SOBRE O RIO MOSSORÓ (história, geografia e cartografia)
Tomislav R. Femenick - Historiador
Cortando o chão seco, pedregulhento e quase sempre gretado pelo
calor do sol da zona oeste, corre o rio Apodi-Mossoró. Ontem, mais que
hoje, ele tinha um papel determinante na existência dos seres que
habitavam nas cercanias de sua bacia hidrográfica, que ocupa 28,5% da
superfície do Estado, sendo a maior da Província, com cerca 18.100 km². É
o segundo em extensão do Estado, com aproximadamente 164 quilômetros.
Nasce na serra de Luís Gomes, no sudoeste do Rio Grande do Norte,
próximo à divisa com a Paraíba, percorre 51 municípios e é alimentado
pelas águas que escorrem da Chapada do Apodi, pelos riachos Bonsucesso,
Cabelo Negro, São Raimundo e Pai Antônio e, ainda, por águas de riachos,
córregos e extravasadas de açudes e barragens construídas em seu leito.
Possui um único afluente, o rio Upanema ou do Carmo. Deságua no Oceano
Atlântico, quando faz o limite entre os Municípios de Grossos e Areia
Branca, com uma vazão de cerca de 360 milhões m³/ano. O escoamento é
iniciado no mês de março, diminuindo, paulatinamente, nos meses
seguintes, até se tornar nulo de novembro a fevereiro.
Na sua forma natural é um rio de regime temporário, não perene. No
seu percurso alimenta alguns reservatórios naturais – neles se
destacando a Lagoa de Apodi, circundada por terras de boa fertilidade –,
corta a cidade de Mossoró no sentido sudoeste-nordeste, apresentando-se
sinuoso nessa região e com várias lagoas nas proximidades de suas
margens. Sua várzea apresenta larguras apreciáveis, da ordem de 500 a
1000 metros, porém vez ou outra se estreita, formando gargantas por
onde, nas cheias, a água corre com mais violência.
Segundo Cascudo (1955, p. 15), na geografia há referências sobre o
rio, que datam desde os primórdios do Brasil colônia. Nesse caso,
estariam o Mapa de Nicolo (Nicolay) de Canerio Januensis, elaborado em
1505, que apresenta uma foz, como sendo do rio Sta. Maria da Rabida; as
Cartas Marear de Pedro Reinel e Jorge Reinel, de 1516 e 1519,
apresentam-no como o Rio de São Miguel (Sam Miguell); o Padrão Real de
Alonso Chaves, de 1536, como o rio grande de Sainet Migiel, e o Tratado
de Gabriel Soares de Souza (1587, p. 15), também dá o nome de São Miguel
“a um rio volumoso que só pode ajustar-se ao Apodi-Mossoró”. Cascudo
diz que:
“O topônimo Mossoró não aparece ainda na cartografia do século XVII.
O Rio popular é o Upanema, Opanama, Opunamà, o Ywmanim, Ipanim, Ipiuim,
Wapanem, Iwypanema dos mapas holandeses seiscentistas [...]. Verdade é
que surge um rio “Murggeron” e “Mouggerou” (Johannes Jansson, 1653, de
[Frederick de] Wit, 1871, o mapa que acompanha a “Descrition des Indes
Occidentales”, de [Joannes de] Laet, 1625, 1640) que poderia ser um
“Mossoró” deturpado e confuso. Mas não creio tratar-se do topônimo. O
nome não era tão vivo nesse tempo”.
O francês Guillaume de Delisle, em sua “Carte de la Terre Ferme du
Perou, du Bresil et du Pays des Amazones dressé sur les Descriptions de
Herrera de Laet, et des PP. d'Acunã, et M. Rodriguéz et sur plusieurs
relations et observations posterieures” (Provavelmente retirada do
“Atlas Geographique & Universel avec la Géographie Ancienne &
Moderne”), de 1720, faz referência ao Ywipanem rio Ipanen. José
Monteiro de Carvalho, no Mapa dos confins do Brasil, com as terras da
Coroa de Espanha na América Meridional, cita Ipanenin. No Mapa de todo o
vasto Continente do Brasil ou América Portuguesa com as Fronteiras
respectivamente constituídas pelos Domínios Espanhóis adjacentes,
publicado em 1778 por Penalva do Castelo, é encontrado o “Rio Ipanema ou
das Salinas” (Inácio, 1999, p. 31).
Em 1810, o rio ainda era mais conhecido com “Panema” ou “Upanema ou
Salinas”, como citado por Koster (1942, p. 153 e 2ª prancheta). Sete
anos depois, em 1817, De Casal (1947, vol. II, p. 212; 1976, p. 279)
cita e descreve o rio com o nome de Rio Apodi somente:
[...] “ao qual dão quarenta léguas de curso, noutro tempo Upa¬nema,
nome que hoje se apropria a outro menor, que se lhe une pela margem
direita, três léguas acima da embocadura, corre quase sempre por terreno
plano, onde há várias lagoas, que pouco a pouco lhes restituem as
águas, que suas cheias lhes introduziram. Tais são entre outras a
denominada Apanha-peixe, que tem uma légua de circuito. Paco, um pouco
menor; a da Freguesia das Varges, que tem seis milhas de comprido, e
pouca largura. Todas secam nos anos que não são chuvosos. Grandes canoas
sobem até o Arraial de Santa Luzia, situado sobre a margem esquerda,
seis léguas longe do Oceano. Deste sítio para baixo, estão as famosas
salinas de Mossoró, cujo sal é alvo como a neve, e faz que aquelas
paragens sejam vistosas e povoadas, e o rio visitado por grande número
de embar¬cações, que o transportam a diversas partes”.
O rio Mossoró ou Apodi-Mossoró somente se firmou com o nome atual em
1857, quando a Marinha do Brasil realizou o primeiro estudo importante
das costas brasileiras, fazendo o levantamento hidrográfico entre a foz
do rio Mossoró e a foz do rio São Francisco. Esse trabalho foi elaborado
pelo capitão de fragata Manoel Antônio Vital de Oliveira (1862). |
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