MISÉRIA –
Dona
Miséria, uma senhora de oitenta anos, morava sozinha num casebre de
taipa, coberto de palha de coqueiro. Vivia na mais completa pobreza.
Seu maior bem era uma mangueira, que ela mesma havia plantado, e que
lhe garantia alimentação. Entretanto, a mangueira lhe causava muitos
aborrecimentos, pois, diariamente, era assaltada pelos moleques da
redondeza. As mangas eram sempre furtadas, e não adiantavam as
reclamações da mulher.
Certa
noite, quando chovia muito, parou à porta do casebre de dona Miséria um
homem maltrapilho, que lhe pediu abrigo até o amanhecer. A senhora, que
tinha um grande coração, deu-lhe sua manta para que se cobrisse e o
único pão que garantiria sua fome, dividiu com ele. Quando o dia
amanheceu, o caminhante despediu-se de dona Miséria e, para sua
surpresa, perguntou-lhe qual era o seu maior desejo. Queria
recompensá-la pela acolhida. A mulher, sentindo-se diante de um gênio,
falou:
O meu maior desejo é ver os ladrões das minhas mangas ficarem presos na mangueira, só podendo descer com a minha ordem.
“Será cumprido o seu desejo.” -disse o caminhante.
Ignorando
o dom que dona Miséria recebera do gênio, os garotos, como faziam
diariamente, logo cedo atacaram a mangueira, mas tiveram o dissabor de
não poder descer. Dona Miséria ouviu o choro deles, que aflitos lhe
pediam ajuda. Juravam que nunca mais viriam furtar suas mangas. O
castigo serviu-lhes de lição.
Depois
que os meninos desceram da mangueira, sob as ordens de dona Miséria,
eis que chegou à sua porta outro caminhante, com aspecto sinistro e
asqueroso, vestido de preto e trazendo uma foice debaixo do braço.
Dona Miséria perguntou-lhe o que queria. O homem respondeu com arrogância:
-Sou a Morte. Vim buscar você, e estou com pressa…
“Por que tão de repente? Deixe que eu viva mais alguns anos!” – implorou dona Miséria.
“Não pode ser… Sua hora chegou…” – respondeu o assombroso andarilho.
“Pelo menos me deixe saborear algumas frutas da minha mangueira!”
-Apenas isso vou conceder. Também quero saborear essas frutas – disse o indesejável visitante.
Confiando no dom que lhe dera o gênio, a quem acolhera naquela noite chuvosa, a mulher pediu:
“Quero que me faça a caridade de subir à mangueira e colher as mangas!”
A Morte subiu, mas a senhora, usando o dom que recebera, disse logo:
“Fique aí em cima, até que eu lhe ordene que desça!
A
Morte ficou presa na mangueira, durante vários dias. Nesse espaço de
tempo, não morreu ninguém no lugarejo. O médico, o dono da farmácia, o
dono da funerária e o padre andavam tristes com o que estava
acontecendo. A Morte implorou a dona Miséria para que a deixasse descer
da mangueira. Prometeu-lhe, então, que lhe pouparia a vida. E cumpriu
com a sua palavra.
A Miséria nunca morreu. Enquanto o mundo for mundo, a Miséria sempre existirá, como uma praga da humanidade.
Violante Pimentel – Escritora
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