Minhas livrarias em Buenos Aires (II)
Como prometido na semana passada, quando iniciei este nosso “tour”
por livrarias e sebos de Buenos Aires, hoje apresento mais alguns dos
meus “achados livrescos” – penso que os melhores – na capital argentina.
E se na semana passada comecei partindo do microcentro da cidade em
direção ao bairro da Recoleta, hoje faço o caminho inverso, partindo da
região mais afastada de Palermo (Soho e Hollywood), para, ao final, como
vocês verão, retornar ao centro da cidade.
Palermo (especialmente suas subáreas apelidadas de “Soho” e
“Hollywood”) fica a nordeste do centro de Buenos Aires. Assim como a
Recoleta, embora não tão central, é “cool”, chique e ao mesmo tempo
descolada, com comércio e vida noturna animadíssimos. Seus bares e
restaurantes (gostei demais do La Cabrera) são do balacobaco. Para
chegar lá, além da opção do táxi, sugiro tomar um metrô até a estação
Plaza Italia e caminhar sentido norte, pela Calle Thames, perdendo-se
aqui e acolá – como animadamente fizemos, finzinho de tarde, por
sugestão minha – até a Praça Cortázar, em torno da qual a coisa ferve.
Foi nessa caminhada que, sem intenção alguma, topamos com várias
livrarias, algumas misturas de bistrô (com bons vinhos e comida),
cafeteria e comércio de livros, todas agradabilíssimas. Eis as que mais
gostei: Libros del Pasaje (Calle Thames, 1762), Dain Usina Cultural
(Calle Nicaragua, 4899) e Eterna Cadencia (Calle Honduras, 5582). Mas
são muitas as opões de livrarias, quase todas nesse mesmo estilo, por
esse bairro da moda. Caminhe sem neura, escolha a(s) do seu agrado e,
sem pressa, desfrute a coisa.
Encerrada a perambulação por Palermo, minha sugestão é que
retornemos ao centro da cidade, de preferência na manhã do dia seguinte,
para uma visita à livraria mais interessante – essa é minha opinião –
de Buenos Aires: a Librería de Ávila, que fica no número 500 da Calle
Adolfo Alsina, no tradicional bairro de Montserrat (estações de metrô
Bolivar, Peru ou Plaza de Mayo). Antes de mais nada, a Librería de Ávila
é cheia de história. Ocupa o local onde outrora funcionou a famosa
Librería del Colegio (assim denominada em homenagem ao Colegio Nacional
de Buenos Aires, a instituição de ensino mais antiga da Argentina,
fundada pelos jesuítas), oficialmente aberta em 1830 e tida como a
primeira livraria de Buenos Aires (entretanto, registre-se que, antes
mesmo de 1830, funcionou no local um estabelecimento comercial, chamado
“La Botica”, que vendia de tudo, inclusive livros). Políticos (incluindo
Presidentes da República), cientistas, intelectuais e, sobretudo, os
grandes escritores argentinos de outrora foram habitués da Librería del
Colegio. O prédio original foi demolido em 1926 e outro, mais pomposo,
foi no seu lugar erguido. De toda sorte, o local restou relacionado às
letras. Na década de 1990, o livreiro Miguel Ávila (que dá nome à “nova”
livraria) comprou o negócio. Recuperou o prédio com um trabalho
minucioso. Comercializando livros novos, seminovos e usados, o acervo da
Librería de Ávila é grande e variado. Há toda uma sessão de livros
raros e esgotados (mas isso fica para os entendidos nessa arte). E há
muita coisa de história (sobretudo argentina e latino-americana),
filosofia, antropologia, linguística, literatura, cinema, nas ciências
humanas em geral, pode-se dizer. “Declarada Lugar Histórico Nacional por
decreto de la Presidencia de La Nación y Sitio de interés cultural por
el Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires” (como consta da sacola que ela
disponibiliza para carregar os livros adquiridos), a Librería del
Colegio/de Ávila é realmente imperdível para os amantes de livros. E
isso sem falar que na sua vizinhança estão algumas das mais famosas
atrações da cidade, como o lindo Cabildo de Buenos Aires, a Catedral
Metropolitana, Plaza de Mayo, a Casa Rosada, o Manzana de las Luces, o
Mercado de San Telmo, o já citado Colegio Nacional de Buenos Aires e por
aí vai.
Por fim, antes de encerramos o dia, devemos ir em busca das
livrarias jurídicas, muito embora seja a contragosto, eu logo confesso,
que deixo Librería de Ávila e os seus arredores em busca de livros tão
enfadonhos. A vantagem é que, para tanto, não precisamos sair do centro
de Buenos Aires. As livrarias jurídicas se concentram ali, perto do
Obelisco, quase por detrás do Teatro Colón, mais precisamente ao
derredor do Palácio de Tribunales. É muito fácil chegar lá a pé (estando
ali pelo centro, é claro) ou tomando o metrô para a estação Tribunales.
De logo, posso sugerir pelo menos três ótimas livrarias jurídicas
nessa região (mas por ali há outras, é certo), quase vizinhas uma da
outra, que, para nossa felicidade, aceitam pesos, dólares e reais (nos
dois últimos casos com uma conversão muito boa para nós). A primeira
delas é a Cathedra Jurídica, que está no número 1280 da Calle Lavalle.
Não é grande nem pequena. Mas tem um acervo de livros técnicos muito
bom, em vários ramos do direito, notadamente os ramos mais novos dessa
ciência. Foi ali que comprei, não sei bem o porquê (suspeito que
inconscientemente com saudade do meu cão querido, o grande Capote), os
livros “El derecho de los animales” e “Los animales no humanos”, que,
qualquer dia desses, leio e comento para vocês. Esse novo ramo do
direito, sem dúvida, é promissor. No número 427 da Calle Talcahuano fica
a Librería del Jurista, que, além de livros de direito, vende também,
embora em menor quantidade, títulos de economia, história e outras
ciências mais. É pequenina, mas contém coisas interessantes a um preço
muito bom. Acho que foi ali, mas posso estar enganado, que comprei o
livro “Tres jueces”, que contém o conto/novela, “El juez Surra”, de
grande Andrea Camilleri (1925-). Na interdisciplinariedade entre direito
e literatura, onde hoje milito, isso foi um achado. E na mesma Calle
Talcahuano, no número 485, fica a livraria/editorial IBDEF. Também não é
grande. Mas é excelente. Tão boa que ali acabei comprando um livro em
português, publicado no Brasil por Ricardo Lenz Editor, “Os Criminosos
na Arte e na Literatura”, do penalista e criminologista italiano Enrico
Ferri (1856-1929), que há muito tempo desejava. Curiosíssimo o livro de
Ferri, para dizer o mínimo.
Entretanto, o melhor mesmo na região são as bancas (tipo bancas de
jornal) que, levando em consideração a histórica desvalorização do peso
argentino, vendem livros jurídicos, novos e usados, a preços (quase) de
banana. Foi ali que adquiri, novinho em folha e muito barato, uma
verdadeira preciosidade (que sequer tinha ouvido falar): o livro
“Imaginar la ley: El derecho en la literatura”, organização de Antoine
Garapon y Denis Salas e publicado pela Editorial Jusbaires com o apoio
do Poder Judicial de la Ciudad de Buenos Aires/Consejo de la
Magistratura. E se existe uma coisa que me arrependo na minha estada em
Buenos Aires foi não ter reservado mais tempo para garimpar
preciosidades naquelas maravilhosas bancas.
E dito isso, já exausto, paro por aqui. É hora de um bife de chorizo e umas (muitas, talvez) “copas” de vinho. Ponto final.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário