um sucesso absoluto no seu tempo, batendo recordes de audiência e longevidade, a série foi também ganhadora de vários prêmios “Emmy”. Muito cultuada até hoje – basta ver o seu sucesso hoje em DVD ou no Netflix –, foi posteriormente refilmada com diferente elenco e mesmo readaptada em filmes para TV. 

O elenco do seriado original da CBS tinha Raymond Burr (1917-1993) no papel do protagonista Perry Mason. Contava ainda com Barbara Hale (1922-) como a secretária (de Mason) Della Street, William Hopper (1915-1970) como o investigador particular (auxiliar de Mason) Paul Drake, William Talman (1915-1968) como o Promotor de Justiça Hamilton Burger, Ray Collins (1889-1965), Wesley Lau (1921-1984) e Richard Anderson (1926-), respectivamente como os policiais Arthur Tragg, Andy Anderson e Steve Drumm e, ainda, Michael Fox (1921-1996) como o médico legista Dr. Hoxie. Curiosamente, Raymond Burr não era a primeira opção da CBS para o papel de Perry Mason. Mas, por insistência do criador do personagem, Erle Stanley Gardner, Burr terminou interpretando o advogado Perry Mason nos 271 episódios do seriado e em mais 25 filmes para a TV. 

O roteiro do seriado quase sempre é o mesmo. Após um homicídio (ou a sugestão do cometimento deste), um inocente é preso. Perry Mason aceita o caso da defesa. Ele investiga o caso pessoalmente, com o auxílio de sua secretária, Della Street, e de seu detetive particular, Paul Drake. A segunda parte do episódio normalmente se passa perante uma corte de justiça, com Mason buscando provar que não há evidências para um julgamento nem muito menos para uma condenação do seu cliente. Quase sempre, como lembrado em “1001 TV Shows You Must Watch Before You Die” (Editor Paul Condon, Universe Publishing, 2015), Mason “demonstra que outrem que não o seu cliente cometeu o crime, o que resulta na confissão do culpado desde o banco das testemunhas, ou mesmo numa tentativa de fuga [do culpado], que é evitada pelo oficial presente ao julgamento”. 

A técnica de Perry Mason é baseada numa metódica “colagem” de evidências, confiando sempre na habilidade do seu investigador, Paul Drake, de cascavilhar novos fatos. Muitas vezes, as evidências decisivas aparecem no último minuto, com Drake invadindo a sessão de julgamento com as informações aguardadas pelo seu chefe. E Mason, assim, consegue extrair uma confissão de uma testemunha ou mesmo de alguém da plateia, o que é particularmente frustrante para o Promotor de Justiça Hamilton Burger, o grande adversário de Mason, e para os policiais detetives Arthur Tragg, Andy Anderson e Steve Drumm. De praxe, no final, Perry Mason, Paul Drake e Della Street se reúnem para conversar e (nos) explicar os detalhes do caso resolvido. 

Como ressalta Jeff Evans (em “The Penguin TV Companion”, Penguin Books, 2006), “criado pelo escritor-advogado Erle Stanley Gardner em 1933, o advogado de defesa Perry Mason é memorável. Sua brilhante mente analítica, sua vasta experiência no direito e seu refinado talento para a advocacia capacita-lhe vencer os mais desesperançosos casos legais. Com qualquer outro advogado, dúzias de réus estariam destinados à cadeira elétrica. Com Mason, não apenas eles são absolvidos, mas também os verdadeiros criminosos são responsabilizados. Admiravelmente ajudado por sua leal e eficiente secretária, Della Street, e seu muito diligente investigador, Paul Drake, Mason é virtualmente imbatível”. 

No mais, com a música tema ao fundo – “Park Avenue Beat”, de Fred Steiner (1923-2011) –, do princípio até o ponto em que o culpado confessa o mal feito, inocentando o cliente de Mason, o seriado nos prende não pela curiosidade de descobrirmos o autor do crime ou mesmo como ele agiu, mas, sim, pelo prazer de acompanharmos a extraordinária engenhosidade do advogado de defesa em fazer com que o verdadeiro culpado se revele. 

Por fim, conforme bem anotado em “1001 TV Shows You Must Watch Before You Die”, Erle Stanley Gardner, tendo o seu Perry Mason levado para a TV, acabou por inventar o protótipo do heroico advogado (de defesa) dos seriados jurídicos de hoje, assim como o modo de proceder destes curiosos profissionais. E talvez mais: “Perry Mason definiu a forma como o sistema de justiça americano é retratado hoje na TV”. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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