Contra ou a favor?
Vivemos hoje no Brasil – e o direito não poderia ficar de fora dessa
moda – uma cultura simplista do “sou a favor” e do “sou contra”.
E, tomando por base a área do direito que mais estudo, acho que a coisa entre nós está piorando.
Outro dia, por exemplo, estive em um evento acadêmico em que se
discutiu, embora de passagem, a teoria do precedente judicial
obrigatório (teoria do “binding precedent” ou teoria do “stare
decisis”), um tema que, no Brasil, historicamente, em virtude da nossa
filiação à tradição do “civil law” (tradição romano-germânica), foi
indevidamente relegado a um segundo plano, mas que, nos últimos anos, em
razão dos conhecidos problemas da nossa prestação jurisdicional e de
mudanças na nossa Constituição e na legislação (vide, sobretudo, o novo
Código de Processo Civil), tem entrado na “pauta do dia”.
Mas tudo se deu sem o mínimo da profundidade acadêmica que o momento
exigia (afinal, estávamos numa “academia”). E, de uma hora para outra, a
discussão descambou para a simples conveniência ou não da adoção de uma
regra do precedente judicial obrigatório, sem qualquer cuidado maior
com os fundamentos e o “modus operandi” da teoria do “stare decisis”. Ou
seja, caímos no “sou a favor”, “sou contra”.
Espero que os presentes naquele encontro não fiquem chateados com
este desabafo, mas, com todo respeito, tive a impressão de que boa parte
dessas opiniões simplistas – sobretudo as desfavoráveis – decorriam da
ignorância do tema ou da repetição de velhos chavões. A sensação que
ficou, na multiplicidade de opiniões, é a de que, entre nós (na
academia, entre professores e estudantes; no foro, entre profissionais e
práticos), ainda paira no ar uma certa ignorância sobre o que é,
verdadeiramente, a doutrina do “stare decisis”. Por isso, o simples,
“sou a favor”, “sou contra”
E some-se a essa “ignorância” a questão do preconceito, muitas
vezes, quicá quase sempre, ideológico. É claro que também censuro a
simples adoção de modelos ou institutos estrangeiros, pregada por
entusiastas deste ou daquele sistema. E com a adoção da teoria do “stare
decisis”, sem qualquer discussão prévia e sem as devidas adaptações,
estaríamos encampando uma sistemática contrária às tradições e às
realidades do nosso país. Por exemplo, a simples adoção da regra do
“stare decisis” choca-se com a realidade de nossas dimensões
continentais e de nossas diferenças regionais e de um Poder Judiciário
que é composto por magistrados com valores, às vezes, os mais diversos,
acerca de uma mesma situação fática ou jurídica. E longe de mim querer
empurrar goela abaixo a mera adoção da teoria do “stare decisis” como
regra, nos moldes do “common law”. Mas não posso concordar com o
preconceito, sobretudo quando ele vem ao lado da ignorância. Defendo,
sim, um estudo aprofundado da teoria levando em consideração o saber já
consolidado do direito anglo-americano. E, com fundamento nesse estudo,
defendo, no que é chamado de interseção de sistemas, a adoção de uma
estudada teoria do precedente que seja compatível com nossas tradições
e, sobretudo, com nossa realidade.
No mais, acho que a coisa – falo dessa cultura geral do “sou a
favor”, “sou contra” –, com o advento da Internet, que “promoveu o
idiota da aldeia ao portador da verdade”, já dizia o grande Umberto Eco
(1932-2016), está piorando enormemente. Com a Internet, opinar,
criticar, ofender e mesmo esculhambar se tornou algo facílimo. E, nessa
babel, toma-se partido em tudo, mesmo que não se saiba bulhufas sobre o
tema. No que toca ao direito, isso é frequentíssimo. Estamos abarrotados
de “juristas” de plantão na rede mundial de computadores, muitas vezes
internautas sem qualquer formação jurídica. Alguns “a favor”, mas a
maioria “contra”, sobretudo se for “jogando para a galera”.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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