VALEU A PENA, A
ALMA NÃO FOI PEQUENA
Valério Mesquita*
Semana
passada fui me reencontrar com os meus pais em Macaíba. Não , apenas,
no velho cemitério de São Miguel na praça da Saudade. Mas, principalmente, na
residência antiga da rua Francisco da Cruz, 39, hoje, Casa da Cultura “Nair de
Andrade Mesquita”. Visitei-a com os meus filhos. Naquela manhã, constatei que o
passado não morre. Ele persiste em cada ambiente, em pessoas que revi e ruas
que cruzei. Os seus netos não o conheceram em vida. Enquanto visitavam
os compartimentos, quedei-me em reflexões sobre a vida pública, percebi que
guerreiros são pessoas tão fortes, quanto frágeis. Com toda carga política do
seu tempo sobre os ombros, no fundo do peito era um menino nos momentos de
remanso e de turbulência. O sonho perfeito que sonhou para Macaíba
consubstanciou-se, certa vez, no amor que dedicou a uma ave presenteada por
amigo e que passou a criá-la ali no jardim.
Era
uma asa branca que obedecia a sua voz. Inexprimível emoção sentia ao chamá-la,
sentado na sala de visita para lhe oferecer alpiste. Longe se ser um fato
superficial, aquilo se revestia na busca do silêncio e da serenidade. Nada além
do que desejava sentir e sofrer. O pequeno animal lhe arrancava uma luz
especial que refletia sobre o homem político que enfrentava lá fora o
imensurável e o irracional. Alimentá-la e acariciá-la significavam a gratuidade
e a correspondência confortadora de gestos que não achava, algumas vezes, no
trato político com os humanos.
Numa
tarde que caía devagar, voltava de sua granja nos arredores de Macaíba. A pé,
cigarro à boca (que tanto lhe fez mal), deparou-se no jardim com a tragédia
devastadora e o rigor do susto: a asa branca despedaçada, jazia no pedestal da
estátua Minerva. Um gato cruel e sorrateiro fora o protagonista do “avicídio”. Essa
dor, despontou como uma ferida desaguando no sofrimento que definiu nele –
contraditoriamente - a beleza do seu sentimento.
Deduzi
naquela manhã de novembro, que um guerreiro também chora. De outra feita, na
última batalha que travou, enfrentando o poder e a riqueza dos adversários,
mas, sem dinheiro e sem bens para custear a campanha, foi visto chorando no
quintal da casa de um compadre gravemente enfermo. Alfredo Mesquita havia constatado
que não dispunha de recursos para salvá-lo. Manoel Dantas de Medeiros e Pedro
Luiz de Araújo (ainda vivos), testemunharam aquele momento insuportável de
aflição e indigência. Quero afirmar que a tristeza da vida pública de qualquer
um não termina com a morte ou com o pretenso fracasso eleitoral. A síntese da
vida que prevalece é a dimensão do amor à terra e as imagens nítidas que não se
esgotam, tanto nos relatos das vozes que ecoam, como nos olhos úmidos das revelações
repentinas. Dele nos sobrou o exemplo. O empobrecimento paulatino de sabê-lo
livre e isento. Modelo que muitos não conseguiram no universo político de
escolhas: a capacidade de ser honesto.
Por
isso, sobre ele, ouso afirmar, que apesar de tudo, doou-se para ser feliz. A
firmeza do seu temperamento e das atitudes assumidas, muitas vezes,
ocasionaram-lhe danos e perdas políticas e patrimoniais. Viveu mais na oposição
do que na situação. Em 1950, para o governo do estado ficou com Manoel Varela
que perdeu para Dix-Sept; em 1955 apoiou Jocelin Vilar derrotado por Dinarte
Mariz; em 1960 acompanhou Djalma Marinho vencido por Aluizio; e em 1965,
permaneceu com Dinarte suplantado por Walfredo Gurgel. São raríssimos no Rio
Grande do Norte os políticos que tiveram a coragem imutável de sobreviver a
tantas adversidades políticas. O sofrimento, sangrava mas não se curvava ao
governo. O sonho mais que perfeito foi Macaíba. Nasceu, viveu e está sepultado
lá, ao lado de sua companheira de toda a vida Nair de Andrade Mesquita, no
túmulo dos seus pais, com os irmãos Paulo Mesquita e Amélia Násia Mesquita
Meira, além do filho Carlos Mesquita. “Tudo vale a pena quando a alma não é
pequena”. A frase de Fernando Pessoa imprime não a lápide fria no campo dos
mortos mas a memória viva da história política de Macaíba construída com
grandeza de caráter. Por isso o relembro no tempo e no espaço, onde hoje
residiu. Homenageio Alfredo Mesquita Filho e Nair de Andrade Mesquita, na
passagem ligeira do dia de finados. Câmara Cascudo disse, imerso nas brumas de
sua longevidade que “era uma saudade em vida agarrada ao sonho de continuar a
viver”. Não há força mais dramática na vida do ser humano do que a do senso
trágico da sua própria brevidade. Daí, como heróis anônimos, ao longo do tempo,
se tornaram referência dentro da história política e social do município. Como
filho, revivo e revejo as recordações limpas e as ilusões legítimas que um dia
viajaram com eles.
(*) Escritor.
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