22/12/2016

Marcelo Alves

   
Marcelo Alves


Contra ou a favor?

Vivemos hoje no Brasil – e o direito não poderia ficar de fora dessa moda – uma cultura simplista do “sou a favor” e do “sou contra”. 

E, tomando por base a área do direito que mais estudo, acho que a coisa entre nós está piorando. 

Outro dia, por exemplo, estive em um evento acadêmico em que se discutiu, embora de passagem, a teoria do precedente judicial obrigatório (teoria do “binding precedent” ou teoria do “stare decisis”), um tema que, no Brasil, historicamente, em virtude da nossa filiação à tradição do “civil law” (tradição romano-germânica), foi indevidamente relegado a um segundo plano, mas que, nos últimos anos, em razão dos conhecidos problemas da nossa prestação jurisdicional e de mudanças na nossa Constituição e na legislação (vide, sobretudo, o novo Código de Processo Civil), tem entrado na “pauta do dia”. 

Mas tudo se deu sem o mínimo da profundidade acadêmica que o momento exigia (afinal, estávamos numa “academia”). E, de uma hora para outra, a discussão descambou para a simples conveniência ou não da adoção de uma regra do precedente judicial obrigatório, sem qualquer cuidado maior com os fundamentos e o “modus operandi” da teoria do “stare decisis”. Ou seja, caímos no “sou a favor”, “sou contra”. 

Espero que os presentes naquele encontro não fiquem chateados com este desabafo, mas, com todo respeito, tive a impressão de que boa parte dessas opiniões simplistas – sobretudo as desfavoráveis – decorriam da ignorância do tema ou da repetição de velhos chavões. A sensação que ficou, na multiplicidade de opiniões, é a de que, entre nós (na academia, entre professores e estudantes; no foro, entre profissionais e práticos), ainda paira no ar uma certa ignorância sobre o que é, verdadeiramente, a doutrina do “stare decisis”. Por isso, o simples, “sou a favor”, “sou contra” 

E some-se a essa “ignorância” a questão do preconceito, muitas vezes, quicá quase sempre, ideológico. É claro que também censuro a simples adoção de modelos ou institutos estrangeiros, pregada por entusiastas deste ou daquele sistema. E com a adoção da teoria do “stare decisis”, sem qualquer discussão prévia e sem as devidas adaptações, estaríamos encampando uma sistemática contrária às tradições e às realidades do nosso país. Por exemplo, a simples adoção da regra do “stare decisis” choca-se com a realidade de nossas dimensões continentais e de nossas diferenças regionais e de um Poder Judiciário que é composto por magistrados com valores, às vezes, os mais diversos, acerca de uma mesma situação fática ou jurídica. E longe de mim querer empurrar goela abaixo a mera adoção da teoria do “stare decisis” como regra, nos moldes do “common law”. Mas não posso concordar com o preconceito, sobretudo quando ele vem ao lado da ignorância. Defendo, sim, um estudo aprofundado da teoria levando em consideração o saber já consolidado do direito anglo-americano. E, com fundamento nesse estudo, defendo, no que é chamado de interseção de sistemas, a adoção de uma estudada teoria do precedente que seja compatível com nossas tradições e, sobretudo, com nossa realidade. 

No mais, acho que a coisa – falo dessa cultura geral do “sou a favor”, “sou contra” –, com o advento da Internet, que “promoveu o idiota da aldeia ao portador da verdade”, já dizia o grande Umberto Eco (1932-2016), está piorando enormemente. Com a Internet, opinar, criticar, ofender e mesmo esculhambar se tornou algo facílimo. E, nessa babel, toma-se partido em tudo, mesmo que não se saiba bulhufas sobre o tema. No que toca ao direito, isso é frequentíssimo. Estamos abarrotados de “juristas” de plantão na rede mundial de computadores, muitas vezes internautas sem qualquer formação jurídica. Alguns “a favor”, mas a maioria “contra”, sobretudo se for “jogando para a galera”. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

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