Geraldo S. Queiroz ,
Testemunho:
OTTO GUERRA - UM HOMEM QUE HONRAVA AS PALAVRAS
Geraldo dos Santos Queiroz.


Ainda hoje conservo em aberto, na antiga carteira profissional, um contrato de trabalho com o jornal A ORDEM, de 1966. Mantenho-o nos mesmos termos, como relíquia e com respeito e admiração por quem o assina como empregador: Otto de Brito Guerra. Além disso, representa para mim fonte de reminiscências de um jovem ainda estudante e a lembrança de decisões importantes que tive de assumir perante a vida, para as quais contei com sua atenção e apoio.
Um ano antes, o Banco do Brasil convocara-me juntamente com outros concursados, para assumir funções na agência de Caicó. Era meu primeiro emprego. Apesar de reconhecer promissora a atividade profissional exercida e rica a experiência humana vivenciada naquela cidade seridoense onde me integrei perfeitamente a sua comunidade, a conclusão do curso superior da Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza naquele ano impunha uma decisão a ser tomada por mim: pedir demissão. Consultado sobre a viabilidade de transferência para Natal, ou de me liberar para concluir o curso com o compromisso de voltar a Caicó tão logo o terminasse, o Banco já descartara.
Na busca de alternativas que me ajudassem a amadurecer a posição a ser assumida, procurei A ORDEM. Queria saber se havia interesse do jornal em me aproveitar naquele momento, fazendo integrar ao conteúdo teórico apreendido na Faculdade a prática de caráter profissional oferecida pelo jornal. Lá fui recebido por Dr. Otto. A abertura para o diálogo demonstrada em sua acolhida deixou-me à vontade para expor o problema e todos os “grilos” que me perturbavam. Apesar da diferença de nossas idades, seu jeito simples, fraterno, e sua capacidade de ouvir deixaram-me em total liberdade, como se amigos fôssemos há muitos anos. De lá, saí com vários questionamentos a partir das reflexões suscitadas didaticamente por ele, como bom educador que era, e uma resposta: a certeza de vir a compor a equipe coordenada pelo jornalista Tarcísio Monte, caso a posição assumida definitivamente por mim fosse o desligamento do Banco.
Hoje, 50 anos depois, revendo os assentamentos registrados na velha carteira de trabalho, observo que apenas cinco dias constituíram o tempo entre o ato final do meu desligamento e a admissão, em 25 de janeiro de 1966, como redator naquele periódico da Arquidiocese de Natal. Surpreendeu-me nessa época, além da capacidade de diálogo de Dr. Otto, a agilidade com que o seu compromisso fora assumido. Desde então, passei a vê-lo não apenas como o respeitável intelectual e diretor do jornal, mas acima de tudo – traduzindo de forma simples e sem rodeios – como um homem de ação que honrava suas palavras.
Já desligado do jornal e no exercício de outras funções públicas, como a de Deputado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, compondo a minúscula bancada do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) na época do regime militar, procurei-o em várias ocasiões com a finalidade de discutir proposições, procedimentos e o difícil momento político nacional. Sempre fui recebido com a mesma serenidade, a mesma disposição para o diálogo e o mesmo vigor com que compartilhava também as suas dúvidas, tal como havia externado em nosso primeiro encontro. As reflexões construídas a partir do diálogo funcionavam como orientação para que eu pudesse amadurecer posicionamentos e as decisões possíveis de assumir naquele momento incerto da vida nacional.
Depois, no âmbito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tivemos a oportunidade de conviver mais de perto e participar de ações que marcaram definitivamente a instituição, tornando-a ainda maior. Lembro-me das duas primeiras Feiras de Arte, Ciência e Tecnologia, realizadas no Reitorado do professor Genibaldo Barros, em 1984 e 1985. Nesse período, eu assumia a Pró-Reitoria de Extensão Universitária, instância responsável pela coordenação daqueles eventos, cujo grande mérito era o envolvimento de toda a comunidade acadêmica e segmentos representativos da sociedade norte-rio-grandense na discussão de nossa realidade, em particular a seca como problemática comum ao nordeste brasileiro. No encerramento da primeira, realizada de 19 a 23 de março de 1984, constou da programação a participação do economista Celso Furtado, oportunidade que lhe foi dada para retorno ao Brasil depois de vários anos de exílio na França. No mesmo evento, Dr. Otto lançava Tragédia e Epopeia do Nordeste, livro que demonstra a sua antiga e histórica preocupação com o tema. Nele são reproduzidos artigos publicados em A ORDEM no período de 1948 a 1953.
Hoje, além da velha carteira de trabalho, conservo em minhas estantes seus livros e as dedicatórias que os tornam parte inalienável do meu patrimônio de afeto e bem-querer. Leio cada uma delas, releio e me detenho nesta, firmada por ele em 7 de agosto de 1992, talvez no último lançamento dos livros que escreveu: “Ao meu prezado amigo, Reitor Geraldo Queiroz, com admiração e gratidão”. Nela está presente e me comove outra grande característica de Dr. Otto: a generosidade.
Natal, abril/2012
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19 comentários
Comentários
Marta Guerra Obrigada, Geraldo. A gratidão é virtude de poucos...
Artur Marinho de Medeiros Dr. Otto é um dos meus tipos inesquecíveis! Poucas pessoas conheci tão generosas e integras como ele. Sinto muita falta dele e das conversas que tínhamos... Que mal pergunte: a quantas anda o Instituto Otto Guerra? Abraço, Geraldo, AM
Carlos Alberto Dos Santos Fosse apenas pela gratidão, a manifestação pública já seria digna do homenageado e de quem o homenageia. Mas, para além dessa generosidade o texto comove pela sua qualidade literária, pelo seu poder de nos circunscrever em sentimentos tão pessoais, como se fôssemos os agentes, de um lado ou de outro.
Walter Medeiros Belo testemunho, Geraldo S. Queiroz. Tive a honra de ser aluno do professor Otto, no curso de Direito da UFRN.
Iaperi Araujo Me sinto honrado em estar nessa foto.
Hermano Machado Infelizmente não tive a sorte de ser aluno de dr otto mas convivi na época em q fiz uma pesquisa sobre agricultura e quando ele foi vice reitor gde homem e pssoa admirável concordo com você.
Juan De Assis Almeida Belíssimo texto, Prof. Geraldo S. Queiroz!! Agradeço pela marcação. Vejo, a partir de relatos, como o seu, como o Prof. Otto Guerra marcou diversas gerações de jovens universitários e é um nome que não se pode olvidar quando se fala em memória e histór...Ver mais
Carlos D Miranda Gomes Momento histórico inesquecível. Saudades do Dr. OTTO.
Carlos D Miranda Gomes Concordo integralmente com a sua colocação.Saudade do Dr. OTTO DE BRITTO GUERRA.

Em Segunda-feira, 21 de Novembro de 2016 12:15, Juan De Assis Almeida no Facebook <update+ivdlecde@facebookmail.com> escreveu:
...Ver mais
Aldanir Araujo Que beleza de homenagem, Geraldo. Parabéns !
Aldanir Araujo Em tempo, lembro que na infância / adolescência convivi com os filhos, Na José Pinto. Gente boa e honrada saindo pelo "ladrão".
Jose Domingos Neto Neto ACIMA DE TUDO U GRANDE HOMEM, MAIS UMA CELEBRIDADE DA UFRN. PARABÉNS PROFESSOR GERALDO POR NOS PROPORCIONAR TAMANHA RIQUEZA FATOS DE NOSSA UFRN.
João Maria Freire Professor Geraldo, A PÁ-LAVRA, você não é lavoura mas gosta da terra.
Marcos Toscano de Araújo Caro amigo Geraldo, você foi, bastante, feliz nas suas reminiscências. Portanto, peço sua anuência para abonar o texto.
Gildete Moura Figueiredo Dr. OTTO GUERRA era o Reitor qd entro na UFRN na qualidade de BOLSITA, por ser aluna do Curso de Direito; e iniciando essa função na Biblioteca da Faculdade de Direito ali passava o dia: pela manhã o Curso, a tarde 04 horas na Biblioteca, conhecendo um...Ver mais
Paulo Oliveira Dr. Otto, um homem digno. Conheci de perto o dr. Otto quando em 1959 ingressei na Faculdade de Direito !!!!
Jomar Morais Belo registro, caro Geraldo S. Queiroz. Não tive o privilégio de conviver com o Otto Guerra. Entrei para a Redação de "A Ordem" aos 14 anos de idade, pelas mãos do Tarcísio Monte, no período em que o Otto já não aparecia no jornal. Mas sempre soube d...Ver mais
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Carmen Lúcia Muito bonita sua trajetória querido Geraldo! Como eu o admiro e lhe quero bem! Qnto a Dr. Otto Guerra, que não conheci.... penso como seria bom se existissem muitos Ottos na vida das pessoas onde além de enriquece-las promoveria uma comunhão de grandes talentos como foi no caso de vcs! Bjos 💋
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Paulo Araújo E eu, curiosamente, como um jovem estudante no início dos anos 90, hoje um Sociólogo, Mestre em Ciências Sociais, e futuro Advogado (retornei à UFRN e curso o 8o. Período de Direito), guardo os meus sentimentos de simpatia e respeito pelo senhor, a quem aprendi a admirar como Reitor e pessoa, ainda que divergindo politicamente nalguns momentos, mas que sempre nos tratou com o devido e merecido respeito e espírito democrático, sentimentos estes que parecem ter sido menosprezados pela intelectualidade petista que assumiu as rédeas da nossa UFRN. Abraços!
Carlos D Miranda Gomes
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Carlos D Miranda Gomes
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